O texto a seguir foi publicado em julho de 1996, quando o jornalista Sérgio Dávila, hoje Diretor de Redação da Folha, entrevistou, em Paris, o músico Sergio Mendes, morto nesta sexta-feira, aos 83 anos. O pianista, compositor e arranjador, grande nome do samba-jazz, ficou sabido por levar a música brasileira para o exterior. Na ocasião, porém, ele lançava seu 32º disco, “Oceano”, de olho no mercado brasílio.
Sergio Mendes entra no bar do hotel George 5º, na capital francesa, na última quarta-feira. Ato contínuo, o pianista da noite ataca de “Pequena de Ipanema”.
Habitués —árabes, japoneses e americanos, na maioria, em geral só os vários zeros do lado recta da conta bancária e o conhecimento da música “Mas que Zero”, composta por Jorge Ben Jor— erguem os copos a “monsieur Mendêz”.
“É assim em todo o lugar”, diz ele, em entrevista à Folha. Eis a situação: é assim em todo o lugar com o Burt Bacharach tropical, o Henry Mancini nagô, o inventor brasílio do “easy listening” (a “música fácil de ouvir”) —em todo o lugar, menos no Brasil.
Com 35 anos de curso, mais de 15 milhões de cópias vendidas em dezenas de países —principalmente Japão, Holanda e Alemanha—, Mendes lança agora seu 32º disco, “Oceano”, em procura do mercado brasílio.
Mercado que ele deixou e que o deixou em segundo projecto desde o histórico “Brasil 66”, que consagrou “Mas que Zero” e abriu os Estados Unidos —e o mundo— ao som de Mendes.
O niteroiense de 56 anos, morador de Los Angeles, pianista de formação clássica, arranjador, gourmet e enófilo (faz secção dos Bordeaux Lovers), casado com a vocalista Gracinha Leporace (que conheceu em 1968, num show) e pai de cinco filhos (o penúltimo, Gustavo, 9, é fã do gangsta rapper Coolio), disse o seguinte:
Por que quase ninguém fala de sua música no Brasil e os que falam só criticam?
A razão principal é a falta de manutenção de imagem, o indumentária de eu estar em outro lugar, morar fora. Isso acaba gerando um ignorância do que eu faço.
Há diferença entre “Oceano” e os 31 discos anteriores?
Esse projeto foi originado a partir do Brasil, essa é a diferença. Até logo, meus discos eram feitos nos EUA e lançados no Brasil uma vez que “atração estrangeira”.
Outra coisa é que tem menos percussão e mais standards brasileiros. Tem ainda um tipo de celebração aos 30 anos de “Brasil 66”, daí os convidados especiais, uma vez que Gilberto Gil.
O que você faz é samba, samba-jazz, bossa novidade, new bossa, musak ou música envolvente?
A última vocábulo, a voga que vem da Alemanha, da Holanda e da Inglaterra, é “easy listening”. Já fui chamado de tudo. São rótulos, eu não me preocupo. Faço a música que eu sabor e só.
Muda a idade, mudam os termos. No Grammy de 1993, ganhei uma vez que “world music”. Com “Oceano”, devo entrar uma vez que “jazz” ou uma vez que “adult contemporary”.
Mas o que você faz é brasílio?
A maior secção dos elementos é brasileira. Eu sou brasílio. É difícil declarar que eu faço música escandinava ou chinesa. Tem outros elementos, sim, uma vez que o jazz. Mas música essencialmente brasileira seria o quê? A dos índios?
“Brasil 66” é um clássico do “easy listening”. Há versões remixadas piratas sendo tocadas em pistas de Londres e Tóquio. O disco será relançado?
Não, nós estamos nos concentrando no disco novo.
De onde veio a idéia das vozes femininas cantando em uníssono, que é a base e o diferencial de seu som?
Em 1966, já em Los Angeles, eu resolvi procurar um outro tipo de sonoridade, dissemelhante da que eu vinha fazendo. Chamei duas americanas, Lany Hall e Karen Philips, para ensaiar.
Uma vez que você responde à sátira de que faz som para turista, bossa para gringo?
Isso pode ter vindo justamente de eu ter disposto no primícias as duas americanas para trovar em português, com sotaque —elas não sabiam a língua, só os fonemas.
Mas a sátira não é pessoal. Todo mundo que fez sucesso fora do Brasil recebeu glosa parecido. Jobim, por exemplo.
No texto de divulgação do lançamento do último disco de Tom Jobim, em 1994, Caetano Veloso escreveu que era simplismo confrontar a música dele, Tom, à sua, Sergio, só porque ambas têm o coro feminino. Dizia ainda que fazer essa verificação não era “baratear Jobim” mas sim “dignificar você”. O que você diz?
Caetano fez uma verificação positiva. Todos nós nos influenciamos de uma maneira ou de outra. Tom, por exemplo, sempre gostou da maneira uma vez que fazia as músicas dele.
Por que você saiu do Brasil, enfim?
Entre vários motivos, há um engraçado. Meu primeiro rebento, Rodrigo, nasceu em 6 de abril de 1964, na semana da “revolução”.
Na mesma hora, passei um telegrama para meu grande companheiro, o pintor Wesley Duke Lee, em São Paulo: “Rodriguinho Barra Limpa, o primeiro realista mágico de Niterói, avisa ao tio Lee que a ordem do dia é fralda larga e leite morno”.
Cinco horas depois, eu estava sendo recluso uma vez que subversivo. O general queria saber que história era aquela de “realista mágico” e “ordem do dia”. Tive de ir com os soldados, algemado, até a maternidade, para mostrar quem era o tal “Rodriguinho Barra Limpa”! (Risos).
Na mesma hora, o ateliê de Wesley foi invadido, e ele, recluso. O soldado tinha certeza de que havia estourado um “aparelho”. Cismou que um busto de bronze com a figura do pai do pintor era na verdade o Lenin. Wesley ficou uma semana na ergástulo, eu ganhei prisão domiciliar. Aí, fui embora.
O jornalista Sérgio Dávila viajou a Paris a invitação da gravadora PolyGram