Na noite desta quinta-feira (20), o ônibus do time feminino do Palmeiras foi apedrejado na rodovia Forte Branco, quando as jogadoras se encaminhavam para a cerimônia de premiação do Campeonato Paulista da categoria, promovida pela FPF (Federação Paulista de Futebol) em São Paulo.
O Palmeiras conquistou o tricampeonato vencendo o Corinthians nos pênaltis e teve três jogadoras eleitas para a seleção do campeonato, além da técnica Camilla Orlando.
Segundo especialistas, o ato criminoso direcionado à equipe feminina vem na esteira de um aumento da relevância do futebol praticado pelas mulheres no país, com a rivalidade histórica entre as torcidas acompanhando esse movimento.
“Com muita luta, as mulheres conseguiram espaço e visibilidade no futebol, que sempre foi um meio machista e truculento, mas a carência de uma organização no esporte e da segurança pública traz junto os problemas estruturais do futebol masculino, envolvendo o conflito entre torcedores”, diz Flávio de Campos, professor de história da USP (Universidade de São Paulo), onde ministra o curso de pós-graduação ‘História Sociocultural do Futebol’.
Profissional em recta desportivo e sócio do escritório CCLA Advogados, Raphael Paçó Barbieri tem visão semelhante. “O futebol feminino porquê um todo vem vivenciando um incremento em estrutura e visibilidade. Com isso, a atração às torcidas é maior, inclusive às organizadas, e esse maior engajamento traz também os mesmos problemas do futebol masculino, com as torcidas usando os times e as disputas porquê justificativa para ações criminosas e violentas que não se justificam no meio do esporte”, afirma Barbieri.
Apesar do incremento recente, ainda há um despenhadeiro que separa o futebol por gênero no país —o Palmeiras feminino recebeu R$ 1,15 milhão da FPF pela conquista do Paulista, enquanto a equipe masculina levou R$ 5 milhões pela taça do estadual.
Coordenadora de pesquisa do Observatório Social do Futebol, iniciativa vinculada ao LEME (Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte) da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Raquel Sousa ressalta que não é provável falar em um aumento ou em uma redução no número de casos de violência no futebol brasiliano em 2024.
Por enquanto, o Observatório publicou um relatório referente exclusivamente ao ano de 2023, em que foram registrados 158 casos de violência. O levantamento de 2024 deve ser publicado em meados do ano que vem.
Ela acrescenta, mas, que é provável declarar que o protótipo de torcida única, adotado em São Paulo, Rio Grande do Setentrião e Paraná, não é eficiente, uma vez que as brigas se deslocaram dos periferia dos estádios para os trajetos de ida e volta de delegações e torcedores. “Os três estados têm altas taxas de episódios de violência no futebol”, afirma Raquel.
A partida final do Paulista feminino aconteceu em Campinas exclusivamente com a presença de torcedores do Palmeiras por recomendação da Polícia Militar, pelo risco de confronto entre torcidas organizadas.
No mesmo dia, o Corinthians masculino recebeu o Cruzeiro em Itaquera, em partida válida pela 34ª rodada do Campeonato Brasílio, que terminou com a vitória alvinegra por 2 a 1.
No término de outubro, torcedores do Cruzeiro sofreram uma emboscada de integrantes da Mancha Virente na rodovia Fernão Dias, que resultou na morte de um torcedor cruzeirense, além de 20 feridos.
Segundo Barbieri, a principal medida para coibir a violência no esporte é a investigação dos agressores, para que sejam levados à Justiça.
Ele acrescenta que também é preciso investir em políticas de conscientização, embora se trate de medida que demanda investimentos do Poder Público e leva tempo para surtir efeito.
“Nem todos que fazem segmento das torcidas concordam com esses atos de violência. Na verdade, acredito que seja uma minoria de infratores infiltrados. E, para esses casos, só a punição criminal é que resolve”, afirma Barbieri.
Campos, da USP, diz ainda que não é provável dissociar a violência praticada por torcedores de clubes do contexto social brasiliano, no qual a violência também se faz cada vez mais presente.
“Temos violências na nossa sociedade das mais diversas naturezas. Estamos submetidos no Brasil a uma sociedade extremamente violenta”, afirma o perito, acrescentando que os casos de violência, seja no futebol brasiliano ou mundial, seja em outras esferas da sociedade, vêm em uma escalada perigosa.
Ele lembra que, em contextura lugar, além do confronto entre torcedores do Palmeiras e do Cruzeiro, também houve o incidente recente envolvendo aficionados do Peñarol no Rio de Janeiro. E no exterior, a torcida do Maccabi Tel Aviv, de Israel, foi recebida de maneira violenta em Amsterdã por torcedores do Ajax, da Holanda.
“Infelizmente, é a instabilidade no próprio país que atinge o futebol. A gente tem uma preocupação pela integridade das meninas, até porque o futebol feminino é dissemelhante, a gente espera que a violência não chegue no futebol feminino e que a gente consiga continuar evoluindo. E que a violência fique longe do futebol feminino, que é um envolvente mais saudável [do que o masculino]”, disse Alberto Simão, diretor do futebol feminino do Palmeiras, em declarações ao UOL.
Médica do esporte com passagem por clubes e pela seleção brasileira feminina, Flávia Magalhães diz que percebe o envolvente no futebol entre mulheres mais saudável do que entre os homens.
“Trabalho no futebol há mais de 20 anos. Pude vivenciar a veras do feminino, do masculino e posso manifestar com propriedade que, no feminino, há muito mais simetria e saudação. O que aconteceu com o ônibus das palmeirenses é plangente e serve de alerta para todos nós. Não podemos deixar que a violência invada também a modalidade, justamente no momento em que ela passa por valorização e incremento”, diz ela.
O Palmeiras publicou uma nota nas redes sociais lamentando o incidente. “O clube repudia leste triste incidente de violência, que poderia ter ocasionado uma tragédia, e vai registrar Boletim de Ocorrência”, disse a associação na nota.
A FPF também publicou uma nota em que condenou a agressão. “Felizmente, não houve feridos. No entanto, os atos contra o grande vencedor paulista devem ser investigados e punidos com o rigor da lei.”
Procurada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) não retornou até a publicação da reportagem.