Helena Solberg Lança Longa Sobre Ser Mulher No Brasil

Helena Solberg lança longa sobre ser mulher no Brasil – 31/03/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

O ano era 1964, início da filme ditadura militar no Brasil. Helena Solberg havia queimado as trezentas páginas de uma romance escrita na juventude e desistido de ser escritora. Estava casada e tinha um rebento pequeno, mas não trabalhava nem se identificava com a vida de dona de mansão.

Foi logo que começou a entrevistar uma série de mulheres sobre matrimónio, virgindade, sexo, felicidade, paixão. As entrevistadas eram suas contemporâneas, pertenciam às classes média e subida do Rio de Janeiro, tinham entre 19 e 27 anos e, para tratar de temas tão íntimos, tabus mesmo, preferiam conversar a portas fechadas, não aceitando serem filmadas.

Nascia assim “A Entrevista”, curta lançado em 1966. Glória Solberg, logo cunhada da cineasta, foi a única que topou mostrar o rosto, tornando-se protagonista. A ousadia e a originalidade do curta foram reconhecidas nos festivais internacionais por onde o filme passou.

Meio século depois, Helena Solberg recebe uma mensagem da jornalista italiana Beatrice Andreose, uma lata com o curta de 1966 tinha sido encontrada no armário de uma escola da comuna de Nascente, em Pádua, na Itália. “A Entrevista” havia sido exibido no Festival dei Popoli e recebido o Premio dei Colli, talhado a documentários.

A película, surpreendentemente muito preservada, fala da quesito da mulher nos anos 1960, e Andreose pede que a cineasta lhe descreva a situação atual. Foi o pretexto para iniciar a realização de “Um Filme para Beatrice”, documentário de longa-metragem que estreia agora no festival É Tudo Verdade.

Duas narrativas estruturam o novo filme. Há, de um lado, a reflexão sobre questões que ocupam as mulheres latino-americanas nos últimos cinquenta anos: dupla jornada de trabalho, virgindade, violência sexual, liberdade. Do outro lado está a trajetória da própria cineasta, vista através de imagens de alguns de seus dezoito filmes. As duas narrativas são na verdade inseparáveis, já que a quesito da mulher se revela uma preocupação metódico na obra de Helena Solberg.

A entrevista à Folha, feita por videoconferência, começa com uma questão sobre a conformidade de seu cinema. O tema não chega a ser tabu, mas incomoda a entrevistada. Ela nunca pretendeu fazer uma autobiografia e, em “Um Filme para Beatrice”, resistiu antes de concordar colocar-se em cena.

“É difícil olhar a própria obra e analisá-la”, diz ela. “Com esse filme, eu estava preocupada em chegar ao presente, em uma vez que estão as mulheres agora”, diz. E uma vez que estamos? “A gente dá um passo primeiro e dois para trás, as coisas não se resolvem. Isso porque a mulher quer um tanto muito cobiçoso, uma mudança que atinge a estrutura de toda a sociedade.”

Se Helena Solberg costuma ser identificada uma vez que rara ou única mulher do Cinema Novo, não é mal ela se apresenta no filme. “Pertenço à geração do Cinema Novo e era muito próxima de alguns cineastas”, diz.

De veste, Glauber Rocha ajudou-a a conseguir financiamento para “A Entrevista”, Mário Carneiro assina a direção de retrato do filme e Joaquim Pedro de Andrade deixou que ela acompanhasse as filmagens de “O Padre e a Moça” (1966), uma escola de cinema intensiva. Isso, porém, não a impede de reconhecer o machismo que existia. “Era um clube do bolinha? Era. E eles eram machistas, sim. Mas isso estava na sociedade uma vez que um todo”, afirma.

A cineasta tinha pouco mais de 30 anos quando se muda para Washington, casada e com dois filhos, de 9 e 7 anos. É um choque. O movimento feminista enchia as ruas e ela tentava pensar em estratégias para continuar a fazer cinema no novo país, com poucos contatos e uma vida mais doméstica.

Colocou um pregão num quadro de avisos em procura de voluntárias para pesquisar feminismo e o coletivo que se formou deu origem ao média “The Emerging Woman” (1975), devotado “às mulheres dos últimos 200 anos, cuja luta tornou verosímil o surgimento da novidade mulher”. Não parou de filmar, sobretudo mulheres.

O feminismo de Helena Solberg não segue uma silabário estrita e é, uma vez que ela diz, “muito largo”, pois “envolve a sociedade uma vez que um todo, atingindo homens e mulheres”. Pode surpreender o veste de ela incluir entrevistados homens ou destinar uma sequência de “Um Filme para Beatrice” a David Meyer, a quem apresenta uma vez que “companheiro, marido e companheiro”.

Meyer e Solberg se conheceram durante a realização de “Nicarágua Hoje” (1982). Ele, logo jornalista, estava de partida para a Nicarágua e fez as entrevistas que faltavam para completar o documentário. De lá para cá, ele, que também é cineasta, colaborou em todos os projetos de Solberg.

Os dois atuaram juntos em “Carmen Miranda: Bananas is my Business”, premiado nos festivais de Brasília, Havana e Chicago, entre outros. Considerado uma “biografia afetiva”, o filme sobre a cantora e atriz luso-brasileira traz à tona outra questão rostro a Solberg, o convívio com o olhar estrangeiro que exotiza as latino-americanas nos Estados Unidos.

Depois de anos de um reconhecimento rarefeito por secção da sátira e da historiografia do cinema no Brasil, a volta de Solberg ao país coincide a um momento de maior atenção sobre sua obra, que inclui o livro “Helena Solberg: Do Cinema Novo ao documentário contemporâneo”, publicado por Mariana Tavares em 2014, e uma retrospectiva integral realizada pelo Meio Cultural Banco do Brasil.

No balanço universal que “Um Filme para Beatrice” propõe sobre sua trajetória e sobre a quesito da mulher, não há espaço para lamentos. “Nunca me senti ausente nem injustiçada. O que eu queria era fazer cinema e saber mais sobre quem somos”, diz. Esse é realmente o tom do documentário que chega às telas.

Aos 85 anos, a cineasta convoca interlocutores uma vez que a ministra da Paridade Racial Anielle Franco, a sátira feminista Heloísa Teixeira —que antes usava o sobrenome do marido, Buarque de Hollanda— e o professor Guilherme Pereira, mais espargido uma vez que Rita von Hunty —no filme, por um pedido de Solberg, é principalmente Guilherme que ouvimos. Nas conversas, comemoram-se as possibilidades dos tempos atuais, menos limitadores em relação à sexualidade e às expectativas.

No início de nossa entrevista, quis pedir-lhe que refletisse sobre a própria obra, que olhasse para o pretérito, e o incômodo surgiu. Zero menos sintonizado com os interesses de Solberg, que vive com os dois pés no presente e um olhar curioso sobre o porvir.

Folha

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