“O Clube das Mulheres de Negócios” é o início de um MeToo voltado, no qual homens são vítimas de assédio e silenciamento por mulheres mais velhas e poderosas. Novidade obra de Anna Maylert, a mais política até hoje, o filme é uma peça feminista, mas não só. Trata do desfeita praticado do topo das estruturas de poder.
Exibido na mostra de longas do Festival de Cinema de Gramado neste sábado (10), o filme escancara ao jovem Candinho, um jornalista recém-formado e singelo, interpretado por Rafael Vitti, a dinâmica corrupta de um comadrio de um clube de nove mulheres, ricas, assediadoras e violentas.
O grupo tem desde a advogada do maior escritório de recta do país à candidata à Presidência da República. Elas se reúnem numa rancho para fechar um novo negócio, com tratativas escusas. Candinho e o fotógrafo Jongo, interpretado por Luís Miranda, são a prelo convidada a reportar sobre o encontro do clube.
Candinho é sobrinho da socialite Cesárea, interpretada por Cristina Pereira, e foi escolhido para descrever a história do clube sob uma perspectiva chapa-branca diante do vínculo familiar.
Com atrizes reconhecidas pela comédia, uma vez que Grace Gianoukas e Katiuscia Harmonioso, o longa promiscuidade riso e horror num trajectória que inicia com a sátira comportamental e ascende a cenas de perseguição e sangue. A história envolve onças que estão soltas pela propriedade de Cesárea.
Papéis sociais comuns a homens brancos endinheirados são vistos, agora, em mulheres. Elas objetificam o garçom que as serve de shortinho, falam com naturalidade das traições, enquanto isso, seus maridos suportam calados e sofrem de depressão.
Elas pedem para que eles parem de manducar para não engordar, dominam os negócios e as decisões em salas separadas e exaltam o próprio sexo de forma torpe —lembra aqueles retiros no mato em que homens ficam pelados para encontrar a masculinidade perdida.
Aliás, o filme é rodado em uma rancho bucólica e isolada, enxurrada de animais silvestres, provavelmente obtidos de forma ilícito.
O roteiro começou a ser escrito por Muylaert em 2015, antes do MeToo, quando a questão de gênero ganhou novidade proporção no mundo. Ela desejava colocar na tela a agonia feminina, mas deu novos contornos ao filme quando outras questões sociais emergiram com a pandemia.
“O filme partiu desse inconsciente coletivo das mulheres, mas depois decidi ampliar para tratar de todas as formas de poder”, disse a diretora neste domingo (11), em debate sobre o filme. São dela, também, “Durval Discos”, “É Proibido Fumar” e “Que Horas Ela Volta?”. “O Clube das Mulheres de Negócios” concorre com outros seis títulos ao Kikito de melhor longa vernáculo.
“As mulheres descem ao inferno. Nós somos acostumadas ao desfeita. A descida ao inferno faz secção da vida de uma mulher.”
Uma inspiração latente é “O Rei da Vela”, peça escrita em 1933 por Oswald de Andrade, e o uso da comédia foi uma forma de atingir um público maior.
Uma das cenas é um ataque ao etarismo, por meio da personagem de Ítala Nandi, pioneira no nu teatral. Aos 82 anos, ela é a única mulher presente em uma orgia com vários homens, todos mais jovens do que ela. Ítala diz que, quando soube da cena, respondeu à diretora que nunca havia participado de uma orgia.
Outra cena de destaque é protagonizada por Grace Gianoukas. Ela assedia o jovem Candinho, que se esquiva, se retrai emocionalmente e se tranca no banheiro para chorar. Jonjo explica ao camarada que aquilo “não é sua culpa”. Grace consegue gerar uma imagem muito original de uma gerente consciente da impunidade, que usa seus atributos físicos para violentar seus subordinados.
“Foi a cena mais difícil que fiz na minha vida. Isso porque eu não sabor de vingança, não faz secção do meu caráter”, disse Grace, ao ver o que gerava no parceiro de cena.
A discussão sobre o patriarcado foi tamanha que Cristina Pereira, aos 74 anos, falou pela primeira vez em público sobre um estupro que sofreu ao ir para escola, aos 12 anos de idade, quando nem havia menstruado ainda.
“Quando o Candinho chora, sou eu quem pranto, são vocês que choram. São muitas meninas de 12 anos, uma vez que aquela menininha que estava indo para a escola de uniforme e que foi abusada e a mataram. Aconteceu comigo, mas está acontecendo agora com uma porção de meninas.”
Também no sábado, Matheus Nachtergaele foi homenageado com o troféu Oscarito, devotado aos maiores nomes do cinema vernáculo. O ator recebeu a honraria na noite de sábado e falou por 12 minutos. Num exposição sensível sobre o ofício do ator, ele recitou Fernando Pessoa e foi muito ovacionado.
“Apostei todas as minhas fichas em ser ator. Eu não tenho projecto B, não tenho família, não tenho hobbies, não escalo serra, não faço aeromodelos. Nas horas vagas, eu estou sempre pensando no próximo personagem”, afirmou.
No ano pretérito, o prêmio foi outorgado a Laura Cardoso e a Léa Garcia, que morreu durante o festival.
A jornalista viajou a invitação do Festival de Gramado