O ano de 2024 certamente foi tumultuoso para o mundo da arte, marcado por uma Bienal de Veneza com a organização do diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa, e o escândalo midiático causado pela venda de uma banana em um leilão de arte, por R$ 36 milhões.
Também teve notáveis vestígios de artes visuais, de artistas renomados uma vez que Francis Bacon e Mira Schendel a figuras que despontam agora no cenário, uma vez que Teodoro Dias e Lucas Rubly e até retrospectivas, uma vez que as de Eleonore Koch e Carlito Carvalhosa.
Para ressaltar algumas vestígios de 2024, a Folha convidou cinco profissionais envolvidos com a cobertura de artes. Cada um destacou cinco das melhores exposições de 2024.
Confira a lista completa aquém, em ordem alfabética.
Alessandra Monterastelli
Repórter da Folha
Corpo-Lar
De Carolee Schneemann, no núcleo cultural Pivô, em São Paulo
Carolee Schneemann usou seu corpo nu uma vez que material para vídeos e performances que enfrentaram as normas masculinas dominantes mo meio artístico nos anos 1970. Na exposição, os imponentes manifestos da americana foram colocados ao lado das esculturas eróticas do prateado Diego Bianchi, feitas com materiais encontrados pela cidade, e das pinturas enormes de Marcia Falcão, que refletem as perturbações da mente. Tudo isso exposto no espaço incompleto por Oscar Niemeyer.
Leonilson: Agora e as Oportunidades
No Masp, em São Paulo
Com seu imagem de traço fino misturado a palavras ou frases curtas, mas dilacerantes, Leonilson criou um alfabeto próprio de símbolos para ortografar sobre suas paixões e aflições diante de um mundo indesvendável. Não à toa, ele se tornou um dos artistas mais pulsantes da Geração 80, e uma retrospectiva no Masp parecia precípuo no ano em que o museu se dedicou à obra de artistas queer.
Fullgás
No Meio Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro
A mostra, que deve passar por Brasília e São Paulo em 2025, arma uma grande sarau para comemorar a Geração 80, que completou 40 anos em 2024. A exposição não só traz uma seleção ampla de artistas de diferentes regiões do Brasil, uma vez que desenvolve o diálogo imprescindível entre a produção artística da quadra e a cultura pop difundida em volume pelas televisões e rádios da quadra.
Koudelka: Ciganos, Praga 1968, Exilios
De Josef Koudelka, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo
Quando soube que os soviéticos invadiram Praga, Josef Koudelka, logo um fotografo diletante, pegou sua câmera e capturou imagens do que via. As fotos se tornaram históricas, rodaram o mundo pela dependência Magnum, e Koudelka se tornou um dos principais fotógrafos do século 20. A retrospectiva no Instituto Moreira Salles exibiu de forma inédita no Brasil o trabalho do artista que, aos 86 anos, se orgulha de ter dormido nas circunstâncias mais adversas para conquistar a núcleo das pessoas.
Lygia Clark: Projeto para um Planeta
Na Pina Contemporânea, em São Paulo
A retrospectiva de uma das artistas contemporâneas mais importantes do país. Depois de dar vida às suas formas simplificadas por meio da geração de seus “Bichos”, Lygia Clark se dedicou a tornar a arte alcançável para qualquer um por meio de materiais simples e, depois, quis que a arte fosse uma utensílio de trato para a mente.
Beta Germano
Jornalista especializada na cobertura de artes visuais
Cecília Vicuña: Sonhar Chuva — Uma Retrospectiva de Porvir
Na Pina Contemporânea, em São Paulo
Com o golpe militar chileno, Cecília Vicuña optou pelo autoexílio, mas nunca deixou de lutar pela democracia em seu país e nunca se desconectou de sua ancestralidade andina. Por meio dos cantos pré-colombianos, dos quipus e da trova, ela teceu seu caminho de volta para lar —a América Latina, lugar onde foi inventado o realismo fantástico e onde sonhar é cotidiano e fluido. A individual desta importante artista redescoberta há poucos anos foi um importante marco para a cena pátrio.
Luiz Zerbini – Paisagens Ruminadas
No Meio Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro
Luiz Zerbini transporta a paisagem para a tela e depois para o mundo e de volta para a tela. Cria uma representação da representação da representação. A fabulação da verdade fabulada. Um movimento contínuo, uma vez que se estivesse de trajo ruminasse paisagens. A exposição, que contou com textos do próprio artista, revelou didaticamente e poeticamente uma vez que ele canibaliza as próprias referências e memórias, físicas ou fictícias, num processo um de esmiuçamento, apuração, lapidação e recomposição do seu entorno.
Corpo-Lar
De Carolee Schneemann, no núcleo cultural Pivô, em São Paulo
Corpos inquietos, fragmentados, dissolvidos. O ponto de partida da mostra é “Meat Joy”, de Schneemann, uma celebração da músculos uma vez que material e elemento corpóreo. Enquanto Márcia Falcão expõe pinturas viscerais, sedutoras e violentas que questionam a polaridade entre o gozo e a dor, Diego Bianchi apresenta criaturas que nascem de arranjos improváveis de objetos descartados para criticar a fragilidade das estruturas urbanas e o consumo excessivo, além de desafiar as noções convencionais de identidade e gênero.
Por uma Outra Ecologia: O que a Matéria Sabe sobre Nós
No Solar dos Abacaxis, no Rio de Janeiro
A coletiva apresenta um “match” entre conceitos da ecologia queer —campo que combate visões antropocêntricas, defendendo a existência de seres não humanos dotados de perceptibilidade, dependência e libido— e do racismo ambiental —estudo que expõe a lógica extrativista e revela a vulnerabilidade de populações periféricas diante das mudanças climáticas. Ambas pesquisas percebem as ideias modernas uma vez que estrutura base do pensamento colonial que classifica e exclui ou escraviza. Entre os destaques, “Ancião Clouds Ancião Claims”, de Denise Ferreira da Silva e Arjuna Neuman.
Pierre Huyghe. Liminal
Na Punta della Dogana, em Veneza, na Itália
Pierre Huyghe segue interessado em obras construídas por sistemas vivos —tudo pode metamorfosear infinitamente de congraçamento com parâmetros definidos pelo artista ou por outras inteligências, humanas ou não. Sugere narrativas especulativas e nos convida a testar outras realidades, a nos tornarmos estranhos a nós mesmos e a olhar para a quesito humana sob outras perspectivas. A mostra se desenvolve a partir da teoria de “espaço liminar”, estado de transição ou um lugar de suspensão. Uma vácuo que pode ser física, emocional ou metafórica.
João Perassolo
Repórter da Folha
Francis Bacon: A Formosura da Músculos
No Masp, em São Paulo
Bacon captou os demônios de um varão gay e os transformou em pinturas lancinantes, em que os personagens aparecem dentro de quadros, uma vez que se estivessem presos em si mesmos, a lutar com seus demônios.
Lab(au): Writing, Painting, Calculating, Transcoding
Na galeria Dan Contemporânea, em São Paulo
Dupla belga que transforma a rijeza da matemática na formosura da arte, com obras de altíssima preocupação estética que lembram o testemunha do delícia da forma.
Funil
Na Lar SP-Arte, em São Paulo
Interessante a proposta do arquiteto Isay Weinfeld, o organizador, de deixar um caminhar do espaço expositivo praticamente vazio e de encher um quarto do piso superior com quase todas as obras da mostra, quebrando a expectativa de uma vez que se vê arte.
Fernanda Gomes
Na galeria Luisa Strina, em São Paulo
Com uma instalação desenvolvida para a galeria, a carioca usou madeiras antigas, barbante e tecido para fabricar um envolvente onde a delicadeza e a precariedade conviviam em simetria.
Restless Architecture
No museu Maxxi, em Roma
Um prédio residencial formado por cápsulas empilháveis em Tóquio e um carrinho no qual os moradores de rua de Novidade York podem dormir são exemplos de uma vez que a arquitetura pode ser maleável. A mostra, organizada pelo escritório americano de arquitetura Diller Scofidio + Renfro, explora a inquietude da disciplina em construções adaptáveis ou móveis, desafiando a teoria de que um lugar físico precisa ser estático.
Rodrigo Naves
Professor e crítico de arte
Mira Schendel – Esperar que a Letra se Forme
No Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo
A mais importante artista brasileira. No entanto, obteve reconhecimento exclusivamente em suas duas últimas exposições em vida —os “Sarrafos”, na galeria Raquel Arnaud, e “Monocromáticos”, na galeria Paulo Fernandes, em 1987. Uma obra caracterizada pela pluralidade de soluções. Uma leveza que se manifesta no uso dos mais diferentes materiais.
A Natureza das Coisas e A Metade do Duplo
Do coletivo Lar Sete. No Sesc Pompeia e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo
Formado na motim da “volta à pintura” da dezena de 1980, formou com Fábio Miguez, Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade o grupo Lar 7. Morreu precocemente. Do ponto de vista da visibilidade, atinge seu vértice com a instalação do grande labirinto no MoMA de Novidade York, formado por um tecido muito ligeiro, que se movia exclusivamente com o deslocamento do ar dos visitantes. A ligeiro ação era acompanhada pela música de Philip Glass.
Teodoro Dias — Pinturas, Relevos e Esculturas
Na galeria Dan Contemporânea, em São Paulo
Esse mineiro de Poças de Caldas, certamente pelo rigor uma vez que julga seus trabalhos, fez sua primeira exposição na galeria Estação aos 51 anos, depois de ser quase forçado a mostrar seus trabalhos por amigos, artistas e críticos. A atual exposição acontece na galeria Dan. São pinturas e objetos em que a cor é problematizada por movimentos reais e ópticos.
Germana Monte-Mór: Percursos da Imaginação
Na galeria Leme, em São Paulo
Esta exposição marca uma maior incorporação de recortes das telas. Luz e sombras, reais e ilusórias. Um passo a mais na sua complexa trajetória. Das telas em que predominavam manchas e linhas de asfalto, a artista crescentemente incorpora cores e recortes que remetem sobretudo à arte de Hans Arp, com o recurso a formas mais vitalistas, que sugerem uma constituição de uma vegetal ou dos seres vivos, de dentro para fora.
Lucas Rubly
Na galeria Verve, em São Paulo
Esse jovem artista de 33 anos se saiu muito muito em sua primeira individual. São telas e madeiras de pequenas dimensões em que pinturas abstratas e figurativas se intercambiam de maneira harmoniosa. Os pequenos formatos remetem ao silêncio e serenidade de telas de Vermeer e Morandi. Uma oposição à cacofonia contemporânea, na existência ou nas artes visuais. E sem qualquer nostalgia.
Silas Martí
Editor da Ilustrada e colunista de artes visuais
Bienal de Veneza
No Arsenale e nos Giardini, em Veneza, na Itália
É preciso relativizar cá o concepção de melhor nesta lista. Não, a edição da mostra italiana organizada por Adriano Pedrosa está longe de ser uma das melhores da história e empalidece na conferência com sua antecessora, a constelação acachapante de grandes damas surrealistas e os desdobramentos de sua arte construída dois anos antes pela italiana Cecilia Alemani. Mas a exposição de Pedrosa foi histórica e controversa, levando ao núcleo do turbilhão da arte mundial, onde gostos e desgostos se formam, um quadro vertiginoso da diáspora modernista pelo mundo, com poderoso peso de artistas brasileiros e do chamado sul global que nunca tiveram uma vitrine desse vulto. Reparação histórica? Talvez, mas isso não faz arte ruim se tornar boa. Pedrosa construiu uma grande provocação, engessada e enciclopédica às vezes, mas que ficará na memória por virar o mundo artsy do avesso em muitos sentidos.
Carlito Carvalhosa
No Sesc Pompeia e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo
Em dois espaços, a obra de Carlito Carvalhosa, ao mesmo tempo dura e etérea, ganhou um sopro de vida. Um dos nossos grandes escultores, rabi na arte de subverter a natureza dos espaços com inversões de perspectiva calcadas na mais brutal elegância, Carvalhosa merecia uma revisão de sua obra à fundura do marco que deixou no pensamento visual do país e depois de sua morte precoce.
Francis Bacon
No Masp, em São Paulo
Um gigante da arte, Francis Bacon teve sua obra obra devastadora revista pelo prisma de sua homossexualidade no museu da avenida Paulista. Os dramas, medos, delírios e solidões de seus homens torturados encerrados em jaulas imaginárias, nus diante do horror de arquiteturas perversas, brilharam numa montagem elegante, simples e direta, mostrando toda a dor que habita rima e métrica.
Juan Casemiro
No Meio MariAntonia e na galeria Marli Matsumoto, em São Paulo
Das mais belas surpresas na cena atual, Juan Casemiro é o responsável de pinturas, esculturas e instalações tão ásperas quanto delicadas. Arquitetadas a partir de ruínas, refugos e dejetos encontrados no espaço urbano em lugares que muitas vezes ainda são construção mas já lembram cenários de guerra ou termo de sarau, suas obras são ensaios e tentativas de reconstrução da memória num campo minado, a cidade que nos atropela todos os dias, os esquecimentos que nos afogam. Tudo isso é construído com a paciência de quem luta contra um vendaval e precisa refazer e refazer seus caminhos. É a resgate pela simplicidade.
Mira Schendel
Na galeria Luisa Strina, em São Paulo
Nosso mundo em colapso precisa de um sentido de formosura buscado a duras penas no encontro e no entrelaçamento das palavras, o duro caminho enfrentado por Mira Schendel em seus trabalhos babélicos, em que as línguas se misturam e se transformam em desenhos reveladores de nosso estado de desarranjo. Foi sem incerteza a mais bela montagem do ano, mas preciso lembrar também, no mesmo espaço, a lindíssima mostra de Fernanda Gomes.