Francisco cuoco, galã da tv, está doente e fã de

Francisco Cuoco, galã da TV, está doente e fã de si mesmo – 18/05/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Poucos traços de Francisco Cuoco, aos 91 anos, lembram os que fizeram dele um dos maiores galãs da televisão brasileira. Sentado no sofá do apartamento onde mora com a mana, na zona sul de São Paulo, assiste à televisão na sala com o olhar perdido. Ganhou muito peso. As pernas, inchadas, com pés roxos, estão nuas sob um lençol fino.

O ator atende a reportagem a contragosto. Havia topado a entrevista no dia anterior, em telefonema mediado por um colega da família, mas não quis saber de papo na hora. Convicto pelo companheiro, pediu que fosse rápido, e com lentidão descolou o tronco do sofá onde estava estirado. Ajeitou a sonda no nariz e soltou um muxoxo em cumprimento ao repórter.

“Tenho alguns problemas de saúde, de locomoção. Mas”, ele diz, antes de uma pausa demorada. “É suportável.” Cuoco diz ter infecção nos rins, sofreguidão. Fica atormentado com pouco e lida com as frustrações comendo. Hoje pesa tapume de 130 quilos —não dá para saber exatamente, porque ele não consegue subir em balanças. O ator não fica mais de pé sozinho, conta a mana, Gracia Cuoco, de 86 anos, e toma banho exclusivamente com a ajuda de seus cuidadores.

O ator sofreu uma piora no último ano. Em julho pretérito, recebeu a equipe da TV Orbe em morada para gravar um prova ao programa Tributo, que homenageia grandes artistas da emissora da família Marítimo. O capítulo deve ir ao ar nas próximas semanas. À era, Cuoco estava menos debilitado, e seu rosto ainda lembrava aquele que o público conheceu do sofá, por tantas décadas adiante da televisão.

Cuoco leva a vida porquê pode. Vai muito ao hospital, com suporte de enfermeiros para se locomover, e repousa quando está em morada. Diz gostar de ver à televisão, mas não às novelas. “Assisto ao jornal, alguma reportagem mais interessante. Mas perdi o interesse em novelas. Vejo filmes. Mas não sempre, porque eles são muito longos.”

Cuoco assistiu a um trecho de “Ainda Estou Cá”, vencedor do Oscar de melhor filme internacional. “Algumas cenas eu não gostava. Tem momentos tristes. Mas outros são interessantes, apontavam para uma coisa de política brabeira, de sinistro”. O filme conta a história de Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, que perdeu o marido para a ditadura militar nos anos 1970.

Fernanda, que concorreu ao Oscar de melhor atriz oriente ano, interpretou a filha do personagem de Cuoco no filme “Gêmeas”, quando ela tinha 34 anos, e ele, 66. “Cuoco é puro Nelson Rodrigues. A voz, o porte, o tamanho, a venustidade. A humildade que beirada o patético. Tudo isso faz dele irresistível”, diz ela.

Quando Cuoco fala de “Ainda Estou Cá”, o repórter lembra a participação de Fernanda Montenegro porquê Eunice Paiva na vetustez. Os dois são da mesma geração —a atriz tem 95 anos— e trabalharam juntos em obras porquê o teleteatro “A Malvada”, exibida em 1961 na TV Tupi, e na romance “Passione”, da Orbe, cinco décadas depois. “Você vê, tira o chapéu e toca o bonde. É vida que segue”, diz ele sobre a colega.

Cuoco é de uma leva de atores que ajudou a fundar a teledramaturgia brasileira. Surgiu mais ou menos junto de artistas porquê Tarcísio Meira, Glória Menezes e Regina Duarte, com quem fez par romântico em “Selva de Pedra”, de 1972, e em “Sétimo Sentido”, dez anos depois. “Lembro direitinho. É chocante, foram muitos encontros, muitos achados na teledramaturgia. Foi muito bom. Eu não sei o que seria da arte sem esses momentos preciosos”, afirma.

Fernanda Montenegro lembra que seu primeiro encontro no palco com Cuoco foi em 1958, na peça “A Muito Curiosa História da Virtuosa Matrona de Éfeso”. “Que saudade da aurora da nossa vida. Ele é um ator integral. Um ser humano querido e querido”, diz, em texto enviado à reportagem.

Cuoco é ídolo também de Rodrigo Lombardi, de 48 anos, que labareda o ator de “uma síntese de todos os grandes”. Lombardi refez um dos personagens mais emblemáticos do veterano, o prestímano Herculano Quintanilha, da romance “O Planeta”, lançada em 1977. O remake saiu em 2011. “Se botar os grandes atores no liquidificador, o elixir que goteja é Francisco Cuoco”, diz.

Os dois contracenaram na segunda versão de “O Planeta”, quando Cuoco, aos 77, foi chamado para fazer o mentor do prestímano que décadas antes ele ajudou a gerar. “Ele já tinha uma idade avançada, mas estava pleno de viveza. Quando a câmera fechou o primeiro close no rosto dele, pensei ‘meu Deus, esse varão é mesmo um negócio’”, lembra Lombardi.

Cuoco não se recorda de “O Planeta”, mas fala com saudosismo dos tempos em que se considerava só um novel. Passava dias a fio tendo de decorar texto, em paralelo à vida de feirante, no bairro do Brás, em São Paulo, onde o pai tinha uma barraca de biscoitos. À noite, estudava na Escola de Arte Dramática, quando a instituição ainda não era propriedade da Universidade de São Paulo.

“A escola era maravilhosa, colaborou lindamente com vários aspectos da arte brasileira”, diz o ator, que se formou, ingressou no elenco do Teatro Brasiliano de Comédia, e depois no Teatro dos Sete, onde dividiu palcos com Fernanda Montenegro.

Em paralelo, foi à TV, com “Marcados Pelo Paixão”, de 1964, na TV Record. Logo foi chamado de galã. Colou sua imagem no imaginário do público com “Salvamento”, de 1966, da extinta TV Excelsior, a romance mais longa da história.

Em 1970, ele se mudou para a Orbe, onde virou pupilo de Janete Clair, dramaturga que o levou a novelas icônicas, porquê “Selva de Pedra” e a própria “O Planeta”. Foi ela quem escalou Cuoco para o taxista Carlão, de “Vício Capital”, personagem que ajudou a imortalizar o ator.

“Eu era privativo. Tenho retrato da era e vejo que era um ‘galãzura’ mesmo”, diz. O repórter pergunta o que ele quis expressar. “Um ‘galãzura’”, repete.

Ser bonito era secção do ofício. Cuoco, possuinte de um vozeirão, foi considerado um dos homens mais charmosos da TV. Assim, virou uma espécie de herói vernáculo, diz o pesquisador Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela Universidade de São Paulo e apreciador do ator desde moço. Décadas depois, viraram colegas por intermédio da mana do ator.

“Numa ocasião, Francisco estava no sege enquanto íamos a uma sarau da escola. Me senti sendo guiado pelo Carlão”, diz Alencar. “À era, vivíamos uma idolatria com atores de TV. Aquele era o promanação da Hollywood brasileira, e ele foi um dos líderes dessa era. Havia um delírio coletivo.”

Possessor de uma coleção de revistas sobre Cuoco, Alencar sabe tudo sobre a vida dele e quase foi seu biógrafo. “Francisco representou os dilemas do varão moderno. Não interpretava heróis cheios de virtude, e também não fazia só o ‘bad guy’. Por isso tantos homens e mulheres se encantaram.”

Foi Alencar quem ligou para Cuoco para negociar esta entrevista. Não via o ator desde julho, quando acompanhou as gravações do programa da Orbe. Ao ver o companheiro no sofá, agora tão dissemelhante, sentiu, em suas palavras, porquê se vislumbrasse o lusco-fusco de uma história que acompanhou do início ao término. Para Rodrigo Lombardi, a sensação é parecida. “Difícil confiar que heróis padecem.”

Mas Francisco Cuoco diz estar tranquilo, com um orgulho danado de tudo o que já fez. “Sei que não foi à toa. Foi fundamentado em interesse, em entrega, em procura de paridade. Passaram-se anos e experiências foram acumuladas. Eu perdia tempo, mas depois obtinha resultado. Foi bom. Agora quero tocar o paquete. O próximo resultado está adiante.”

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *