Aos 82 anos, Gilberto Gil decidiu que faria uma última turnê, batizada “Tempo Rei”. Ele se despede dos grandes palcos, com a promessa de voltar aos menores, numa performance que fala da infinitude do tempo. Para isso, faz um passeio por sua curso e por sua biografia, que se entrelaçam à história do próprio Brasil.
Posteriormente estrear no mês pretérito em Salvador, onde Gil nasceu, e passar pelo Rio de Janeiro, o show chega agora a São Paulo, com quatro apresentações no Allianz Parque —nesta sexta-feira (11), no sábado (12) e depois nos dias 25 e 26.
Seguindo a estrutura de palco das últimas apresentações, Gil cantará sob uma estátua em lesma, feita de metal e placas flexíveis de LED, que exibe trechos das músicas, imagens e palavras. Ao trovar “Drão”, por exemplo, manchas coloridas formam uma espécie de furacão no vórtice, e depois, ao som de “Toda Moça Baiana”, pedaços da letra giram nas telas.
Rafael Dragaud, diretor artístico do show, diz que a teoria é usar a estrutura para simbolizar o noção de cosmogonia, um conjunto de princípios, religiosos ou científicos, que tentam explicar o universo. “É uma árvore do tempo, com os galhos em cima, a estátua, e as raízes embaixo, o próprio Gil. Isso porque ele não tem uma cosmogonia só, dialoga com todas. A gente não poderia fazer um show de Gilberto Gil que fosse linear.”
Apesar dos volteios dessa lesma, o show tem uma certa linearidade. Ao menos na lista de canções, definida posteriormente uma discussão longa e criteriosa da equipe de produção. Gil mesmo só deu a bênção final —não quis se meter a somar a própria curso nas quase duas horas e meia de show.
A primeira secção foi pensada a partir de uma certa ordem cronológica, ainda que não à risca, antes do show partir para uma ramificação mais temática, associada às diferentes fases musicais de Gil, que fez samba, pop, reggae, rock, e todo um cancioneiro devotado ao tropicalismo.
O show começa com “Palco”, música de 1981. “Subo nesse palco, minha psique cheira a talco/ porquê bumbum de bebê/ de bebê”, entoa o baiano. Depois vem “Margem Um”, lançada no ano seguinte, e “Tempo Rei”, de 1984, que dá mote e nome à turnê.
“Existem blocos de uma narrativa histórica e outros que se libertam da cronologia para se concentrar exclusivamente na música”, diz Dragaud. “Precisávamos terebrar com ‘Palco’ porque é cantada em primeira pessoa, é uma apresentação de personagem perfeita e é um grande hit.”
Depois das três canções, Gil enfim se dirige à plateia. Aí homenageia seu lado forró —canta “Eu Só Quero um Xodó”, regravação da música composta nos anos 1960 por Dominguinhos, companheiro e sanfoneiro de Luiz Gonzaga.
O show segue com “Procissão”, de 1971, e “Domingo No Parque”, de 1968, dois dos maiores sucessos de Gil. São essas décadas, e a de 1980, que mais aparecem no show. O objetivo desta turnê derradeira, enfim, é relembrar o forçoso de Gil, aquilo que perdurou por gerações.
Para dar conta dos quase 60 anos de curso, ele apresenta murado de 30 músicas. Cada show pode mudar ligeiramente devido às participações especiais —Caetano Veloso e Anitta cantaram com Gil no Rio, Margareth Menezes e Russo Passapusso foram levados aos shows de Salvador. A produção do show não confirma que artistas devem manar no palco em São Paulo.
“Cálice”, a oitava cantiga da setlist, marca um dos momentos mais emblemáticos. Antes dela, o telão exibe um testemunho gravado por Chico Buarque, que compôs a cantiga com Gil. No vídeo, o artista conta a história da música, lançada em 1982, porquê uma denúncia à exprobação da ditadura militar. À estação, Chico Buarque tinha voltado há pouco da Itália, e Gil voltava de Londres, ambos exilados pelo regime.
Os rostos de pessoas exiladas e torturadas durante a ditadura são mostrados na tela enquanto Gil canta a música —”porquê é difícil despertar embatucado/ se na calada da noite eu me dano/ quero lançar um grito desumano”, diz a letra.
Entre as vítimas, está o ex-deputado Rubens Paiva, que teve sua história contada no filme “Ainda Estou Cá”, primeira produção brasileira a vencer o Oscar de filme internacional. No show de Salvador, o público fez um coro de “sem anistia”.
O telão traseiro, aliás, é usado para descrever secção da história de Gil. Fotos e vídeos, alguns raros, se intercalam a desenhos, pinturas, manchas de corespor detrás do cantor e de sua margem. Dragaud, que foi casado com Preta Gil, também contratou uma pesquisadora especializada para fuçar em acervos históricos e pessoais, da família —dando a ver mais da intimidade de Gil com os filhos e suas infâncias.
Depois de São Paulo, Gilberto Gil volta com a turnê “Tempo Rei” para o Rio de Janeiro, em maio, e faz dois shows na Marina da Glória. A cidade recebe ainda mais uma apresentação, anunciada nesta semana, em 25 de outubro, na Farmasi Estádio. Ao longo do ano, Gil ainda irá a cidades porquê Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Belém, Porto Contente, Fortaleza e Recife, que recebe os dois últimos, em 22 e 23 de novembro.
Veja a setlist do show
- “Palco”
- “Margem Um”
- “Tempo Rei”
- “Eu Só Quero Um Xodó”
- “Eu Vim Da Bahia”
- “Procissão”
- “Domingo No Parque”
- “Cálice”
- “Back In Bahia”
- “Refazenda”
- “Refavela”
- “Não Chore Mais”
- “Extra”
- “Vamos Fugir”
- “A Novidade”
- “Realce”
- “A Gente Precisa Ver O Luar”
- “Punk Da Periferia”
- “Rock Do Segurança”
- “Se Eu Quiser Falar Com Deus”
- “Drão”
- “Estrela”
- “Esotérico”
- “Expresso 2222”
- “Andejar Com Fé”
- “Emoriô”
- “Toda Moça Baiana”
- “Esperando Na Janela”
- “Aquele Amplexo”