Em que pé estão as relações humanas no século 21? A questão, simples, se desdobra de forma surpreendente nos filmes “Sex” e “Love”, que tratam de situações contraditórias de vidas pacatas em Oslo, na Noruega.
Ambos são do norueguês Dag Johan Haugerud e integram uma trilogia que vem circulando nos festivais de cinema ao longo do último ano. O projeto, “Sex, Dreams and Love”, ganhou os holofotes de vez agora que o terceiro capítulo, “Drommer” —sonhos, em português—, levou o Urso de Ouro de Berlim.
Além do cenário, o único ponto em generalidade entre os filmes é a estrutura, que sobrepõe duas histórias entre pessoas mais ou menos próximas. A lógica de díptico ajuda o diretor a montar um bate e rebate entre as tramas, que mergulham os protagonistas em turbilhões emocionais inusitados. Os longas constroem ritmos próprios na incerteza daquelas pessoas, que se veem impelidas a uma exploração de suas próprias identidades.
“Sex” é o mais engraçado da dupla que chega agora aos cinemas brasileiros, apesar de descrever a sua história com maior rigor estético. O longa gira em torno de dois limpadores de chaminé que perceptível dia compartilham entre si segredos que abalam as suas respectivas heterossexualidades —e, por consequência, as suas famílias para lá de tradicionais.
Os casos tem um quê bizarro que já desperta gargalhadas no público durante a revelação. Começa com um dos limpadores admitindo ao outro que sonhou com uma figura divina, com rosto parecido com o do cantor David Bowie, e que se sentiu desejado uma vez que uma mulher por ela.
Enquanto o rosto já se mostra um tanto perturbado pelo que viu no sono, o outro piora a conversa ao revelar que transou com outro varão, morador de uma das casas em que trabalhou. Mas o mais estranho é que ele defende a tese de que continua hétero, porque seu libido foi exclusivamente pontual, coisa da músculos.
A situação portanto vira uma comédia rasgada, sobretudo na reação chocada do primeiro com a pulada de murado do colega e a recusa deste último em cogitar outra orientação sexual. O sonhador, em si, também não está longe na negação; ele confina o seu sonho com Bowie à alucinação, mas o encontro onírico insiste em se repetir no seu sono.
Toda a cena da discussão, que acontece no pausa de um dos turnos da dupla, fascina ainda pela calma com a qual Haugerud conduz a câmera. Ele constrói o momento em longas tomadas sobre os rostos dos atores, o que aumenta a sensação de hipnose da narração de suas histórias.
Disso, o filme desenrola uma lesma da incerteza sobres esses homens diante de suas próprias figuras, mesmo que a interrogação interno seja travada pela insistência em fingir uma suposta normalidade. O da traição logo confessa o caso à esposa para prometer que a situação foi um incidente solitário, por exemplo, mas a mulher fica tão confusa quanto o seu colega.
O humor sedento explode a equação de “Sex” para todos os lados na história, e Haugerud é muito esperto em se divertir com o bizarro. Perto do termo do filme, ele converte uma cena de consulta médica em um ramal completo da trama, embalado por uma doutora toda biruta e um raconto estranho envolvendo um de seus pacientes.
Se o sexo é um invitação de Haugerud à comédia, o paixão em “Love” tem um quê de melodramático. As tramas do filme giram em torno de uma médica oncologista e de um enfermeiro, que vivem rotinas íntimas opostas.
Ela, uma mulher heterossexual, sempre gostou de relacionamentos estáveis; ele, um varão gay, tem o dia a dia marcado por casos de uma noite só. Mas depois dos dois conversarem uma noite, durante uma viagem de jangada, o cenário se inverte. A doutora decide se aventurar por relações mais casuais, enquanto o enfermeiro se envolve com um rosto de uma forma que passa longe do sexo.
O jeito uma vez que Haugerud corda as duas histórias e o próprio ponto das tramas torna “Love” em um filme um tanto mais maçudo que “Sex”. Os arcos dos protagonistas repassam os pontos óbvios das relações contemporâneas —os tais amores líquidos do filósofo Zygmunt Bauman— e o sentimentalismo e a encenação se confundem na pobreza. Nos piores momentos, lembra o estereótipo do drama escandinavo, povoado por personagens de um país com IDH cimeira e rotina ordinário demais.
Ao testemunha, é mais interessante pensar “Love” uma vez que uma perenidade das provocações mais instigantes de “Sex”. Enquanto os sonhos de “Drommer” não chegam, a dupla forma um quadro confuso e intrigante, em uma boa definição do mundo em que vivemos.