No dia 10 de junho de 1984, John Barnes fez um gol considerado até hoje um dos mais bonitos da história da seleção inglesa. O atacante arrancou com a globo da intermediária, driblou cinco jogadores, o goleiro, e marcou. Mark Hateley fez o segundo na vitória por 2 a 0 sobre o Brasil em um amistoso no Maracanã.
Depois da partida, no avião, integrantes do partido de extrema-direita National Front estavam no voo com a seleção. Em uma história contada em sua autobiografia, Barnes disse que grupo gritou que o jogo havia sido 1 a 0 porque “gol de preto não contava”. Eram tempos sombrios no futebol inglês.
Quando foi apresentado porquê técnico do Brasil, em janeiro, Dorival Júnior pediu que o torcedor acredite na equipe e disse que esta é “a seleção do povo brasiliano”. O isolamento nos últimos anos foi mistura de resultados ruins e contexto político —há muita gente que não quer usar a amarelinha. Os ingleses passaram por um pouco parecido. A relação com a seleção vernáculo nas últimas décadas foi de altos e baixos, e impactada pelo momento histórico e político. Mas nunca esteve tão boa. Porquê eles resgataram o paixão da torcida?
Os anos 1980, era do golaço de Barnes, foram o auge da crise. O hooliganismo afastou torcedores dos estádios e tirou dos ingleses o paixão pelo futebol e pela própria identidade vernáculo.
“Se você fosse um torcedor de futebol nos anos 1980, olhavam mal-parecido para você, presumiam que era um hooligan,” disse à Folha Roger Domeneghetti, professor de jornalismo na Universidade de Northumbria e responsável do livro “Everybody Wants to Rule the World – Britain, Sport & the 1980s” (“Todos querem dominar o mundo: Grã-Bretanha, Esporte e os anos 1980”, em tradução livre).
A partir da metade de 1990, no período espargido porquê Cool Britannia, através da arte, tendência, música, a bandeira britânica era exibida com orgulho, seja na eleição do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair ou nas roupas das Spice Girls. O futebol ficou em subida. David Beckham se tornou um dos homens mais famosos do planeta.
Nas décadas seguintes, grupos de extrema-direita porquê a English Defence League usaram a cruz de São Jorge —da bandeira da Inglaterra— porquê símbolo político, adotando a estratégia de que quem os apoiava era patriota; caso contrário, era inimigo da país.
“Foi um momento em que se discutiu o que a bandeira da Inglaterra e a cruz de São Jorge significavam, a quem pertenciam,” disse Domeneghetti. “Se, nos anos 1990, os símbolos associados ao que significava ser inglês eram bem-vistos, a partir dos anos 2000, com políticos de direita criticando a imigração e os debates que levaram ao Brexit, estas representações, de novo, se tornaram problemáticas.”
Posteriormente o plebiscito da saída do Reino Uno da União Europeia, defensores do Brexit tentaram associar o bom desempenho da seleção a um país prospero depois da “independência” do conjunto.
Mas, paralelamente, em 2016, Gareth Southgate assumiu a seleção inglesa e a imagem da equipe começou a mudar. A atual geração de jogadores e o treinador —que se posicionam em causas porquê paridade de gênero e combate ao racismo— têm papel fundamental em trazer de volta esse orgulho.
“A paixão dos torcedores ingleses pela seleção hoje é centena vezes maior do que antes de Southgate assumir,” disse à Folha Tom Barclay, repórter do tabloide The Sun.
“Antes de Southgate, o futebol de seleção estava ruim, as pessoas preferiam observar a seus clubes, os jogadores pareciam não gostar de simbolizar o país.”
“Não havia paixão por secção de ninguém. Southgate trouxe essa paixão de volta.”
A Inglaterra chegou às semifinais da Despensa do Mundo em 2018, à final da Eurocopa, em 2021, e às quartas de final do mundial no ano seguinte.
“Os jogadores mostraram mais paixão pela equipe e são mais conscientes socialmente, têm mais noção de suas responsabilidades fora de campo. Isso teve um papel na conexão entre os torcedores e o time,” disse Barclay.
Domeneghetti concorda. “Quando Southgate assumiu a seleção, começou um movimento para humanizar os jogadores, suavizar a imagem dos atletas e fazer com que as pessoas não os vissem somente porquê jogadores de futebol.”
O que falta para o paixão do torcedor permanecer completo? Títulos. A Inglaterra só tem uma conquista internacional no masculino, a Despensa do Mundo de 1966.
Os amistosos contra Brasil e Bélgica são os últimos antes do pregão da lista para a Eurocopa, principal competição do ano em que os ingleses estão entre os favoritos. A Inglaterra tem alguns dos maiores talentos jovens do planeta, porquê Jude Bellingham, Phil Foden, Bukayo Saka, e nações porquê Alemanha e Itália não vivem boa temporada.
Mas, quando parecia que o foco estava somente no esporte, surgiu uma controvérsia na véspera do amistoso contra o Brasil. O primeiro-ministro, Rishi Sunak, e o líder da oposição trabalhista reclamaram do novo uniforme inglês que acaba de ser lançado. A camisa traz a cruz de São Jorge em azul evidente, escuro e roxo. Sunak disse que a bandeira vernáculo não deve ser mexida porque é manadeira de orgulho e identidade vernáculo, e que prefere a original, em vermelho.
Para quem não quer se envolver com política, o preço da camisa, £124,99 —equivalente a quase R$ 800— é que pode assustar.