“Quando as pessoas começam a falar de revolução, quando as pessoas te colocam uma vez que um revolucionário, você tem que ter zelo com a virilidade que você vai transmitir”, diz o rapper Ice Blue, integrante do Racionais MC’s, ao se recordar de um incidente que ocorreu em um show do grupo em Bauru, no interno de São Paulo, em 2005.
No meio da apresentação, o corpo de um varão morto foi jogado aos pés do grupo — formado por ele, Mano Brown, KL Jay e Edi Rock. O jovem foi assassinado a tiros em seguida uma confusão na plateia.
Com letras que denunciavam a vida permeada por violências na periferia de São Paulo, os Racionais se tornaram um marco não só na cena do rap, mas também na cultura vernáculo. “As pessoas nos colocaram nesse lugar de incentivar [a violência], de fazer apologia, mas eles não sabem o tanto que a gente ponderou”, afirma.
“Tem música que o Brown escreveu [naquela época] e que a gente deixou de gravar. Está lá [guardada] até hoje. Ali tem revolta. A gente tinha consciência de que, se a gente lançasse, poderia dar um problema muito sério. É uma coisa que a gente sempre conversou entre nós. Sempre um ponderando com o outro, porque era muita raiva e indignação.”
Paulo Eduardo Salvador, nome de batismo do rapper, não sabe explicar uma vez que o grupo chegou ao tamanho que chegou. Mas agora procura passar sua experiência para a geração mais novidade, que é hoje quem ocupa o topo das paradas musicais. Além de ser empresário, ele assumiu neste ano o incumbência de vice-presidente da GR6, a maior produtora de funk do país.
A gravadora tem em seu catálogo mais de centena artistas, incluindo nomes do gênero uma vez que MC Livinho e Hariel. E tem investido no trap, com artistas do momento uma vez que Vulgo FK. “A rapaziada é uma máquina de fazer música. Eles têm uma facilidade que é uma coisa que a gente dos anos 1990 [não tinha]. O processo era mais elaborado”, afirma Ice Blue.
“A internet chegou para ser um braço do movimento urbano, que não tinha distribuição. O chegada foi democratizado. Sem a internet, ainda estaríamos na mão dos caras da televisão, do rádio e das grandes gravadoras. Hoje, eles procuram a gente para que nossos artistas participem dos programas deles. A lógica foi invertida.”
Ice Blue recebeu a pilar para uma entrevista na sede da GR6 Explode, localizada na zona setentrião da capital paulista. O espaço possui 12 estúdios de gravação de voz, além de um multíplice para a filmagem de trabalhos audiovisuais. A gravadora diz lançar, em média, 150 produções por mês, e 15 videoclipes por semana.
“Você faz a música, daqui a pouco está do outro lado [dos estúdios] fazendo um clipe. Isso pode intercorrer em horas. Com essa rapidez, os artistas acabam fazendo muita música, mas não desenvolvendo um projeto. Sempre falo para a rapaziada: ‘Você quer ser um artista passageiro ou você quer deixar um legado?’. Com a minha vinda pra cá, os moleques estão valorizando mais as entregas de shows. Estão entendendo o que é ter um set, um álbum, uma produção elaborada”, explica.
O seu principal objetivo na GR6 é o que ele descreve uma vez que “profissionalização do funk”. “O gênero está no topo das paradas musicais. O meato do YouTube da GR6 rem mais de 40 milhões de inscritos e 10 milhões de acessos diários. Agora, a gente quer implantar qualidade”, diz. “Quando um gringo olha pra cá, ele respeita nossos números, mas ainda coloca defeitos [na parte profissional]. O mercado europeu está vendo. A gente tem que melhorar a nossa qualidade para não perder o timing.”
Questionado sobre a exportação do gênero, encabeçada por Anitta, que está em turnês no exterior com seu CD mais recente, “Funk Generation”, Ice Blue diz que a carioca “elevou a curso para outro nível”.
“A Anitta aprendeu a falar outras línguas. Ela tem meu saudação por levar essa {sigla} de ‘eu sou funkeira’ para o mundo. É uma lisura de portas. Não tem uma vez que negar. Agora, quem tem a expertise dela? Quem está pronto para esse jogo?”
Em entrevista à Folha em agosto de 2023, KL Jay falou que o rap virou “meio fábrica de bolacha”, com “todo mundo usando Auto-Tune [um programa que altera a voz]”. “Isso é uma visão dos caras dos anos 1990”, rebate Blue Ice ao ser questionado sobre a enunciação do seu companheiro de Racionais.
“Aprendi que o Auto-Tune é um estilo do funk, do trap. Para o KL Jay, quem usa Auto-Tune não sabe trovar. Vendo de perto, entendi que está dentro do concepção. Também briguei no início do meu rap, quando o técnico [de gravação] queria tirar o sonido do meu som e eu não queria deixar.”
“A ‘fábrica de bolacha’ talvez seja pela destreza. Mas é um movimento livre, dissemelhante do nosso [do Racionais], que tinha esse compromisso com a conscientização. O compromisso deles é fazer música para dançar, namorar, é outra paragem.”
“‘Ah, é putaria’”, diz ele, citando as críticas às letras sensuais e explícitas das canções. “O Tchan era putaria nos anos 1990 e passava na Rede Mundo. Quantas meninas não dançavam na boquinha da garrafa?”
Ice Blue diz que o rap, lá nos anos 1990, trouxe “esse orgulho de ser preto, favelado, periférico”. “Hoje, você vê um monte de rosto, até playboy, com camiseta escrito: ‘Eu sou favela’. Agora, a próxima página é o que o funk vem fazendo. Deixar a rapaziada rica”, diz.
“Se você marchar cá no galeria [da GR6], é só tênis de R$ 20 milénio, jaqueta de R$ 30 milénio. Os caras falam em ‘ostentação’, mas não é isso. O funk deixou as pessoas periféricas milionárias, fazendo os moleques sonharem com coisas que na minha puerícia, não tinha o recta de sonhar. Não existia.”
“O funk trouxe essa liberdade. Um monte de preto andando de sege [de luxo]. Isso aí é o meu orgulho. Quando eu comprei uma moto zero, cheguei no estacionamento do [estúdio dos] Racionais e meus três parceiros fizeram rosto feia para mim. ‘Faceta, você comprou essa moto? O que você tem, você está louco?’”, recorda. “Quando nós [Racionais] começamos a lucrar moeda, fomos criticados: ‘O Brown se vendeu’”.
O rapper diz que é preciso “jogar o jogo”. “Não adianta eu me mudar para um condomínio de luxo e permanecer empinando moto lá dentro. Se quer continuar com essas paradas, fica na quebrada. O rosto ganha moeda e acha que isso é desafiar”, afirma.
“Desafiar é você entrar no restaurante, saber pedir, saber usar os talheres, escolher o vinho claro e deixar quem está do seu lado em choque porque você tem esse conhecimento”, exemplifica.
Ice Blue torce o nariz ao falar do movimento de artistas de outros gêneros historicamente mais distantes do funk, uma vez que o sertanejo, que agora buscam parcerias com MCs. “Eles vêm flertando e gravando com o funk pelos números. O movimento do funk é muito generoso. Na minha concepção, eles deveriam ser bloqueados por um tempo. E todo o preconceito que a gente passou? Quantos eventos de sertanejo que não tinham música urbana?”
Atualmente, a Polícia Federalista investiga o sócio da GR6 Rodrigo Inácio de Lima Oliveira por supostamente orquestrar um esquema de lavagem de moeda para o PCC —ele nega. “Qualquer pessoa que tinha uma marca a proteger, correu da GR6 naquele momento. Não quis se associar. Foi exatamente no momento em que eu virei vice. Eu associei meu nome para, silenciosamente, mostrar que isso [as acusações] são uma patranha”, defende Ice Blue.
Antes de chegar à sede da GR6 para esta entrevista, ele estava nos estúdios trabalhando no próximo álbum do Racionais, que tem previsão para estrear ainda neste ano. “O disco provavelmente vai ter mais de 20 faixas. É o primeiro trabalho que a gente faz com tantas participações.” Entre os artistas convidados estão Seu Jorge, Hariel, Ed Motta, Criolo, Djonga e Falcão.
“É o jeito novo de fazer música. Você faz uma segmento, labareda um colega, todo mundo entra no jogo. A gente quer fazer as coisas do modo atual”, responde Ice Blue sobre o que levou o quarteto a invocar tantos artistas para o trabalho, que já tem quatro videoclipes gravados.
Questionado se a raiva, tão pulsante no início de sua curso, diminuiu, Ice Blue não morosidade a responder: “Não. Ela continua. Não mudou zero. O racismo está aí. A polícia continua nos matando. A direita ficou mais à direita. A esquerda está menos à esquerda. Todos os setores têm dificuldade de falar com o movimento preto.”
“Mas, hoje, a raiva é mais consciente, inteligente, estratégica. Quanto mais periférico, bem-sucedido, sabendo jogar o jogo, aí é que nós vamos quebrar esse paradigma.”