Fui De Bike Ao Ibirapuera, Quando Voltei A Bicicleta Já

Fui de bike ao Ibirapuera, quando voltei a bicicleta já era – 22/06/2024 – No Corre

Esporte

Desde que fui ejetado do regime CLT, há uma face, controlo minha agenda e meu lugar de trabalho. É o lado bom da uberização. Chame-me Mr. Brightside.

Pois muito, estava feliz na manhã desta sexta (21), mais um dia de sol a pino em São Paulo, firmamento sem nuvens, temperatura amena. Marquei uma entrevista com o Zeca Fernando, um pioneiro do mundo da corrida amadora, no Madureira Sucos, um dos cafés bacanas que surgiram no parque Ibirapuera com a licença levada a cabo entre 2019 e 2020.

Deixei a minha bicicleta aro 29 num paraciclo sobre cinco metros do moca e da mesa onde fiquei por duas horas com o porreta entrevistado.

Do outro lado, praticamente colado ao paraciclo, um banheiro. Bastante bom e limpo para o serviço público, aliás.

Ao retornar, havia exclusivamente a fluente de sigilo numérico no soalho, perfeitamente seccionada a golpe, tudo indica que de um alicate de namoro.

Um rapina pessoal, um tanto de que o brasílico é trivialmente vítima, não deveria dar azo a texto em espaço tão superior, mas invado cá a cultura do companheiro Caio Guatelli, do Ciclocosmo, por se tratar do parque Ibirapuera.

É o mais famoso parque de São Paulo, o mais frequentado –16,3 milhões de visitas em 2023, muro de três vezes o que teve o segundo posto, o parque do Povo–, um dos mais centrais e sede de grandes museus e exposições.

É ainda um dos principais cenários da corrida da cidade, recebendo assessorias esportivas, personal trainers e centenas ou milhares de corredores amadores todos os dias e por muitas noites.

Finalmente, a ação ocorreu às claras, num lugar que deveria ser bastante seguro para vigilar bikes. Novamente: o paraciclo fica quase reclinado num banheiro público e a passos do Madureira.

Tudo isso sugere que o evento não foi fortuito.

Falei com seguranças da empresa Urbia, a concessionária, que foram simpáticos e solidários, mas que não puderam fazer muita coisa a não ser passar um rádio universal. O companheiro do alheio deveria há muito haver-se escafedido. O lugar do sinistro fica próximo ao portão 8.

Um dos meus interlocutores disse que eventos do tipo são raros, em divergência com a opinião de uma pessoa que ouvi perto do Planetário, que chegou a mencionar uma “gangue”.

Seja uma vez que for, o dia, apesar do sinistro e das perdas financeira, afetiva e sobretudo logística –trata-se, por fim, do meu principal modal de mobilidade–, não terminou tão mal.

Saí do Ibirapuera logo depois de uma sessão no Planetário, que projetou no teto em cúpula de seu pavilhão o que seria o firmamento de São Paulo se não houvesse qualquer poluição luminosa por cá. Dizem que aquela profusão de estrelas era vista em 1957, não sei se acredito.

É um dos raros espetáculos que ainda me emocionam, sobretudo quando tenho a oportunidade de levar uma filha, um sobrinho, uma sobrinha, uma sobrinha-neta ou um sobrinho-neto a tiracolo. O rapina dificultou o maravilhamento, mas isso não é um problema do Planetário.

Segundo dados coletados pelo grupo Coligação Bike, obtidos por meio da Lei de Aproximação à Informação junto à Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, ocorreram 3.795 roubos e furtos de bicicletas na capital paulista em 2022, último ano pesquisado. Prolongamento de 10% em relação a 2021.

É um número, evidente, menor do que a veras, dada a subnotificação.

Se me servisse de consolo, diria que não estou sozinho. Mas melhor do que isso é utilizar uma definição de Chico Buarque, tão lembrado nesta semana por seus 80 anos.

Numa entrevista antológica a Mário Prata e a Melchíades Cunha Jr, do jornal Última Hora, em 1974, em que incorporou seu personagem e pseudônimo Julinho da Adelaide, com o qual conseguiu validar músicas que de outro modo seriam censuradas, ele falou da invenção do que chamou de samba-duplex:

“Fui a São Paulo com a Brigite, voltei com a meningite”, disse, com tirocínio, numa verosímil invenção à quente, daquela hora, exemplificando o samba-duplex.

Pouco antes, o governo militar, uma vez que se sabe, tentou ocultar o surgimento do surto de meningite em São Paulo, o que motivou Chico/Julinho a expor em seguida aos interlocutores um tanto do tipo:

“Mas se não gostarem, eu digo que fui pra São Paulo com a meningite, voltei com a Brigite”.

Eis o samba-duplex, duas versões antagônicas para um mesmo verso à escolha da conveniência.

Minha vez: fui de bike ao Ibirapuera, quando voltei a bicicleta já era.



Folha

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