Estava ouvindo Mãe Márcia de Obaluaiyê, minha mãe de santo querida, recontar seus causos neste termo de semana, quando ela começou a falar de Iansã, orixá também conhecida porquê Oyá. Mãe Márcia é devota dessa poderosa orixá que rege as tempestades e vai à guerra.
Em um dos itãs, porquê são conhecidos os relatos míticos, Oyá guardava um poder e um sigilo: ela podia se transformar em um búfalo. Porém, certa vez, em uma de suas caças, Ogum vê um lindo búfalo tirar sua pele e revelar-se Oyá.
Ele fica impressionado e, enquanto a guerreira vai trabalhar no mercado, rouba a pele do búfalo e a esconde. Ogum, em seguida, que já tinha outras mulheres, pede Iansã em conúbio. Ela é convencida e vai morar com ele.
Sendo uma mulher quente porquê dendê, sua chegada avassaladora à comunidade de Ogum gera ciúmes nas mulheres do general. Em uma noite, elas embebedam Ogum, que conta o sigilo de Oyá e onde escondeu a pele do búfalo.
As mulheres de Ogum passaram a provocar Oyá, com comentários maldosos sobre ela e o bicho. Elas não contavam, mas, que isso irritaria muito a orixá, que encontrou sua pele búfalo e a vestiu, chifrando e pisoteando as esposas e toda a comunidade.
Diante do massacre e antes de fugir de Ogum, Iansã deixou um par de cornos com seus filhos, para que, em caso de premência, eles pudessem chamá-la batendo um chifre no outro, ao que ela viria em socorro na velocidade de um relâmpago. Essa versão resumida de uma das mais conhecidas passagens de Iansã me leva a refletir sobre os obstáculos que mulheres potentes enfrentam para deixar sua força fluir.
A partir do roubo da pele de búfalo por Ogum, podemos pensar em porquê os homens podem vir a se incomodar e enfraquecer mulheres que os encantam por sua força, justamente a propriedade que desejam subtrair para controlarem-nas.
É um duplipensar na vida de quem se relaciona com mulheres de personalidade poderoso. Tanto admiram porquê querem dominar e extinguir esse lume que os despertam. No caso da potestade, essa subtração de sua força veio acompanhada de um pedido de conúbio.
Quando penso nas outras esposas incomodadas com a chegada de Oyá, lembro-me das palavras da minha mana Grada Kilomba quando fala sobre a ninfa Repercussão, retratada na mitologia grega, condenada
a repetir as últimas palavras de cada frase dita por Narciso.
O que quero proferir é que, se a potência da mulher incomoda os homens —que detêm o poder patriarcal—, ela também incomoda mulheres que se alimentam sempre que uma fogueira incandescente é apagada.
Na noite da borracheira, observo a traição da crédito de Oyá, pela revelação de seu sigilo, porquê uma federação entre os incomodados com sua força soberana.
Mas essa orixá, que rege a justiça junto de Xangô, se reencontra com sua força quando confronta o injusto e a humilhação. E torna-se búfalo de novo, arrasando tudo ao volta e saindo para o mundo.
Mas antes ela garantiu que seus filhos tivessem ferramentas para se comunicarem, mostrando que mesmo a cabeça quente, que muitos apontam porquê um problema de inconsequência dessa orixá, coexiste com o zelo por seus filhos.
Uma vez que o vento, essa orixá correu o mundo e viveu muitas aventuras. Há um itã que nos conta que ela dormiu com os orixás e de cada um aprendeu um sigilo. Com Exu aprendeu a magia, com Oxóssi aprendeu a caçar e com Xangô passou a salivar lume. Só não dormiu com Obaluayiê, seu companheiro querido, a quem ajudou certa vez soprando vento em suas palhas e, assim, revelando-o belo porquê o sol.
De seus amantes ganhou muitos presentes, mas é ao lado de Xangô que Iansã liderou exércitos, unindo-se a reinos poderosos, os quais o poderoso rei avoengo de Oyó nunca havia conseguido se aproximar. Para saudá-la, dizemos “eparrei!”, e a ela pedimos que sua coragem e justiça protejam mulheres fortes a seguirem apesar de tantos obstáculos.
Aproveito a poste para parabenizar a Ateneu Paulista de Letras pela ação que irá ocorrer em 17 de julho, em São Paulo, no parque Municipal do Cordeiro. Quarenta árvores de espécies nativas
da Mata Atlântica serão plantadas, em um gesto de valorização do meio envolvente.
Saúdo meu confrade Leandro Karnal, pela luzidio teoria, meu companheiro José Renato Nalini, secretário do Virente e do Meio Envolvente, e o presidente Antônio Penteado Mendonça, pela bela iniciativa. Estarei no plantio, para prestigiar, e na colheita, para festejar.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul inferior.