Em novembro de 2002, há pouco mais de 21 anos, o responsável americano Paul Auster, concedeu à Folha uma entrevista em sua mansão, em Novidade York. Ele recebeu o jornalista Sérgio Dávila, hoje diretor de redação do jornal.
Auster tinha um estilo que seus leitores conseguiam identificar com grande facilidade. A forma de seus livros era simples, direta, envolvente, e seus temas variavam dentro de um mesmo universo. Considerado um dos mais conhecidos escritores do nosso tempo, ele morreu nesta terça, aos 77 anos, de complicações de cancro de pulmão.
Confira entrevista publicada em 2002.
A guizo da mansão de tijolo aparente na Segunda Avenida do Brooklyn, em Novidade York, toca duas vezes na tarde fria da última terça. Paul Auster, um dos principais escritores americanos da atualidade, responsável da premiada “Trilogia de Novidade York”, corre para atender à porta.
Está escoltado do vira-lata Jack, que ele salvou da rua há oito anos e batizou em homenagem ao personagem principal de “O Viajante sem Sorte” (“The Unfortunate Traveler”), um dos primeiros romances escritos em inglês, em 1594, por Thomas Nashe.
É o próprio Auster quem recolhe e pendura o casaco do repórter da Folha e o conduz para a mesa da cozinha. No terceiro marchar de sua mansão de móveis muito escuros e fotos muito antigas nas paredes, trabalha sua mulher, a também escritora Siri Hustvedt; ele prefere o porão, onde não escuta o fragor do dia-a-dia.
Agora, quem faz fragor é a faxineira Insi, que lava louça ao lado. Fumando cigarrilhas e bebendo moca, Auster senta-se na cabeceira da mesa. Vamos falar de seu mais recente romance, “O Livro das Ilusões”, o décimo, que chega no dia 17 ao Brasil.
Nele, o personagem David Zimmer, que já havia oferecido as caras em “Palácio da Lua”, reaparece porquê um acadêmico que acaba de perder a mulher e os filhos num acidente de avião e é salvo do suicídio e do alcoolismo ao ver por eventualidade segmento de um curta-metragem mudo na televisão.
A comédia labareda sua atenção, tira-o do estado semicatatônico em que se encontra e o leva a investigar a história de seu diretor, o imaginário prateado Hector Mann, que dirigira curtas nos anos 20 para um dia sumir de vez de Hollywood, sem deixar traços.
O redactor conta que Hector Mann apareceu de uma vez em sua cabeça há 12 anos, já com o sotaque espanhol e o terno tropical. Auster não aparenta seus 55 anos. Com olhos saltados e traços árabes, fala sibilando e ilustra cada resposta com uma história.
Uma vez que a de Jorge Luis Borges. Digo a ele que o romance lembra um pouco os labirintos literários do redactor prateado (1899-1986), e se seria unicamente uma coincidência ele ter escolhido a Argentina porquê terreno natal de seu personagem. Ele portanto se levanta e pega um livro em sua livraria.
“Estive na Argentina no ano pretérito, para o lançamento de um livro”, conta. “Foi minha primeira vez na América do Sul, uma experiência incrível, 2.000 pessoas na noite de autógrafos.”
No termo do dia, um leitor lhe deu um livro, “La Kabbale”, de 1843, de quem subtítulo é “A Filosofia Religiosa dos Hebreus”. Na primeira página, numa letra miúda, a assinatura: “Oriente livro pertence a Jorge Luis Borges -1953”. “Não é muita coincidência?”, comenta.
Para portanto responder à pergunta inicial: “Se há alguma referência à literatura borgiana em “Ilusões”, não é consciente, embora ele tenha me influenciado”.
Aí, começamos a entrevista.
Folha – O personagem David Zimmer é você?
Paul Auster – Não, tanto que a certa profundeza do livro ele destrói o cinema atual e defende os filmes mudos e P&B porquê única frase válida da arte, e eu não acho isso. Talvez eu até prefira filmes mudos a falados, mas é só.
Folha – Até porque você já escreveu e dirigiu três longas (“Cortinado de Fumaça”, “Sem Fôlego” e “O Mistério de Lulu”), não? Vem mais qualquer por aí?
Auster – Não, me aposentei do cinema de vez. Adorei fazer os filmes, mas é impossível se destinar porquê um hobby. Não consigo redigir e filmar ao mesmo tempo, só que quase enlouqueço quando não estou escrevendo. Ou por outra, estou ficando velho, e ainda há muitos livros que quero fazer, portanto acho que vou passar o resto do tempo no meu quarto.
Folha – Quão dissemelhante do primeiro texto que você escreveu terminam seus livros?
Auster – O livro começa com um ritmo, tenho uma idéia do que vai ser o roda da história. Mas, mal vou escrevendo, as coisas mudam. Não chamaria esse processo de improviso, mas não está tudo mapeado quando sento para redigir. E nunca termina igual.
Folha – Logo nem adianta perguntar sobre o romance que você escreve agora…
Auster – Já escrevi 90 páginas do novo livro, estou em plena ebulição. Mas você está evidente, provavelmente vai mudar muito daqui para a frente. De qualquer maneira, não iria expressar do que se trata, é muito cedo. Posso convencionar amanhã cedo e jogar tudo fora.
Folha – Isso já aconteceu?
Auster – Algumas vezes, já joguei fora muitos pedaços de livro, muitos começos. Às vezes você trabalha meses e um dia simplesmente percebe que não é bom.
Folha – Em “Ilusões”, Zimmer escreve sobre pessoas porquê Salinger que a certa profundeza desistem de redigir. Você pensa nisso?
Auster – Não, não, não, de jeito nenhum. Só me interesso pelo ponto, fascinante. Outro dia li um cláusula sobre Harper Lee, a autora de “To Kill a Mockingbird” [que virou o filme “O Sol É para Todos”, 1962]. É o único livro que ela escreveu, há 40 anos, e nunca mais. Hoje é uma senhora que vive no subúrbio, vai a jogos de beisebol. Isso me inspirou.
Folha – Um personagem de “Ilusões” destrói um manuscrito para salvar a musa dele. Você faria isso?
Auster – Se eu tivesse uma musa, sim [entra na cozinha sua mulher, a escritora Siri Hustvedt]. A menos que ela seja minha musa. Na verdade, Siri é muito “amusing” [um trocadilho com a palavra “divertida”, em inglês]. (risos)