História De Tia Ciata Reforça Resistência Cultural Do Povo Preto

História de Tia Ciata reforça resistência cultural do povo preto

Brasil

Neste sábado (13) faz 170 anos que Hilária Batista de Almeida nasceu em Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano. Conhecida no Rio de Janeiro porquê Tia Ciata, em abril faz século anos que ela faleceu, posteriormente vida de intensa participação na preservação da cultura brasileira, principalmente, da população preta e no fortalecimento do candomblé contra a intolerância religiosa.

A atuação de Tia Ciata é considerada principalmente importante na formação do samba em terras cariocas. Entre tantas pessoas, ela recebia em sua moradia, que era também o seu terreiro, a chamada santíssima trindade do samba, composta por Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Foi onde se juntou o estilo da musicalidade do Rio com o samba de roda da Bahia.

Rio de Janeiro (RJ), 11/01/2024 - Largo João da Baiana, na Pedra do Sal, zona portuária do Rio de Janeiro, tradicional reduto do samba. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 11/01/2024 - Largo João da Baiana, na Pedra do Sal, zona portuária do Rio de Janeiro, tradicional reduto do samba. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Tia Ciata é homenageada em muro do Largo João da Baiana, na Pedra do Sal, zona portuária do Rio de Janeiro, tradicional reduto do samba.- Tomaz Silva/Dependência Brasil

“Enquanto na moradia de Tia Ciata tinha os rituais de candomblé, depois, porquê acontece até hoje, é o samba que perdão. Primeiro tem as obrigações religiosas, depois tem a sarau. Todo mundo samba e todo mundo dança. É a confraternização. É aquilombamento com nossas músicas de base africana”, comentou a professora da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em filosofia e em história comparada, Helena Theodoro, em entrevista à Dependência Brasil. A técnico destaca que esse envolvimento músico de Tia Ciata resultou ainda na geração das escolas de samba com os primeiros desfiles na Terreiro Onze, próximo a moradia dela.

“Quando fazia isso, protegia essas duas expressões importantes da nossa cultura avoengo”, completou à Dependência Brasil, o babalawo Ivanir dos Santos, interlocutor da Percentagem de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR) e doutor em História pela Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ).

Candomblé

A religiosidade sempre foi muito presente na vida de Tia Ciata. Filha de Oxum, aos 16 anos já participou da instauração da Irmandade da Boa Morte, em Catadupa, também uma cidade do recôncavo baiano. A irmandade continua até hoje graças à resistência das seguidoras. No candomblé, Hilária foi iniciada na moradia do babalawo Bámgbósé Òbítíkò, da pátria Ketu. Chegou ao Rio com uma filha quando tinha 22 anos e foi na cidade que se tornou Mãe-Pequena de João de Alabá, função que dá suporte ao líder do terreiro, também chamado de barracão. Na ininterrupção dos preceitos da religião, se tornou uma ialorixá, uma mãe de santo.

Na cidade, se casou com o funcionário público João Baptista da Silva e a família cresceu com mais 14 filhos. Morou em diversos endereços na região medial do Rio, porquê a Pedra do Sal, ponto de referência na superfície conhecida porquê Pequena África; no Beco João Inácio; nas ruas da Alfândega, General Pedra e dos Cajueiros. Mas foi na moradia da Rua Visconde de Itaúna que o encontro da cultura com a religião ficou mais potente. O casarão histórico não existe mais. Toda a superfície foi demolida para a construção da Avenida Presidente Vargas, uma das vias mais movimentadas da capital fluminense.

Na moradia da Rua da Alfândega, onde hoje é uma loja de roupas femininas, nasceu em 1909 o músico e compositor Bucy Moreira, neto de Tia Ciata e pai de Gracy Mary Moreira, a presidente da Morada Tia Ciata, um ponto de cultura na Rua Camerino, 5, que permite ao visitante saber a história desta importante personagem brasileira.

Rio de Janeiro (RJ) 11/01/2024 – Entevista com Gracy Mary Moreira, bisneta de Tia Ciata e sambista, presidente do espaço cultural Casa da Tia Ciata. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 11/01/2024 – Entevista com Gracy Mary Moreira, bisneta de Tia Ciata e sambista, presidente do espaço cultural Casa da Tia Ciata. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Entevista com Gracy Mary Moreira, bisneta de Tia Ciata e sambista, presidente do espaço cultural Morada da Tia Ciata – Fernando Frazão/Dependência Brasil

“Eu vejo que a força da Tia Ciata está representada em vários locais. Não é só no samba, mas em outros lugares. A gente pode expor que ela atuou também porquê assistente social. Independente das festas, onde tinha muita comida, ela oferecia comida para as pessoas que batiam a sua porta”, apontou a bisneta à reportagem da Dependência Brasil, acrescentando que Tia Ciata ainda ajudava a localizar as famílias de negros que chegavam no porto do Rio.

“Quando a gente fala dela, a gente fala na pluralidade e na variação que ela conseguiu colocar na moradia dela. Com isso, Heitor dos Prazeres, vendo aquelas pessoas, os islâmicos, os judeus, ciganos descendentes de África, começou a expor que a moradia de Tia Ciata era a capital de uma África pequena que depois ficou porquê a Pequena África”, refletiu a bisneta.

Gracy contou ainda que a bisavó tinha um meio de usurpar a repressão policial que havia contra os sambistas. “A polícia batia na moradia de Tia Ciata e ela tinha uma expertise de mudar o gênero músico. Dizia que ali não estava tocando samba e estava tocando pranto, que não era proibido. Meu pai falava isso direto. Tia Ciata foi uma mulher plural e avante do seu tempo”, contou.

Economia

Na visão de Helena Theodoro, Tia Ciata liderou um movimento econômico informal, que assegurou renda para mulheres quituteiras. Tudo começou quando, vestida de baiana, ela montou um tabuleiro no meio do Rio para vender acarajés e foi se juntando a outras mulheres que com o trabalho passaram a prometer a renda da família. O lugar é o Largo da Carioca, que a partir daquele momento começou a ser chamado também de Tabuleiro da Baiana. “O que traz com Tia Ciata é a independência econômica e cultural das mulheres pretas do Rio de Janeiro”, afirmou a professora.

“Ela consolidou realmente um espaço de empoderamento da mulher negra, um espaço de bom convívio”, pontuou Gracy.

Segundo Helena Theodoro, além dessa força, as mulheres passam a influenciar a política. Tia Ciata foi procurada por assessores do presidente Wenceslau Braz para ver se ela poderia tratar uma ferida que ele tinha na perna e não fechava nunca. Ela foi ao Palácio do Catete, na idade sede da presidência da República do Brasil.

“Depois de um jogo [de búzios para consulta aos orixás] ela fez uma infusão de ervas e foi ao Palácio do Catete. Ela banhou as pernas do presidente e falou que em três dias ia secar e ele ia permanecer curado. E foi isso que aconteceu”, relatou Gracy.

Em gratulação, o presidente determinou que a polícia deixasse de fazer operações de repressão no reduto de sambistas que era a moradia de Tia Ciata. “O marido dela ganhou um tarefa e ela teve autorização para tocar os seus atabaques e fazer seus encontros de samba”, disse Helena Theodoro.

“Ela foi uma estrategista pomposo. Já naquele período difícil de um código criminal que mandava prender e tomar os utensílios religiosos, ela criou esta rede de proteção, a partir da sua influência com pessoas importantes atendidas por ela. Ela fazia isso porquê proteção para essas culturas, tanto místico, porquê a do samba e a das comidas”, apontou Ivanir dos Santos.

Rio de Janeiro (RJ) 11/01/2024 – Espaço cultural Casa da Tia Ciata. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 11/01/2024 – Espaço cultural Casa da Tia Ciata. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Espaço cultural Morada da Tia Ciata – Fernando Frazão/Dependência Brasil

Preservação

Para a bisneta, a força da sua avoengo alimenta atualmente o libido de preservação do seu legado, que é notado em uma vasta região do Rio.

“A reafirmação desse território da Pequena África é muito importante e Tia Ciata está inserida nisso. Você passa em qualquer lugar cá, tanto no Largo da Prainha, tem imagem da Tia Ciata, na Pedra do Sal, no Morro da Conceição, no Morro da Providência. As pessoas abraçando e reconhecendo todas as atitudes e expressões que Tia Ciata trouxe. Esse é o legado dela”, indicou.

A professora Helena Theodoro lembrou que Tia Ciata também costumava se reunir com estivadores, muitos eram escravizados libertos, e que os encontros deram origem ao primeiro sindicato do Rio formado pela categoria, considerada potente nas reivindicações. “São os primeiros trabalhadores que criam o sindicato da resistência. Era uma categoria muito potente e eram todos jongueiros [que dançavam jongo de origem africana], inclusive por isso o Poderio Serrano é visto porquê uma escola sindicalista”, concluiu.

Oralidade

Tia Ciata passou os seus conhecimentos para pessoas da família, integrantes do candomblé e do samba. E foi por meio da oralidade que o legado foi pretérito para o neto e chegou à bisneta. “Ela conseguiu que o meu pai aprendesse para passar para as futuras gerações”, comentou Gracy, que teve dificuldade em explicar o sentimento de estar avante da Morada Tia Ciata, guardando a memória da bisavó.

“Não tenho nem palavras para expressar. É um paixão, é um carinho tão grande de mostrar essa bagagem cultural que a Tia Ciata nos deixou e trazendo isso de um modo verdadeiro para que as pessoas entendam todo o processo. É muita responsabilidade”, disse emocionada.

Rio de Janeiro (RJ) 11/01/2024 – Espaço cultural Casa da Tia Ciata. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 11/01/2024 – Espaço cultural Casa da Tia Ciata. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Espaço cultural Morada da Tia Ciata – Fernando Frazão/Dependência Brasil

O visitante da Morada Tia Ciata pode também contratar um passeio guiado, no qual vai percorrer todos os pontos importantes da região da Pequena África, que segundo o babalawo, era originalmente uma superfície muito maior do que se mostra atualmente, porque ia desde a região portuária até o bairro do Estácio, na região medial do Rio.

“Tia Ciata tem uma relevância enorme. Ela representa a mulher independente, trabalhadora, religiosa, dona do seu nariz e administradora com liderança comunitária”, concluiu Helena Theodoro.

O espaço cultural Morada da Tia Ciata vai narrar com programação privativo em comemoração à data de promanação da “matriarca do samba”.



Fonte EBC

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