Com pouco mais de 1,5 metro, Gedson Beltrão dos Santos Corgosinho, o Gedinho, foi um dos melhores jogadores que já passou pelo Trieste Futebol Clube, de Curitiba. Devido à habilidade com o pé esquerdo, chegou a ser denominado de “Mini Messi” e até de “Novo Messi”.
Em homenagem a outro boleiro prateado, o ex-meia e atual presidente do Boca Juniors, Juan Román Riquelme, Rosana de Souza e José Lopes Viana escolheram batizar seu segundo rebento de Rykelmo de Souza Viana. Foi sob o nome de outro país que o jovem, procedente de Limeira, no interno paulista, acabou mais publicado, no entanto: Bolívia.
As histórias dos dois atletas mortos precocemente, aos 14 e 16 anos, respectivamente, são contadas em livro recém-lançado da jornalista Daniela Arbex, assim porquê as dos outros oito jogadores de categorias de base do Flamengo que também perderam a vida em um incêndio no alojamento do clube cinco anos detrás.
Resultado de uma apuração de dois anos que envolveu quase 10 milénio páginas de documentos e muro de 150 entrevistas, “Longe do Ninho”, recém-lançado pela editora Intrínseca, revela informações que até portanto eram desconhecidas pelas próprias famílias que perderam filhos, irmãos, sobrinhos e netos na tragédia ocorrida em 8 de fevereiro de 2019 no Ninho do Urubu.
Uma das mais dolorosas é que, diferentemente do que esses familiares pensavam, os jovens atletas não morreram naquela madrugada enquanto dormiam, intoxicados pela fumaça. Morreram lutando, e não só pelas próprias vidas, mas para salvar a dos 14 amigos com quem dividiam os contêineres de janelas gradeadas e com uma única porta de saída.
Arbex diz que ter de recontar a pais a verdade sobre porquê se deu a morte dos filhos deles foi o momento mais difícil da produção da obra. “Eles simbolizavam a esperança no porvir, e ninguém está pronto para enterrar o porvir.”
Aqueles que ficaram, os “órfãos de filhos”, também são retratados nas páginas do livro. Ali, estão a dor de ver a própria cria ir embora detrás de um sonho; a culpa por estar longe quando o incêndio se alastrou; e a sensação dilacerante de uma que mãe enterra o rebento no dia em que ele completaria 15 anos.
Embora estatísticas apontem que é baixa a verosimilhança de aspirantes a craque virarem um novo Zico, naquela sexta-feira trágica não foi a seleção brasileira que ficou sem seu próximo camisa dez, mas Rosanas, Marias, Darleis e tantos outros que perderam pedaços de si mesmos.
Apesar de doloroso, o relato é inspirador ao mostrar a coragem dos garotos ao enfrentarem as chamas sob uma temperatura que alcançou os 600°C. Ao mesmo tempo, provoca um sentimento de revolta em razão da extrema lentidão do Judiciário para julgar o caso e da privação de prestação de contas.
Passados cinco anos desde o incêndio no CT (Meio de Treinamento) do Flamengo, até hoje ninguém foi devidamente responsabilizado pelo incidente —sejam os agentes públicos que deveriam ter fiscalizado as condições de alojamento oferecidas pelo clube, sejam os dirigentes do Flamengo que, alertados desde 2012 sobre a falta de segurança das instalações, não adotaram medidas para resolver a situação.
“As grandes tragédias mostram que a cultura da impunidade está muito presente e alimenta o próximo evento”, afirma Arbex.
A jornalista, que também publicou livros sobre o incêndio na Boate Kiss e o sinistro de Brumadinho, conta que por trás das histórias carregadas de emoção está um libido de jogar luz sobre episódios que muitas vezes acabam caindo no esquecimento.
“Olvidar é negar a história. Se esquecemos, cometemos os mesmos erros do pretérito que fizeram com que chegássemos até cá.”
O livro aponta que o Flamengo gastou com a indenização às famílias dos mortos menos de 3% dos R$ 800 milhões investidos em seu elenco principal desde o incidente. O clube, que começou a dispensar sobreviventes do incêndio dois anos depois do ocorrido, não quis comentá-lo para a obra que retrata o capítulo mais triste de sua história centenária.
“Longe do Ninho” é uma leitura difícil, sujeita a interrupções devido à sua subida trouxa emocional. Mas também é necessária, em próprio para que o descaso que permite a tragédias porquê essa acontecerem não seja jogado para debaixo do tapete por troféus levantados dentro de campo.