Imenso, legado de sebastião salgado também teve limites 24/05/2025

Imenso, legado de Sebastião Salgado também teve limites – 24/05/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

A morte do fotojornalista Sebastião Salso, nesta sexta-feira, apagou, em Paris, um farol de alcance mundial. Nascido em Aimorés, Minas Gerais, em 1944, Salso iniciou-se na retrato por volta dos 30 anos, depois de se exilar na capital francesa para evadir da ditadura brasileira, e de atuar porquê economista na Organização Internacional do Moca.

Não há números que bastem para medir seu esforço, nem a grandiosidade de sua obra. Salso viajou para mais de 120 países, deixou um registro estimado de mais de 500 milénio imagens, testemunhou uma infinidade de conflitos e amealhou quase todos os prêmios mundiais. Suas fotografias educaram milhões de pessoas e engrossaram as listas de imagens definidoras do século 20. Suas dezenas de livros iniciaram milhares de jovens porquê eu, figurando até hoje entre os mais vendidos.

Salso realizou exposições no mundo todo, às vezes em um punhado de países simultaneamente, e cada novo projeto arrebatou multidões, que se ajoelharam diante de suas histórias e fotografias. Trabalhou com Gilberto Gil e Chico Buarque, com o presidente Lula e ó líder indígena Davi Kopenawa, para reportar algumas figuras de proa.

Com sua partida, o mundo fica mais triste. Depois de Henri Cartier-Bresson, com quem trabalhou na dependência Magnum, Salso foi o mais próximo que um fotógrafo pode ser de um ídolo, com glória comparável à dos jogadores de futebol.

E Salso não se limitou à retrato. Trabalhou na risca de frente dos conflitos, aliando-se a associações humanitárias, financiando projetos ecológicos, apoiando organizações porquê o Movimento dos Trabalhadores Sem Terreno e o Instituto Socioambiental.

Deu visibilidade às lutas sociais, inclusive durante o governo de Jair Bolsonaro, quando convocou a atenção internacional para denunciar a política indígena genocida. “Eu só tenho esperança de que os indígenas vão resistir, mas não tenho certeza”, disse, revelando a dimensão da tragédia, mas também os privilégios de quem poderia duvidar.

Ao lado da esposa Lélia Wanick, curadora permanente e presença nem sempre visível, transformou a degradada rancho da família em Suplente Pessoal do Patrimônio Oriundo (RPPN).

As fotos de Salso narraram o século 20, começando pela transformação da vida rústico na América Latina —em “Outras Américas”—, pela seca no setentrião da África —”Sahel”—, pelas ondas migratórias —”Exodus”— e pelas excruciantes condições de trabalho no Sul Global —”Trabalhadores”—, entre muitos outros projetos.

Trabalhou sem parar. Na obra magna “Trabalhadores”, de 1996, redefiniu o fotojornalismo ao narrar a exploração da mão de obra humana em graduação global. Cada foto sua é uma lição de geopolítica, mas também o testemunho incontornável da violência gerada por nossas próprias vidas.

Com as fotografias de Serra Pelada, Salso alcançou repercussão mundial ao simbolizar a tragédia e o desamparo da corrida do ouro com a síntese das grandes pinturas históricas. Suas “Guernicas” registram a tragédia para evitar que fosse repetida, contribuindo para frear crises humanitárias porquê a invasão garimpeira, hoje deslocada para dentro das terras indígenas. Salso iluminou territórios do mundo que ninguém via, e nos tornou mais responsáveis.

Sua retrato levou o drama de populações inteiras a cruzar oceanos para ser exibido diante de quem lucra com a violência ou usa o quantia para mantê-la à intervalo. Seu trabalho deu rosto e corpo à risca de frente do capitalismo, expondo a ponta violenta dos mercados globais, mesmo que nem sempre deixasse as relações visíveis. Com décadas de trabalho e suor, inventou uma forma épica perfeita para simbolizar em retrato a tragédia humana operada pelas mãos do capitalismo. Um feito difícil de ser superado.

Mas Salso também foi um varão do século 20, carregando na mala os paradoxos de sua experiência. A viradela do século trouxe novos desafios, conforme ampliou-se o debate sobre a produção visual e o papel do jornalismo.

Aos poucos, projetos porquê “Gênesis”, de 2013. afastaram-se dos grandes dramas sociais para relevarem um mundo incógnito, encaixado em fórmulas visuais. A reiteração dramática que educou multidões deu origem a um maneirismo fotográfico, repetido no preto e branco das luzes carregadas e do eminente contraste, nas nuvens crispadas e nas peles enrugadas.

O libido de levar a câmera para onde o varão nunca tinha ido misturou-se à procura pelo inatingível, convertendo o suor do trabalho em um chamado divino. Confundia-se Deus e varão, fotógrafo e mito.

Salso foi um dos grandes apoiadores da luta indígenas, mas, nas fotografias de “Amazônia”, de 2021, sua desconexão se tornou visível com a opção por panos de fundo para isolar a floresta de seus habitantes originários, e a insistência em esconder elementos modernos porquê bermudas, celulares e Havaianas.

A cosmovisão indígena, que propõe uma integração radical entre todos os seres vivos, foi envelopada na retórica do século 19 e de seus álbuns de viagem etnográficos, transformando pessoas em estereótipos de si mesmas e empurrando-as para um pretérito mítico —a despeito da incrível capacidade de resistência e adaptação que há séculos tem livrado os povos indígenas do completo genocídio.

A associação original entre tema e forma enfraqueceu. Seu trabalho não perdeu a urgência, mas deixou de enfrentar os novos problemas da geração artística. Na preocupação por povos remotos, Salso talvez tenha se retirado do mundo enquanto buscava completar um álbum de figurinhas e nutrir a audiência que ele próprio construíra.

Para prosseguir, também é preciso desconstruir. A partida de Salso exige festejar seu legado imenso tanto quanto aprender com seus limites, ampliando sua dimensão humana.

A democratização das câmeras e dos microfones, das canetas e feeds têm nos mostrado as imagens invisíveis e a forma porquê a história é escrita. O que antes só alguns narravam hoje está ao alcance todos, em cada tuíte. Salso transformou o mundo com uma curso de muitas certezas. Mas são as perguntas que atualizarão o legado.

Porquê universalizar a tragédia humana sem extinguir as identidades individuais? Porquê lutar para mudar a sociedade e, ao mesmo tempo, evitar que as imagens reencenem a violência contra quem já é vítima, conferindo-lhes um sorte inescapável?

Por que a alguns é permitido decorrer o mundo com a câmera enquanto outros estão condenados a serem sempre sujeitos dos retratos? Porquê erigir um porvir que celebra o pioneirismo de quem abre caminhos sem relegar a valimento da reflexão sátira?

E, sobretudo, porquê enfrentar a violência do capitalismo sem beneficiar-se da estrutura que o alimenta? Com a partida de Salso, precisaremos estar cada vez mais vivos.

Folha

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