O governo de Tarcísio de Freitas, em São Paulo, tem aumentado as atribuições da Polícia Militar (PM). No último termo de semana, o governador afirmou que há a intenção de que a PM passe a registrar termos circunstanciados, substituindo em segmento os boletins de ocorrência feitos nas delegacias.
Operações recentes conduzidas pelo Ministério Público não contaram com investigações da Polícia Social, unicamente com pedestal da Polícia Militar: foi assim com a operação Termo da Risco e com a operação Muditia..
Na ditadura militar, a Polícia Militar tinha esse poder investigativo. Mas com a Constituição de 1988, essa função deixou de ser exercida por ela para passar a ser uma regalia da Polícia Social. Agora, o governo de São Paulo pretende voltar a atribuir esse poder para a Polícia Militar, permitindo que ela possa registrar infrações com pena máxima de dois anos de detenção tais porquê lesão corporal, posse de droga e invasão de propriedade, os chamados termos circunstanciados. Atribuições que antes eram permitidas somente à Polícia Social.
Para o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), a exclusão da Polícia Social em operações, porquê a Termo da Risco, tem fragilizado a segurança da população. Ou por outra, o sindicato criticou a informação de que o governo paulista pretende atribuir os termos circunstanciados à Polícia Militar. “As forças de segurança precisam trabalhar em sintonia, simetria e sinergia no estado de São Paulo. À Polícia Social cabe o papel de investigar e de promover operações. À PM cabe o trabalho nas ruas, de patrulhamento ostensivo e preventivo. Quando o Estado passa a transferir atribuições da Social para a Militar, a própria PM fica sem fazer o que, prioritariamente, é de sua competência. Isso pode fragilizar ainda mais a estrutura policial porquê um todo”, disse Jacqueline Valadares, presidente do sindicato, em nota.
Na semana passada, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, negou que exista uma partilha entre policiais civis e militares no estado. “Não tem racha nenhum. Não existe racha entre as polícias. Pode permanecer tranquilo”, disse ele, em entrevista à prelo. “O que a gente está preocupado é em manter mais efetivo. Melhorar o policiamento ostensivo, ter mais gente na rua, não perder tempo. Não desmobilizar uma guarnição para ter que satisfazer essa questão do boletim de ocorrência. Vários estados já deram esse passo, 17 estados já deram esse passo, e a gente está querendo dar esse passo também. É razoável, já foi discutido. Tem convénio com a direção da Polícia Social”, falou.
Para o legista Almir Felitte e responsável de A História da Polícia no Brasil: Estado de exceção permanente?, esse aumento de poder da Polícia Militar está atrelado à militarização da segurança pública no Brasil. “Esse processo, eu diria que ele não vem de agora, e muito menos está circunscrito a São Paulo. Essa militarização totalidade do nosso sistema de segurança pública é um tanto que já vem acontecendo há qualquer tempo, e talvez desde o início do governo [Jair] Bolsonaro. Esse é um processo que começou a lucrar mais força ainda, pela predileção que o governo Bolsonaro tinha pelo militarismo, na forma de ver a segurança pública. Cá em São Paulo mesmo a gente já tem uma situação que há anos a Polícia Social reclama de falta de estrutura e reclama de falta de efetivo. Ao mesmo tempo, a gente vê a Polícia Militar não só ganhando cada vez mais estrutura, porquê engolindo, de certa forma, usurpando algumas das funções que constitucionalmente são exclusivas da Polícia Social”, disse ele.
Em entrevista à Escritório Brasil, Felitte lembrou do Projeto de Lei 2.310/2022, apresentado pelo secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, quando ele era deputado federalista. Esse projeto previa que as polícias militares e rodoviárias, por exemplo, teriam mais poder para investigar. “Nesse projeto, o Derrite já propõe ali que a Polícia Militar possa fazer uma série de atividades que são ligadas à investigação policial. Ele labareda o projeto de perceptibilidade policial, mas ele está falando de coleta e de tratamento de dados pela Polícia Militar, que zero mais são do que atos de investigação. E é um tanto que a gente vai ver agora se repetir cá em São Paulo no termo circunstanciado. Apesar de se expor que a polícia não vai produzir provas na prática, ela vai sim, ela vai poder talvez até mesmo inquirir testemunhas que fogem completamente da função de manutenção da ordem de policiamento ostensivo que ela tem pela Constituição”, pontuou o redactor.
Segundo ele, a Polícia Militar tem tomado para si todas as funções do trabalho policial no país, ainda que a ela sejam previstas unicamente duas funções na Constituição: o policiamento ostensivo e a manutenção da ordem. Para Felitte, isso inclui riscos. “Cada vez mais todas as funções de segurança pública estão ficando subordinadas a uma instituição que tem oficialmente um caráter militarizado. Isso tudo projeta um porvir ainda mais militar para a segurança pública e o nosso pretérito mostra que isso não tem bom efeito nenhum. Não só aumenta a violência policial, porquê não tem impacto na redução da violência e da criminalidade geral”, disse ele.
“O segundo ponto que eu acho que é uma questão até mais ampla – e que envolve o próprio risco ao Estado Democrático e de Recta Brasílio – é a questão das polícias militares estarem conseguindo cada vez um poder político maior dentro do nosso país. Cada vez mais a polícia militar é um ator político que tem dentro do seu grupo poderes políticos próprios, um projeto de poder, um aumento do seu poder e das suas funções legais. Tudo isso vem contribuindo para uma polícia militar que está cada vez mais fora do controle da sociedade social”, acrescentou.
Felitte defende que o Brasil precisa discutir que tipo de polícia se quer para o país: esse protótipo onde há partilha de funções entre as polícias ou o que é adotado em várias partes do mundo, de policiamento completo. “Para a gente discutir policiamento completo, um ciclo completo de policiamento no Brasil, é importante que a gente faça esse debate com outro viés. É importante que a gente debata o ciclo completo de policiamento junto com a desmilitarização da segurança pública, junto com mecanismos de controle social sobre as polícias. Mas o que a Polícia Militar tem tentado politicamente fazer no nosso país é implantar um ciclo completo de policiamento na mão grande, forçadamente, sem qualquer tipo de debate político, para manter a segurança pública, praticamente todo o ciclo da segurança pública, nas suas mãos e de forma mentalizada”, disse ele.
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que a elaboração do termo circunstanciado de ocorrência (TCO) pela Polícia Militar é prevista pela Lei Federalista 9.099/95 “e referendada por recentes decisões do Supremo Tribunal Federalista”.
“Segundo entendimento da própria Suprema Namoro, a lavratura do TCO não é atribuição exclusiva da polícia judiciária e não é um ato investigativo. Trata-se de um procedimento administrativo para o registro de crimes de menor potencial ofensivo – com pena máxima de até dois anos ou contravenções penais – que são apresentados diretamente ao Juizado Peculiar Criminal (Jecrim), sem prejuízo às atividades de policiamento preventivo e ostensivo”, disse a secretaria, em nota.
Ainda de convénio com a secretaria, a medida já está em funcionamento em 17 estados brasileiros e “tem porquê objetivo dar mais presteza ao atendimento ao cidadão, otimizar recursos e prometer condições à Polícia Social para o fortalecimento das investigações de transgressão de maior potencial ofensivo, sem prejudicar o policiamento preventivo e ostensivo nas ruas do Estado”.
Procurado pela Escritório Brasil para saber porque a operação Termo da Risco foi realizada sem a participação da Polícia Social, o Ministério Público informou que “a operação foi realizada em dois procedimentos investigatórios criminais do Ministério Público, e não em inquéritos policiais. A polícia militar foi acionada para pedestal à operação, da qual participaram agentes do Cade e da Receita Federalista. A investigação foi conduzida do início ao termo pelo Ministério Público”.
* Com colaboração da TV Brasil