Grupo Tapa Faz Teatrão Com 'tio Vânia', De Tchékhov

Grupo Tapa faz teatrão com ‘Tio Vânia’, de Tchékhov – 15/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Ao desabar da noite, as luminárias se acendem na sede do Grupo Tapa, e os morcegos entram em revoada, se debatendo pelos cômodos do sobradinho alugado pela companhia teatral, na Barra Fundíbulo, zona oeste paulistana.

O diretor do Tapa, Eduardo Tolentino, de 70 anos, passa a maior segmento do tempo ali, traduzindo obras estrangeiras, entre estantes empoeiradas, com livros e figurinos antigos. Ou, logo, supervisiona a sua mais recente montagem, “Tio Vânia”, clássico do russo Anton Tchékhov, agora no Sesc Santana.

“É uma peça que mexe com a disputa pela terreno, um tema generalidade ao Brasil de hoje. Custava o Silvio Santos ter deixado o Zé Celso permanecer com aquele terreno? Não existe zero mais brasílico que a escol russa”, diz Tolentino, mencionando a desavença entre o empresário e o dramaturgo pela geração de um parque, no Varíola. Na produção contemporânea, quem ousa montar obras de séculos passados é impelido a traçar paralelos temáticos com o nosso tempo.

Para o público e a sátira, o maior hosana que pode ser feito a uma obra de arte se resume ao lugar-comum do “mas é tão atual!”, frase repetida à exaustão pelos próprios artistas, uma vez que se uma sonata de Mozart significasse, agora, zero.

Tolentino sabe, no entanto, que o texto de Tchékhov se passa mesmo no século 19, numa Rússia czarista, embora a ação dramática só se desenvolva quando as cortinas de veludo se abrem, depois o terceiro sinal.

No popular, o choque de temporalidades resulta em um teatrão, à maneira do Tapa. Em cena, o interno da Rússia se desfaz em tecidos, que sugerem um jardim. Em paralelo, os figurinos são de estação, indicando a intervalo, no tempo e no espaço, da história de Vânia, um varão velho, possuinte de uma propriedade rústico, interpretado pelo ator Brian Penido Ross.

Ele constata a irrelevância de sua existência, tanto mais quando Serebriákov, um professor, papel de Zé Carlos Machado, chega para viver em sua herdade, na companhia de sua mulher, a jovem Helena, personagem de Camila Czerkes. Os novos moradores desestabilizam a rotina da herdade incomodando Vânia, introverso em suas comparações. Por fim, Serebriákov é um varão arrogante, e Helena seduz todos os homens.

Um deles, é o médico Ástrov, papel de Bruno Barchesi, também disputado por Sônia, interpretada por Ana Cecília Junqueira. Tchékhov é um dos autores preferidos da companhia, sobretudo pelos elencos numerosos. “Não fazemos um teatro de protagonista”, diz o diretor. Do responsável russo, o Tapa montou “Ivánov”, em 1998, e “O Jardim das Cerejeiras”, em 2019.

Suas peças se inserem no contexto do teatro realista, com uma postura sátira na representação da sociedade. Desde o século 19, a vida de Tchékhov se misturou à história do teatro. Basta lembrar que “Tio Vânia” estreou, em 1899, no Teatro de Arte de Moscou, com direção de Constantin Stanislavski, fundador de um dos métodos de atuação mais difundidos ao volta do mundo.

Já o Grupo Tapa, desde a sua instauração, nos anos 1970, no campus da PUC-Rio, faz um trabalho de base, apostando no chamado teatro de repertório, isto é, encenando obras clássicas de grandes autores. É também um contraste com o cenário atual, em que produções modernosas têm submetido as vestígios.

“O que não nos deixa sozinhos é saber que outros profissionais estão buscando outros caminhos. Por que o teatro tem de ser único? É uma tendência horroroso no teatro brasílico”, afirma Tolentino. Nesse sentido, ele comemora a multiplicidade da cena paulistana, mosaico muito dissemelhante do Rio de Janeiro, de onde o grupo se mudou, em 1986, com as dificuldades de se montar o repertório escolhido.

“Existe uma coisa chamada Projac que criou um fenômeno de peças de celebridades. A primeira coisa que te perguntam lá é qual é o global no elenco. Se você não tiver um global, não consegue vulgarizar. O Projac é um projeto ideológico”, diz.

O Tapa se mantém, sobretudo, com os recursos da bilheteria. Mas, desde o termo do ano pretérito, tem sido mais difícil continuar os trabalhos. O Teatro Confederação Francesa fechou, e o grupo perdeu o palco em que encenou as suas obras por 15 anos.

A sorte, afirma Tolentino, foi o Sesc ter prontamente asilado a companhia. “Qual ofício não é difícil? Se você não for o filhinho de alguém, você precisa resistir. E o teatro resiste”, diz o diretor.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *