Grandes Invisíveis: Enchentes Deixam Gaúchos Gordos Sem O Que Vestir

Grandes invisíveis: enchentes deixam gaúchos gordos sem o que vestir

Brasil

A catástrofe climática no Rio Grande do Sul trouxe à tona o que não era percebido por muitos: nas tragédias, as pessoas são atingidas de forma desigual. Há o racismo climatológico, que faz com que pessoas pretas e periféricas sejam afetadas primeiro e tenham mais dificuldade de se reerguerem. Existem as pessoas em situação de rua, que têm a pundonor ainda mais degradada. São as mulheres chefes de família que, além de perderem tudo, ainda não conseguem voltar ao trabalho porque precisam cuidar dos entes. E as pessoas gordas, que além de se sentirem invisíveis, ao perderem tudo, não encontram para comprar ou nas doações, roupas adequadas para seus tamanhos.

Já nos primeiros dias das enchentes que atingiram quase todo o estado desde o término de abril, a empreendedora Viviane Lemos começou a mobilização para atender esses afetados. Referência no segmento plus size e criadora de uma feira plus em Porto Contente, Viviane logo começou a receber relatos desesperados de pessoas que, por não terem o que vestir, no indiferente da capital gaúcha, estavam usando lençóis para tapulhar o corpo.

“Mas nunca pensei que fosse nesse nível, nessa graduação que a gente está tendo hoje. E com certeza ser uma mulher gorda me deixou nesse lugar empático, porque pessoas não gordas não conseguem visualizar essa dificuldade e essa crise que a gente está vivendo no sentido de vestir essas pessoas gordas que não conseguem roupas”.

A gaúcha Flávia, mãe de gêmeos, foi uma das pessoas que pediu, e recebeu ajuda. “Além de perder todos os meus bens, tudo, perdi minha lar também. Está sendo muito difícil, mas a alegria do meu dia foi as roupas que chegaram. Justamente no dia do meu natalício, dia 30 de maio agora. Quando eu vi aquele senhor chegando com a sacola, a sacolinha de roupas, nossa! Foi porquê um presente”, conta emocionada. Flávia recebeu kit, com roupa íntima, blusa, agasalho e meia, porquê é idealizado pela campanha. 

A Associação de Doação de Roupas Plus Size, liderada por Viviane, entregou 48 milénio peças de vestuário grande desde o início das enchentes, mas a demanda é muito maior. Murado de 95 milénio pessoas precisam de roupas desse tamanho. E para recrutar mais doações, as redes sociais têm sido aliadas do projeto. Foi logo que a criadora de teor Maqui Nóbrega ficou sabendo da mobilização em Porto Contente. Ela já vinha fazendo doações pontuais a seguidoras que pediam ajuda, mas quando soube da organização, se prontificou a usar seu engajamento para ajudar na arrecadação.

“Se mal tem (roupas plus size) pra comprar, imagina pra doar, né? Logo, quando eu percebi que tinha essa dificuldade, eu falei, bom, São Paulo, maior cidade do país, onde tem a maior quantidade de opções de roupas plus size, acho que cá a gente vai conseguir reunir mais doações”, conta Maqui. E conseguiram. Junto a outras criadoras de teor voltado para o público gordo e outras aliadas enviaram de São Paulo para o Rio Grande do Sul um caminhão referto de roupas plus size.

Brasília (DF) 08/06/2024 - Viviane Lemos no trabalho da associação - Doação de roupas plus size e gordofobia na enchente 
Foto: Viviane Lemos/Arquivo Pessoal
Brasília (DF) 08/06/2024 - Viviane Lemos no trabalho da associação - Doação de roupas plus size e gordofobia na enchente 
Foto: Viviane Lemos/Arquivo Pessoal

Viviane Lemos, no trabalho da associação – Doação de roupas plus size e gordofobia na enchente. Foto: Viviane Lemos/Registo Pessoal

Mas doações grandes porquê essa são muito raras e, no dia a dia, alguns tamanhos já estão em falta no estoque da associação. “Principalmente 54 e 56 feminino; 54 e 56 masculino; e cuecas de todos os tamanhos. E hoje a gente não teria nem onde comprar cá em Porto Contente dos lugares que a gente conhece. Só para se ter uma teoria da escassez e das dificuldades que a gente enfrenta por cá”, relata Viviane.

De conciliação com a associação, o indumento de os Correios terem parado de receber doações de roupas pode ter impactado diretamente no recebimento das peças tamanhos grandes. Questionado, os Correios enviaram nota afirmando que devido ao tamanho da campanha, que já arrecadou tapume de 30 milénio toneladas de donativos em todo o Brasil, a triagem de roupas específicas se torna complexa. Mas cientes da influência do tema, os Correios estão à disposição para realizar ações específicas de coleta e transporte de grandes volumes desse tipo de item. Apesar da disposição para ação específica, a estatal não deu detalhes da ação.

Novas etapas

Sempre que aparece em alguma mídia ou rede social com muitos seguidores, o projeto recebe mais peças e aportes em quantia. Nos outros dias, míngua. Logo, além de receberem doações via Pix para a compra de itens novos, principalmente roupas íntimas, os voluntários têm ido até os armazéns da Resguardo Social para fazer a triagem do que foi recebido por lá e pode ser usado no projeto. Em uma das ações desta semana, eles conseguiram filtrar 180 peças, que serão redirecionadas para quem precisa exatamente desses tamanhos.

Mas só isso não será suficiente para atender a todos que precisam. Para Viviane Lemos, fica evidente que a questão vai se prolongar e se aprofundar, pois, se antes da tragédia já existia uma demanda grande pela compra de roupas plus que não era atendida, agora será pior. Além de doações materiais, a empreendedora acredita que será preciso investir em outros tipos de ajuda, “porquê pedestal emocional, pedestal para se colocar num campo de trabalho, pedestal para reconstruir suas vidas em universal. Logo, a gente está estudando uma forma de dar perpetuidade ao projeto, para atender essas pessoas para além da roupa. Porque ser um corpo gordo na sociedade não é só sobre subsistir e resistir”, afirma.

Invisibilidade com muitas camadas

Para a criadora de teor Maqui Nóbrega, o indumento das campanhas para a arrecadação de roupas para pessoas gordas, nesse momento, serem lideradas por pessoas gordas, é um revérbero do que já é o comportamento da sociedade em universal. “As pessoas acham que é justificado você não gostar de pessoas gordas e por isso elas não importam. Tipo ‘Ah, elas não têm o que vestir? Ué, emagrece, aí você vai ter o que vestir”. Logo, eu acho que vai continuar sendo a gente pela gente”, desabafa.

De conciliação com as previsões científicas, a catástrofe do Rio Grande do Sul não será a única deste porte, já que as mudanças climáticas seguem em curso e a tendência é que eventos extremos sejam cada vez mais frequentes. E será que a sociedade aprendeu um pouco com os últimos acontecimentos?

No que diz saudação à população gorda, Maqui Nóbrega é pessimista. “Eu gostaria de ser otimista e expor que sim, que acho que estaremos mais atentos às necessidades das pessoas gordas nas próximas tragédias climáticas, mas não consigo ser tão otimista. Eu acho que no fundo, no fundo, ninguém tá nem aí, infelizmente. Eu acho que a gordofobia ainda é a última ”fobia” aceita socialmente. A gente combate todo dia racismo, LGBTQIA+fobia, o capacitismo e tudo mais. Tem uma ensino sobre porquê esses preconceitos são nocivos, mas muito pouco se fala sobre a gordofobia”, denuncia.

Gordofobia é o termo usado para o conjunto de situações em que o aproximação à pessoa gorda é rejeitado por conta do seu tamanho. E vão de afeto, passando pelo tamanho da catraca do ônibus e do bullying escolar, até às macas hospitalares que só atendem até determinado peso. E Maqui Nóbrega defende que saber isso é um obrigação de toda a sociedade. “O racismo não é um problema da pessoa preta, é um problema da pessoa branca, é a pessoa branca que tem que trabalhar nisso, eu acho que o mesmo vale para a gordofobia. Logo eu queria que as pessoas magras pensassem sobre isso, se elas se importarem, sabe? A gente não tá falando só sobre roupa, a gente não tá falando sobre voga, sobre querer permanecer bonitinha, a gente tá falando sobre acessos mesmo. É você não encontrar nenhuma roupa e ter que viver de lençol, enrolada no lençol”, provoca.

Ajuda

Quem quiser contribuir com o trabalho da Associação de Doação de Roupas Plus Size pode fazer via Pix para o CNPJ – 26423527000112,  ou enviar a doação para o seguinte endereço: Shopping João Pessoa – Loja 02 (Ao Lado Da Panvel) – QG Ação Da Feira De Tendência Plus Size – Terreiro Piratini N. 50 Cep 90040-170 – Porto Contente/RS

As informações sobre o projeto têm sido atualizadas diariamente na página BpsPoa.Feira do Instagram.



Fonte EBC

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