Incêndio Chama Atenção Para Riscos à Segurança Do Trabalho No

Incêndio chama atenção para riscos à segurança do trabalho no carnaval

Brasil

No início da manhã de quarta-feira (12), trabalhadores de uma confecção de roupas na zona setentrião da cidade do Rio de Janeiro foram surpreendidos por um incêndio de grandes proporções na fábrica. Aqueles que estavam lá tiveram dificuldades para evadir das chamas. Sem ter para onde decorrer, alguns se viram enjaulados por janelas basculantes que impediam sua fuga.

Com a ajuda de colegas e do Corpo de Bombeiros, todos conseguiram evadir com vida, mas pelo menos 21 pessoas precisaram ser hospitalizadas, algumas em estado grave, por intoxicação ou queimaduras nas vias aéreas.

A fábrica trabalhava a todo vapor, inclusive com com trabalhadores virando a noite, para concluir a produção de fantasias e entregá-las a tempo do desfile das escolas de samba do grupo de aproximação do carnaval carioca (Série Ouro), nos dias 28 de fevereiro e 1º de março.

As chamas acabaram destruindo as fantasias e, assim, comprometendo os desfiles de várias escolas, principalmente da tradicional Predomínio Serrano, da Unidos da Ponte e da Unidos de Bangu.

O incidente, que, segundo a Polícia Social, pode ter sido provocado por uma sobrecarga de força em uma rede elétrica improvisada e clandestina, labareda a atenção para uma face importante, porém negligenciada, do mundialmente famoso carnaval do Rio de Janeiro: as condições de trabalho da ergástulo de produtiva do carnaval, principalmente no grupo de aproximação e nas divisões inferiores, e os riscos para a saúde e a segurança dos trabalhadores.

Para a diretora da Escola Politécnica da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ), a engenheira social e de segurança do trabalho Cláudia Morgado, a fábrica que se incendiou tinha, aparentemente, vários problemas que favoreceram a propagação das chamas e dificultou a saída das vítimas.

“Vamos considerar a proximidade do carnaval. Tinha três turnos trabalhando sem parar, portanto, a demanda por força é bastante subida e pode ter risco de incêndio. O lugar era um galpão mais descerrado [sem compartimentalização], com muito oxigênio e muito combustível [as fantasias]. E era um combustível com possivelmente muito plástico e cola, que são substâncias que elevam a temperatura muito rapidamente. E as janelas, pelo que entendi, tinham grades”, ressaltou Cláudia.

De entendimento com a engenheira, ou por outra, seria necessário ter uma escada enclausurada, com duas portas corta-fogo, para impedir que o incêndio e a fumaça passassem de um caminhar para outro. Outras medidas que poderiam evitar a rápida propagação do queimada seriam a repartição do galpão em compartimentos, para dificultar a expansão do incêndio, e não estocar muitas fantasias já prontas no sítio.

“É preciso ter todo um projeto [para o prédio]. Se estou trabalhando com material muito combustível, preciso ter um olhar para segmentar [o local]. Se pegar queimada num lugar, que pelo menos fique restrito àquele setor e possa ser combatido localmente e não lucrar grandes proporções. E tem que ter a organização do trabalho. Se havia peças já produzidas deveriam ter sido levadas para outro lugar, entregues para os clientes. A introdução do plástico, dos sintéticos [nas fantasias e alegorias], agravou muito os incêndios. O risco vai aumentando para o próximo carnaval, por razão da velocidade e da intensidade [do trabalho] para entregar as coisas”, afirmou a engenheira.

O carnavalesco Leandro Vieira tem quatro títulos do Grupo Próprio – dois pela atual escola, Imperatriz Leopoldinense, e dois pela Mangueira. Mas, ao longo da curso, ele também trabalhou com escolas do grupo de aproximação, uma vez que a União de Maricá, outra assembleia onde atualmente é carnavalesco.

Em entrevista ao programa Sem Exprobação, da TV Brasil, Vieira afirmou que a confecção que pegou queimada era uma das fábricas de fantasia mais muito estruturadas na ergástulo produtiva do carnaval carioca. “Existe, sobretudo no grupo de aproximação, uma precarização dos ambientes de trabalho. A Maximus ainda deve ser o sítio mais muito estruturado. Eu conheço porque já trabalhei com prestadores de serviços de lá”, afirmou o carnavalesco.

No mesmo programa, o ex-carnavalesco Milton Cunha afirmou que, em universal, os locais de trabalho das escolas de samba de divisões inferiores são ainda menos estruturados. “Num barracão na Intendente Magalhães [onde escolas de divisões inferiores do carnaval desfilam], só não pega queimada por milagre. E, de vez em quando, vem chuva e leva tudo. É queimada e chuva”, destacou Cunha.

Vieira lembrou que o grupo de aproximação hoje ocupa um espaço que era usado por escolas do grupo peculiar até a construção da Cidade do Samba. “São barracões sem telhado, sem um sistema sanitário decente, sem ventilação, com um sistema elétrico terrível”, disse o carnavalesco da Imperatriz e da União de Maricá, durante a entrevista ao Sem Exprobação.

Em entrevista coletiva no dia do incêndio, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, disse que pediria, à liga das escolas de samba do grupo de aproximação, que informasse os locais onde estão sendo produzidos itens para o carnaval, para que possa guiar ações de fiscalização da prefeitura.

“A gente não sabe nem quantos lugares parecidos com esse existem na cidade nesse momento. A gente faz esse alerta. Obviamente, vou pedir à Série Ouro que informe isso para que a gente possa ter um olhar mais prudente”, afirmou o prefeito.

Segundo Paes, uma das alternativas para esses locais de trabalho precários será a construção da Cidade do Samba 2, que abrigará os barracões das escolas de samba do Grupo Ouro, nos moldes da Cidade do Samba original, que abriga as agremiações do Grupo Próprio, na zona portuária do Rio de Janeiro. “A obra da Cidade do Samba 2, que está [em fase] muito inicial, é uma urgência”, afirmou Paes.

Mesmo a Cidade do Samba, que tem equipamentos anti-incêndio e uma brigada, não é sinônimo de segurança totalidade para os trabalhadores do carnaval. Em 2011, um incêndio atingiu os barracões de três escolas do grupo peculiar e destruiu várias alegorias.

E os problemas não param na precariedade dos locais de trabalho. De entendimento com o jornalista e pesquisador Fábio Fabato, muitos trabalhadores da ergástulo produtiva do carnaval são submetidos a condições análogas à escravidão na proximidade da sarau.

“O carnaval carioca bate no peito uma vez que ‘Maior Espetáculo da Terreno’, mas as engrenagens da sarau ainda são amadoras. Muitos dos trabalhadores que fazem a sarau – boa segmento invisibilizada –chega a trabalhar de modo análogo à escravidão na reta final de preparativos. Segurança social e carteira de trabalho para todos ainda são sonhos em ambientes que, em alguns casos, apresentam condições insalubres”, afirmou, em prova à Sucursal Brasil.

No caso da fábrica que pegou queimada nesta quarta-feira, por exemplo, há relatos de que os trabalhadores estavam dormindo no sítio porque estavam trabalhando em turnos estendidos. O Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho apuram denúncias de infração das leis trabalhistas e das normais de segurança e saúde do trabalho.

Segundo Fábio Fabato, é preciso ter proteção para esses trabalhadores. “Não adianta exclusivamente crescer valores [das subvenções] de esteio, ou os poderosos da folia comemorarem a venda totalidade do rentável fenômeno de ‘camarotização’ da pista. Urge que haja dispositivos de proteção a quem coloca efetivamente a mão na tamanho e faz disso tudo uma indústria cultural, com o peso real dessa sentença.”

Para a engenheira de segurança do trabalho Cláudia Morgado, seria importante as escolas de samba e as ligas carnavalescas exigirem de seus fornecedores um envolvente de trabalho seguro para os funcionários. “É preciso fazer exigências, uma vez que fazem as grandes empresas, a seus fornecedores, que precisam ter qualquer tipo de protocolo para fornecer fantasias às escolas de samba. Porque isso pode malograr. As escolas que estavam com as suas fantasias ali [na fábrica que pegou fogo], de alguma maneira, terão qualquer prejuízo. Precisa profissionalizar ainda mais o carnaval, porque essa é uma grande indústria.”

A patrão de Fiscalização do Ministério do Trabalho no Rio de Janeiro, Ana Luiza Horcades, informou que os auditores-fiscais do trabalho fazem, todo ano, vistorias em instalações produtivas voltadas para o carnaval carioca. “No Sambódromo, por exemplo, todo ano, há uma fiscalização planejada, com a participação de todos os atores sociais envolvidos, desde a prefeitura até todas as empresas que regularmente atuam nessa atividade. As reuniões começam muito antes do carnaval debutar a ser montado, porque a teoria é edificar um envolvente de trabalho seguro e saudável para todos, de forma preventiva, para evitar a ocorrência de acidentes e doenças relacionados ao trabalho.”

Ana Luiza disse que, para que o Ministério do Trabalho consiga um resultado eficiente nesse trabalho de fiscalização, está sendo buscada uma aproximação maior com a prefeitura. “Juntos, a inspeção do trabalho, a prefeitura do Rio e todos os outros atores sociais envolvidos têm o poder de conseguir uma transformação na veras da vida dos trabalhadores que estão envolvidos nesse segmento.”

Fonte EBC

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