'homem com h' mostra todo o talento de jesuíta barbosa

‘Homem com H’ mostra todo o talento de Jesuíta Barbosa – 29/04/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Jesuíta Barbosa surgiu nacionalmente exibindo um espantoso talento em “Tatuagem”, de Hilton Lacerda, de 2013. Mas suas performances seguintes, apesar da invariável qualidade, deixavam sempre a sensação de que ainda faltava alguma coisa —talvez o personagem patente para ele mostrar a amplitude do seu potencial. Sobretudo na TV, que sanitizava suas características mais primais, animalescas, que o distinguem dos colegas de geração.

“Varão com H” está aí para mostrar que Ney Matogrosso era o papel que lhe faltava. Porquê nunca, o ator demonstra segurança, ímpeto, crença em sua capacidade. Sua caracterização impressiona —Barbosa surge com a mesma silhueta delgada, os olhares desafiadores e a fisicalidade de Ney, esse artista que se define uma vez que meio varão meio bicho. Mas não o imita, pura e simplesmente. É um Ney parecidíssimo com o da vida real, mas um Ney todo pessoal de Barbosa.

Biografias musicais tendem a enclausurar a trajetória dos protagonistas em estruturas narrativas muito parecidas e desgastadas. O longa de Esmir Fruto também segue uma base convencional, mas se distingue em diversos aspectos de “biopics” mais corriqueiras. Tem mais vibração, escolhas estéticas menos óbvias e uma maior tenacidade de ritmo. O filme pulsa.

Logo no início, vemos o pequeno Ney na mata, uma vez que se fosse segmento dela. As cenas são entrecortadas pelo cantor já adulto, em um palco, também à vontade naquele sítio. Eis aí o ponto do filme, Ney Matogrosso sempre teve enorme afinidade com o mundo procedente, onde os animais só conseguem viver em liberdade. E, quando no palco, aquele mesmo Ney se lança no incógnito com o mesmo desprendimento que uma ave em pleno voo. Impossível de se imaginar acuado, ou morreria o artista —e talvez até o varão.

É sob a égide dessa urgência de ser livre que Ney se formatou, enquanto ser humano e enquanto figura pública. Liberdade, inclusive, para nunca levantar bandeiras. Sua luta política sempre foi a de um lobo solitário, passando sua mensagem sobretudo por sua atitude no palco e pelo seu repertório.

O filme transmite essa mensagem com bastante destreza, até paixão. Esmir Fruto consegue ter soluções interessantes para a maior segmento das situações, e em dois momentos ele recorre a referências diretas a obras de outros cineastas que, em um primeiro momento, soam uma vez que saídas fáceis para o que ele próprio não teria conseguido resolver enquanto artista.

Curiosamente, porém, essas cenas se convertem em dois dos pontos altos do filme, porque ultrapassam a mera citação cinéfila e se tornam uma reapropriação e um prolongamento do que outros cineastas já fizeram.

Em uma delas, quando avalanche a “Inverno de Sangue em Veneza”, de Nicolas Roeg, de 1973, vemos cenas em que Ney e seu primeiro namorado fazem sexo, intercaladas com imagens imediatamente depois o coito, com ambos se vestindo. Em Roeg, são trechos bonitos, líricos, sobre a rotina de um relacionamento feliz, mas no novo contexto da cena, existe o tino de uma relação amorosa que, de saída, já está fadada à rotina, às regras dos casais normativos comuns. No caso de uma espírito livre uma vez que a de Ney, isso se converteria em um aprisionamento inviável.

A outra é quando Ney está na Aviação, e os corpos masculinos se exercitando são uma piscadela a Claire Denis e seu “Bom Trabalho”, de 1999. Dez entre dez cineastas queer adoram fazer essa mesma referência quando querem mostrar torsos de homens desnudos, mas Esmir Fruto vai além. O quartel idealizado pelo cineasta é sobretudo um envolvente de homoerotismo fervente, sem zero de um sítio repressor.

Ney e os colegas conversam uma vez que se estivessem em um eterno flerte, uma dança de acasalamento não consumada. Ali, o filme ilustra o libido ao mesmo tempo proibido e escancarado no meio militar de maneira não naturalista, estilizada, em um registro sexy e até patente ponto quebradiço. Além de um tanto supra do tom, é muito verdade, mas as cenas estão entre as melhores do longa.

Mas “Varão com H” é um filme fundamentalmente mercantil, logo chamas criativas uma vez que essas não podem passar de centelhas. Assim uma vez que a sexualidade das cenas mais impudicas —que são muitas— também precisa seguir certas regras de incandescência. Vê-se quase tudo nas cenas de sexo, mas da genitália humana há unicamente, literalmente, sombras.

Frustra um pouco ver o filme ir tão longe em sua liberdade sexual, mas paralisar sua audácia quando a câmera capta mais do que o grande público toleraria; finalmente, ainda não se pode ser totalmente livre. Ainda assim, o longa já configura um belo progresso.

Folha

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