Sob um sol escaldante de 40ºC, Giovanna Antonelli dá partida numa petardo de chuva em um lago sintético, escavado pelos garimpeiros que fazem dela uma refém. Longe dos saltos e vestidos decotados que serviram de uniforme em seus últimos papéis em novelas, ela veste roupas maltrapilhas e sujas de limo para se proteger dos raios solares que refletem no terreno desértico de Santarém, no Pará.
“Isso cá é queima karma”, brinca, depois que a gravação é cortada, desfazendo-se em milissegundos da sentença assustada que carregava em uma das cenas de “Rio de Sangue”. O filme é a novidade aposta da Disney para os cinemas brasileiros, depois de o estúdio ter investido nas superproduções nacionais “Nosso Lar 2: Mensageiros” e “O Sequestro do Voo 375” no ano pretérito.
Enquanto o primeiro ultrapassou a penosa marca de 1 milhão de espectadores em somente dez dias, o outro foi o filme mais vitorioso do Grande Otelo, prêmio do cinema brasílico. Além do investimento em filmes de gênero com selo pátrio, a Disney e outras plataformas de streaming, uma vez que a Max, parecem ter entendido o apelo que as estrelas globais, por décadas onipresentes em telenovelas, têm sobre o público brasílico.
Nesse cenário, Antonelli, que coleciona papéis emblemáticos na televisão uma vez que a Jade de “O Clone” e a delegada Heloísa de “Salve Jorge”, parece um trunfo. A atriz, que também estrela em “Formosura Inevitável”, primeira romance da Max, encerrou o contrato com a TV Orbe em 2023, depois de 30 novelas e 23 anos na emissora. Agora, sem contrato fixo, ela se divide entre vários trabalhos, motivo de comemoração.
“Com o mercado simples, eu não posso me limitar e deixar que escolham coisas para eu fazer. Quero produzir uma vez que atriz, fazer o que vai me dar tesão. Não quero permanecer fazendo a mesma coisa”, diz Antonelli, sentada no soalho do camarim de “Rio de Sangue”, ainda com as roupas do mina —uma calça moletom surrupiada e uma camiseta larga—, gesticulando energeticamente. “Tenho um poder de concentração muito grande. Quando eu foco em um tanto, sou uma ritalina, e zero me incomoda.”
Na trama, Antonelli interpreta uma delegada totalmente dissemelhante da perua Heloísa, que voltou a viver em 2023, em “Travessia”. Patrícia, protagonista de “Rio de Sangue”, é desprovida do traquejo social da antecessora, e vive uma relação distante com a filha, interpretada por Alice Wegmann, médica ideologista que atende comunidades indígenas nas margens do rio Amazonas. A trama começa quando ela é sequestrada por garimpeiros, e a mãe sai em seu peugada para salvá-la.
“Há libido em ver essas atrizes trabalhando em coisas diferentes”, diz Gustavo Bonafé, diretor do longa e responsável também por conduzir Juliana Paes na série “Vidas Bandidas”. Ele queria uma Antonelli dramática e durona, fora da zona de conforto de personagens sedutoras e cômicas.
O que empolgou a atriz foi saber que o longa de ação seria protagonizado por mãe e filha. “Geralmente os heróis são homens. A gente é a mulher do faceta, atraída pelo faceta, deixada pelo faceta, ou morta”, diz. “Entendi que reformar não quer expressar que você não vai trabalhar, mas que vai poder escolher o que você vai fazer.”
Sem contrato fixo, Antonelli diz se descobriu também empresária e coach. Ela concilia os sets com palestras pelo país e cursos de marketing pessoal, uma vez que o “Missão Protagonista”, nos quais ensina uma vez que se portar na frente das câmeras para lucrar mais seguidores nas redes sociais —seu objetivo principal, diz, é incentivar mulheres a atingirem sua independência financeira.
No set de “Rio de Sangue”, ela repete o que afirma serem mantras poderosos para trazer bom agouro. “Eu sou Giovana Antonelli, e só coisas boas acontecem comigo. Todo o verba que eu gasto volta para mim multiplicado”, profere. Uma de suas práticas recorrentes, conta, é grudar notas de R$ 100 pela morada, para invocar verba. “Estou fazendo cocô, escovando os dentes, e estou olhando para nota. O cérebro replica tudo o que enxerga.”
Além de Antonelli e Wegmann, o elenco de “Rio de Sangue” é formado também por Felipe Simas e Antonio Calloni, que volta a ser um coronel vilanesco depois de viver Belarmino, principal contraditor da última romance das 21h, “Renascer”.
No set, membros da produção comentavam entre si sobre o eminente investimento depositado no filme, incomum para longas de ação nacionais, que geralmente exigem mais financiamento devido ao aluguel de carros, máquinas e efeitos de explosões, por exemplo. Nesse caso, as gravações acontecem fora do eixo Rio-São Paulo, onde se encontram estúdios, logo cenários foram criados do zero. Soma-se a isso os custos para manter uma equipe inteira no Pará por mais de um mês.
“Fazemos muitas séries que se passam em outros lugares do Brasil, mas com cenários montados no Rio e em São Paulo. A Amazônia também é uma personagem na nossa história. Estar cá todos os dias nos permite conviver com as pessoas, seu sotaque, comidas e gostos, o que acaba aparecendo na tela também”, diz Wegmann.
A lagoa sintético onde Antonelli liga a petardo de chuva enquanto é encarada por garimpeiros, por exemplo, foi criada num terreno onde, originalmente, se faz extração de barro em Santarém. A “corrutela”, uma vez que se labareda uma vila de garimpeiros, foi construída no entorno, com barracos de madeira destinados cada um a uma função —alojamento, morada de banho, igreja, bar e ferreiro, que pareciam ter saído das fotos de Luiz Braga.
Alguns homens contratados na região pela produção são ex-garimpeiros, e ajudaram a prometer a verossimilhança do cenário com a veras. Cenas de perseguição foram gravadas ao longo de algumas ramificações do rio Amazonas e, pela pequena Santarém, não se falava outra coisa. Na orla, dois barqueiros comentavam sobre as grandes câmeras que perseguiam Giovanna Antonelli entre as águas.