Se estivesse vivo, Renato Russo, músico que, para muitos, é considerado o maior poeta do rock brasiliano, completaria nesta quinta-feira (27) 65 anos.
Sua morte precoce em 1996, aos 36 anos, encerrou um legado artístico que certamente seria ainda maior, caso ele não tivesse sido mais uma, entre as tantas vítimas da aids naqueles anos.
Aproveitando a data de hoje, tão importante para os fãs do artista quanto para a cena músico brasileira, a Filial Brasil conversou com algumas pessoas que conviveram com Renato Russo, na expectativa de imaginar uma vez que ele estaria e o que estaria fazendo aos 65 anos, caso estivesse vivo.
“Meu irmão já teria largado a música”
Uma pista sobre uma vez que estaria Renato Russo, caso estivesse presente neste natalício, é dada pela própria mana do músico, Carmen Teresa.
“Na minha opinião, acho que ele já teria largado a música há muito tempo. Acho que ele estaria fazendo outra coisa”, disse à Filial Brasil a mana de Renato Russo.
“[Renato] já vinha se sentindo cansado desse sistema mercadológico todo; da pressão dos contratos; dos shows, das turnês e do palco, onde ele sentia um claro desconforto de estar porque tinha pânico, apesar de, depois, quando começava o show, ele realmente se sentir muito”.
Novos Horizontes
Colega de longa data de Renato Manfredini Júnior, nome que consta da diploma de promanação de Renato Russo, Marcelo Beré, integrante do premiado Circo Teatro Udi Grudi, diz crer que, do ponto de vista profissional, o poeta roqueiro teria ampliado seus horizontes para outras áreas, caso ainda estivesse vivo. Em peculiar, para a literatura e o cinema.
“Renato escrevia compulsiva e compulsoriamente, uma vez que o terapeuta dele o instruiu a grafar pelo menos uma página por dia em seu quotidiano. Ele, no entanto, escrevia muito mais do que isso, e dizia que tinha a intenção de fazer um livro.”
Em tom de graçola, Beré chega a proferir que “certamente o Renato estaria entre os candidatos à Liceu Brasileira de Letras ou um tanto do tipo”, caso tivesse oferecido perpetuidade à teoria de se tornar redactor. “Não tenho incerteza de que ele estaria fazendo um tanto relacionado à escrita”, disse.
“Nas últimas oportunidades em que conversamos, ele falava também sobre sua vontade de grafar para o cinema, o que é muito curioso, já que algumas de suas músicas acabaram virando filme”, lembrou.
Festivais de cinema
Assim uma vez que Beré, Eduardo Paraná, o primeiro guitarrista da Legião Urbana, imagina que Renato poderia estar hoje envolvido com literatura e cinema. Eduardo Paraná, que atualmente adota o nome artístico de Kadu Lambach, acha que, aos 65 anos, o colega estaria muito recluso em sua mansão e em seu universo, lendo e interpretando esse mundo em que a gente vive.
“Estaria ligado em algumas tecnologias. Ele ia permanecer ali muito quietinho, participando escondido das redes sociais. Certamente, interpretando o mundo e traduzindo ele em músicas e em cinema”, diz o parceiro músico de Renato Russo.
Responsável do livro Música Urbana: O Início de uma Legião, com o jornalista André Molina, Kadu Lambach diz que o vínculo de Renato com o cinema era vetusto.
“Ele sempre estava ligado nos festivais de cinema da cidade”, lembra o músico, ao referir festivais uma vez que os promovidos em Brasília pela Caixa Econômica Federalista, pela Cultura Inglesa, onde Renato chegou a dar lição, e por embaixadas uma vez que as da Índia, da Alemanha, da Espanha e da antiga União Soviética.
Cineasta de mãos cheias
Segundo Lambach, Renato fazia isso porque se incomodava em ver as pessoas da turma, muitas delas mais novas do que ele, sem ter o que fazer, em uma cidade que, na estação, de indumentária, não tinha muitas alternativas culturais.
“Realmente acredito que, caso o Renato ainda estivesse vivo, certamente estaria vinculado e focado no cinema. A meu ver, ele teria se tornado um cineasta de mão enxurro. Um roteirista maravilhoso Não tenho incerteza sobre isso. Usaria da sétima arte para transformar muitas histórias em filmes maravilhosos.”
O músico também não duvida de que Renato Russo estaria, de alguma forma, atuando na dimensão jornalística. “Talvez escrevendo artigos, ensaios de teatro e de cinema, e, talvez, na escrita literária. Provavelmente até mais do que na música”, concluiu.
Antifascista
Marcelo Beré diz ter certeza de que Renato teria um posicionamento muito simples com relação ao atual cenário político brasiliano. “Ele era um rosto extremamente antifascista, até o último fio de cabelo e até a última célula de seu corpo. Era radicalmente contra qualquer tipo de autoritarismo e extremamente libertário, com princípios democráticos muito claros”, disse Beré à Filial Brasil.
“Com toda certeza, ele estaria do lado das pessoas que querem ver o [ex-presidente] Bolsonaro recluso; que querem democracia no país; que querem ver as coisas esclarecidas. E não apoiaria anistia para golpistas”, acrescentou.
A certeza do artista circense tem por base diversas situações pelas quais passou junto com Renato. Algumas situações envolviam conflitos com os chamados skinheads, grupos de carecas nacionalistas de extrema direita, simpatizantes do fascismo, que, na estação, disputavam espaços com os punks da capital federalista.
“Certa vez, quando estava a caminho da minha mansão, Renato foi agredido por um grupo de skinheads fascistas na 504 Sul [quadra localizada no Plano Piloto, em Brasília]. O quadrilha partiu para cima dele e de alguns amigos. Renato chegou lá em mansão pálido, chorando e muito emocionado, revoltado com a violência desses grupos”, lembrou Beré.
Extremamente humanista
Outra pessoa que se considera privilegiada por ter convivido com Renato Russo é Militão Ricardo, professor universitário, jornalista e integrante de bandas brasilienses durante os anos 80.
“Não imagino que, se ainda estivesse vivo, o Renato fosse se deixar encantar por jargões e histórias de correntes ideológicas e populistas que vemos no atual cenário político do país, tanto da direita quanto da esquerda. Ele tinha uma visão extremamente humanista e não se deixava levar por coisas rasas”, diz o professor de Produção Multimídia do UniSenac, no Rio Grande do Sul.
Militão conheceu Renato em 1981, durante a Expoarte, evento artístico organizado pelos alunos da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília (UnB). “A partir dali, começamos a nos encontrar principalmente em shows e bares. A gente gostava muito de conversar, porque, a exemplo dele, eu também fazia jornalismo e era muito interessado em história do rock”, lembra Militão.
Foram muitas trocas e empréstimos de livros e discos entre os dois amigos. “Conversávamos muito sobre a indústria fonográfica. Ele já tinha uma visão [aprofundada] do que era a indústria do disco, da relevância que TV, rádio, jornais e a prensa tinham”, recorda o professor universitário.
“Era muito permitido conversar com ele porque era um rosto muito douto e inteligente, com muito estudo. Lembro de vê-lo, em uma sarau na UnB, conversando em inglês, com um rosto, sobre filosofia grega. Saí até de perto, porque eu não conseguia escoltar, apesar de até falar inglês”, lembra Militão.
Pensamento crítico
Tendo por base não só o lado social, mas também o convívio familiar e a personalidade de Renato, Militão diz crer que, se estivesse vivo, Renato apresentaria “visões que surpreenderiam muita gente” no contexto atual.
“Ele tinha um pensamento muito crítico, enxergando defeitos e virtudes não de dois, mas de todos os lados. Não era um rosto dicotômico. Para ele, isso não era suficiente para explicar o mundo. Seu lastro intelectual não lhe permitia permanecer no superficial das coisas. Por isso, acho que se estivesse vivo hoje, aos 65 anos, com a maturidade que a idade teria trazido, seria um rosto mais sereno, oferecendo visões e colocações muito agudas.”
Mana corrobora amigos
Em termos gerais, as projeções apresentadas pelos amigos de Renato Russo à Filial Brasil – sobre novos desafios que Renato estaria encarando do ponto de vista profissional, caso estivesse vivo – são as mesmas imaginadas pela mana do artista.
“Acho que seria a estação de ele fazer cinema, que era uma coisa que ele adorava. Renato era um cinéfilo. Um amante do cinema. Entendia muitíssimo dessa arte. E, quando chegasse aos 75 ou 80 anos – talvez até um pouco antes –, ele iria para escrita. Seria um redactor”, confirma Carmem Teresa.
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