Gramado Premia O Melhor E O Pior Filme Da Competição

Gramado premia o melhor e o pior filme da competição – 18/08/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

No Festival de Cinema de Gramado, raramente o melhor ganha o prêmio principal do júri solene. A tradição é o prêmio ir para qualquer filme de maior comunicabilidade com o público.

O belíssimo “Oeste Outra Vez”, de Érico Rassi, parecia perigoso e cinematográfico demais para transpor com o prêmio sumo nesta edição de 2024. Mas saiu. O júri distribuiu prêmios absurdos no início, mas acertou em pleno no final e em outros poucos trofeus.

É necessário proferir que sou companheiro de Érico Rassi e de sua produtora e companheira Cristiane Miotto, embora seja importante lembrar também que o filme encantou a maior segmento dos jornalistas, alguns deles o considerando o melhor da competição. Porquê disse o crítico Luiz Zanin, na transmissão do Meio Brasil, o júri solene teve o valor de premiar o melhor filme.

Críticos são treinados a passar por cima de amizades ou eventos que possam prejudicar a fruição de uma obra, uma vez que os celulares que acendiam durante todas as exibições, num dos vícios mais irritantes da contemporaneidade.

Pois a forma não mente. Uma vez identificada a primazia ou a deficiência da forma, uma amizade, uma vez que também uma inimizade, não devem interferir em nosso julgamento. Gente de cinema de todos os credos e gostos reconheceram a forma superior de “Oeste Outra Vez”. É um dos raros momentos de encontro de subjetividades tão diversas, aproximadas pela evidência na tela, uma vez que queria Jacques Rivette.

História de rivalidade masculina filmada na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, “Oeste Outra Vez” mostra dois homens ridículos, vividos magistralmente por Ângelo Antônio e Babu Santana, que tentam se matar porque amam a mesma mulher.

Fellini foi o grande historiógrafo do fracasso do masculino italiano em filmes uma vez que “Casanova” ou “A Cidade das Mulheres”. Érico Rassi faz uma representação da masculinidade frágil no que se costuma invocar de Brasil profundo. A mulher pela qual esses homens lutam se afasta deles —e da câmera— na primeira cena do filme, mostrando estar supra desse tipo de toxicidade possessiva.

Menos um filme de homens para homens do que um filme que identifica na sociedade patriarcal brasileira uma das principais causas de nossa perdição. Nesse sentido, é também o mais político da programação principal.

Além do supimpa trabalho de câmera, com zooms e enquadramentos muito muito pensados, e da retrato precisa de André Xará Carvalheira, justamente vencedora de um kikito, podemos primar as atuações de Rodger Rogério, merecidíssimo vencedor do kikito de ator coadjuvante, de Daniel Porpino e de Antônio Pitanga.

Todos os outros filmes da competição principal, infelizmente, estão muito aquém. Esperava-se mais de “Cidade; Campo”, novo longa de Juliana Rojas, mas parece que a pandemia atrapalhou muito a produção, impedindo uma maior elaboração da segunda segmento, quando duas namoradas vão para o campo.

A primeira segmento, com a moradora que perdeu tudo no rompimento de uma barragem e vai para São Paulo morar com a mana e trabalhar uma vez que diarista, é mais redonda, embora o artifício das canções deixe um ar de já visto para quem conhece o novo cinema paulista.

Ainda assim, foi o segundo melhor filme da competição, venceu os kikitos de melhor filme para o júri da sátira, divergindo da maioria dos jornalistas presentes no evento, e de melhor atriz para Fernanda Vianna, a protagonista da primeira segmento.

Mais ou menos em pé de paridade estão quase todos os outros, exceto o equivocado “Estômago 2: O Poderoso Chef”, de Marcos Jorge, que tenta repetir a estrutura do primeiro filme, mas repete também a fragilidade da trama que ocorre fora da prisão, em outro tempo. Muito se comentou que João Miguel se tornou um coadjuvante, o que se revelou uma má teoria.

E, por incrível que pareça, o mesmo júri que premiou de roupa o melhor filme, distribuiu troféus para o pior. “Estômago 2” ganhou os kikitos de melhor ator, dividido entre João Miguel e Nicola Siri, melhor direção de arte, melhor roteiro e melhor trilha músico, além do prêmio do júri popular.

“O Clube das Mulheres de Negócio”, de Anna Muylaert, ganhou um prêmio peculiar pelo elenco feminino, que realmente é notável, com Cristina Pereira, Irene Ravache, Louise Cardoso, Grace Gianoukas, Katiouscia Sonoro, Helena Hospedagem, Ítala Nandi. A comédia começa muito em sua inversão de gêneros, mas vai se perdendo até o final reiterativo e pobre de invenção.

Não muito melhor é “Pasárgada”, a estreia da atriz Dira Paes na direção, premiada com o kikito de melhor ilustração de som. Uma história de contrabando de pássaros que é narrada parcialmente em conversas enfadonhas por notebook, quando seu potente está em algumas das imagens da natureza.

Era esperada com alguma sofreguidão a adaptação do livro “Barba Ensopada de Sangue”, de Daniel Galera, pelo realizador Aly Muritiba. Mas o filme é acadêmico, com o espaço mal pensado na tela e sem imaginação alguma no tratamento narrativo. Porquê o júri procurou premiar um tanto em todos os filmes, nascente saiu com o kikito de melhor montagem, numa das escolhas mais equivocadas.

Outro muito esperado era o novo longa de Eliane Caffé, “Filhos do Mangue”. Mas sua trama, que envolve trapaça, violência e exploração sexual de mulheres jovens numa vila de pescadores do Rio Grande do Setentrião, nunca chega a convencer, exceto pela boa atuação de Felipe Camargo no papel principal. Mesmo assim, Caffé ganhou o kikito de melhor direção.

Apesar da primazia de “Oeste Outra Vez”, um dos melhores longas do cinema brasílio nos últimos anos, a seleção principal foi fraca, com predominância da mediocridade e de boas diretoras em maus momentos.

Melhor foi a competitiva gaúcha, com pelo menos dois filmes de destaque: “Até que a Música Pare”, de Cristiane Oliveira, e “A Transformação de Canuto”, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Roble, que venceu o prêmio principal da categoria.

Com as enchentes que castigaram o Rio Grande do Sul em maio, pode ser considerado um fôlego a realização do festival neste ano, passando por cima de inúmeros obstáculos, principalmente na logística com os convidados. Não à toa, a vocábulo da voga, “resiliência”, foi muito falada no evento.

Folha

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