Antonio Augusto Fontes considera o estilo uma prisão em que o artista fica confinado dentro de si mesmo. Para ele, quem se prende a uma marca perde a liberdade de testar. “O lícito na retrato é exatamente a inconstância. Você é livre para indicar a câmera para onde quiser.”
Ao longo de mais de quatro décadas, Fontes tem voltado as lentes para uma multiplicidade de cenários. Desde os Estados Unidos em convulsão social dos anos 1970 à sequidão do sertão baiano dos anos 1980 e 1990. Os personagens de suas fotografias são também diversos. Eles vão de nomes luminosos da cultura brasileira, porquê Chico Buarque e Glauber Rocha a figuras anônimas das ruas de Paris e Novidade York.
“Uma vez, a curadora de um museu de Amsterdã falou que gostou das minhas fotos, mas que tinha um problema: elas pareciam de fotógrafos diferentes”, diz Fontes. “Achei isso perfeito. Quem tem estilo abraça exclusivamente um segmento. Quem não tem abraça a motivo inteira.”
Os múltiplos olhares desse fotógrafo avesso ao estilo estão expostos agora nas paredes da Galeria da Gávea, na zona sul carioca. Com curadoria de João Farkas, a exposição “Assim É se lhe Parece” reúne muro de 60 fotografias em preto e branco produzidas de forma analógica.
“Não tenho zero contra a modernidade, mas essa é a retrato que eu conheci. O do dedo veio depois. O meu instrumento é a câmera de filme. Sempre fui fascinado por esse processo.”
O fascínio começou quando ele cursava engenharia na Universidade Federalista da Paraíba. A teoria era que seguisse a trajetória profissional de seu pai, que também era engenheiro. Os planos mudaram posteriormente ver um experimento do fotógrafo Henri Cartier-Bresson na revista Manchete. As fotografias mexeram com Fontes de tal maneira que ele foi perdendo o interesse pela engenharia.
“Aí recebi um ultimato do meu pai. Precisava fazer alguma coisa da vida. Logo disse que queria estudar retrato nos Estados Unidos.”
Ao desembarcar no país, em 1970, Fontes testemunhou os abalos que a contracultura estava provocando na sociedade americana. “Eu vi uma juventude que acreditava num sonho. Todo esse idealismo era um pouco muito dissemelhante.”
Alguns dos trabalhos da exposição sintetizam a euforia e a efervescência daquele tempo. Em uma das imagens, Fontes parece ter flagrado o momento que antecede um ósculo. Vemos dois rapazes deitados sobre o gramado, pernas entrelaçadas, olhares, alinhados. O erotismo é palpável.
Em outra obra, homens seguram taças de champanhe e conversam no Medial Park. Lírios do campo se estendem ao volta deles. Uma bicicleta está jogada preguiçosamente sobre a grama.
O título da foto é “Le Déjeuner sur l’Herbe”, menção à pintura de mesmo nome feita por Édouard Manet. A referência não é à toa. Ambos os trabalhos celebram o repouso e o hedonismo. Uma imagem, porém, prenuncia o termo da sarau e o início da ressaca.
Fontes registrou policiais caminhando às gargalhadas, enquanto um hippie emburrado está prestes a trespassar de cena. “É porquê disse John Lennon: o sonho acabou. Aquela juventude de alguma maneira perdeu o jogo. Os caretas ganharam e estão no poder.”
Em 1974, o fotógrafo voltou para o Brasil, onde atuou em veículos porquê Veja, Revista e Isto É. Durante o trabalho, perseguia aquilo que Cartier-Bresson chamou de momento decisivo, a fração de segundo em que todos os elementos se alinham para produzir uma imagem paradigmática. “A minha retrato era muito voltada ao flagrante.”
Foi nesse período que registrou personalidades porquê a escritora Nélida Piñon e o poeta João Cabral de Melo Neto.
Apesar de gostar do fotojornalismo, Fontes diz que, nesse gênero, a imagem depende de uma taxa para subsistir. “Só que muitas vezes o fotógrafo procura um pouco que transcenda o objecto ou o gancho jornalístico.”
Ele alcançou essa transcendência quando fez a série “Raso da Catarina”, trabalho em que fotografou o sertão baiano.
Mais do que a população sítio ou a paisagem sertaneja, Fontes capturou a quietude. Exemplo disso é a imagem de um varão caminhando solitário em um terreno vasto e ressequido. É uma obra que não almeja expressar zero além do próprio silêncio.
Se no fotojornalismo sua referência era Cartier-Bresson, agora ele tinha porquê padrão o gálico Eugène Atget, fotógrafo que fez do vazio o protagonista de suas imagens. No início do século 20, ele fotografou uma Paris despovoada nas primeiras horas da manhã. “Fotos jornalísticas muitas vezes são retóricas. O trabalho dele me abriu para a possibilidade do silêncio.”
Ainda que tenha um extenso cabedal de referências, o seu principal guia é mesmo o olhar. “Eu tinha um colega nos Estados Unidos que fazia curso com grandes fotógrafos. Um dia, ele me disse que não sabia mais o que fazer”, lembra Fontes. “Tinha tanta informação que perdeu a capacidade de enxergar por ele mesmo. Acho que o grande duelo do fotógrafo é aprender a ver com os próprios olhos.”