Duas imagens muito díspares ganharam todos os holofotes até o momento neste ano pelo mesmíssimo motivo. A mais recente é o registro do voo da vitória, literal, do surfista Gabriel Medina nas Olimpíadas de Paris, flutuando no ar sobre as ondas, sua prancha na vertical, desafiando a seriedade, em igual posição ao lado dele, com o braço recta levantado ao firmamento, a mão fazendo um gesto de número um.
Também dotada de ar triunfal, embora num contexto um tanto macabro, a outra mostra o ex-presidente americano Donald Trump, o rosto ensanguentado pelo rastro da projéctil de fuzil que rasgou sua ouvido direita, erguendo o punho fechado em sinal de resistência em meio à tamanho de seguranças e agentes do Serviço Secreto, a bandeira americana tremulando ao fundo da elaboração, no dia do atentado que quase tirou sua vida.
São registros fortes, que estamparam capas de jornais e revistas, manchetes eletrônicas e até mesmo as escaladas dos telejornais, estáticas, mesmo na televisão. É aí que está a força dessas imagens. Num fluxo midiático frenético, tomado por avalanches de imagens em movimento, “reels”, “stories”, dancinhas de TikTok em telas sensíveis ao toque, ainda é a imagem única, congelada, que parece sintetizar e cristalizar um momento, fazer do que seria corriqueiro, um momento perdido, um registro histórico.
Na campanha eleitoral em curso nos Estados Unidos, a imagem do fotógrafo Evan Vucci, da Associated Press, parece ter apressurado a desistência de Joe Biden da corrida à Lar Branca, um ícone momentâneo da força e resiliência de um candidato na presença de a letargia do outro. Nas Olimpíadas, a imagem de Jérôme Brouillet, da AFP, resume num único quadro a sensação de vitória que tantos buscam testemunhar na eletricidade dos jogos, o varão mais rápido, mais cimeira e mais poderoso tomado em seu auge.
É o tal momento decisivo, porquê dizia Henri Cartier-Bresson. O gálico se firmou na história da retrato por suas imagens certeiras —um varão de guarda-chuva enregelado no ar enquanto salta sobre uma poça d’chuva no Trocadéro, em Paris; o momento em que uma mulher de sobretudo cruza um grupo de monges causando um efeito de multiplicação dos figurinos apesar da diferença entre os homens e a mulher em cena; dois homens vistos numa ponte na mesma exata posição mas caminhando em direção contrária.
Jacques-Henri Lartigue, outro gálico, também entrou para a história com suas visões de um mundo em ebulição, carros de corrida a toda velocidade, bicicletas rasgando a paisagem levantando poeira, saltos e acrobacias na praia.
O momento em que Medina voa sobre as águas, a corda que o cabo à prancha alinhada com sublimidade à risca do horizonte e a superfície das ondas, ou o momento em que Donald Trump se levanta da confusão com o punho em riste seriam momentos decisivos no léxico de Cartier-Bresson.
Mas há uma diferença, sobretudo, técnica. Nos primórdios da retrato, limitações das câmeras não permitiam flagras tão cristalinos em cenários de tumulto e movimento. As imagens de Trump e Medina, em perfeito foco e com um paisagem quase coreografado, são frutos de outro momento histórico em que todos os momentos podem ser decisivos, isso porque hoje existem câmeras capazes de fotografar até 6 milhões de imagens por segundo —uma delas pode ser Medina no ar ou um Trump triunfante, mas é preciso procurar.
O fotojornalista do comício de Trump conta que nem viu a retrato icônica que tirou. Transmitidas direto da câmera para sua editora, as imagens chegam num turbilhão, porquê as cenas em vídeo daquele momento, em que quase zero se entende do que se desenrola diante das lentes. Alguém precisa pinçar esse único fotograma perfeito, um trabalho, simples, menos poético do que as cenas dos franceses dos primórdios da retrato, com a diferença também que grande segmento dos registros deles eram encenados mesmo, coreografados para atingir esse efeito.
Esse gesto de pescar o fotograma ideal numa correnteza de imagens lembra a operação do inglês Eadweard Muybridge, nome meão dos estudos do movimento na retrato e precursor do cinema. Suas imagens de cavalos a galope, homens dando piruetas, bailarinas dançando, entre outras cenas em subida velocidade, fascinaram artistas que até portanto não tinham à disposição a visão do corpo em movimento em tamanha nitidez.
No transcurso da história, essas imagens de Muybridge ganharam status de arte e informaram o trabalho de pintores do calibre de Francis Bacon. No fotojornalismo, essas duas imagens de agora, de Medina e Trump, também foram alçadas à categoria máxima do ofício por se desprender do furor da ordem do dia e entrar para a história. São exceções que desviam da ordem, saem do esquecimento para entrar na memória porquê registro incontornável do indumentária.
O ponto, para além do magnetismo plástico da imagem, é seu caráter físico, impresso. Por mais que a circulação desses flagras tenha se oferecido em maior frequência pelas telas do celular, sabemos do poder que eles têm quando impressos, haja vista as primeiras páginas dos jornais e a toga da revista Time. É um tanto que só é verosímil com imagens desse calibre, a imagem-ícone, a imagem que fala pelo indumentária —um tanto que só grandes fotógrafos souberam encenar ou um tanto que só máquinas ultrapotentes hoje produzem em grande segmento pelo eventualidade, mas alguém precisa notar.