Inimizade Entre Lampião E Os Nazarenos é Tema De Documentário

Inimizade entre Lampião e os nazarenos é tema de documentário

Brasil

O Rei do Cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião (1898-1938), não tinha susto de zero. Só dos nazarenos. Esse é o mote do documentário de produção independente Tratado com Lampião? Só na boca do fuzil!, dirigido pelo cineasta Marcelo Felipe Sampaio, que estreia no domingo (14), às 12h30, no Cine Reag Belas Artes, na capital paulista. O documentário se inspira no livro Os homens que mataram o facínora – a história dos grandes inimigos de Lampião (Realejo, 2021), do jornalista, historiador e agora roteirista do filme Moacir Assunção.

Os nazarenos era o nome oferecido aos moradores da pequena Vila de Nazaré do Pico, região de Floresta, no sertão pernambucano. Eram homens desarmados, na maioria deles agricultores, que viraram inimigos dos cangaceiros, grupo liderado por Lampião.

Já Lampião, segundo Assunção, foi “o face que criou o transgressão organizado no Brasil”. “Ele teve bandos de cangaceiros, que eram bandoleiros que agiam no sertão nordestino, e que em qualquer momento foram considerados bandidos sociais, mas são bandidos mesmo. Não existe essa vertente de Robin Hood, uma vez que eles gostavam de se intitular. Ele foi o maior bandido brasiliano”, disse.

São Paulo (SP) 05/04/2024 - Inimizade entre Lampião e os nazarenos é tema de documentário que estreia em SP na próxima semana
Foto: Marcelo Felipe Sampaio/Divulgação
São Paulo (SP) 05/04/2024 - Inimizade entre Lampião e os nazarenos é tema de documentário que estreia em SP na próxima semana
Foto: Marcelo Felipe Sampaio/Divulgação

O Inimizade entre Lampião e os nazarenos Foto:  Marcelo Felipe Sampaio/Divulgação

“O cangaço é um tipo de banditismo que existe desde o tempo do Poderio e que acaba com Corisco [Cristino Gomes da Silva Cleto, um cangaceiro], que morre dois anos depois de Lampião, em 1940. A morte do Corisco é o termo do cangaço, enquanto tipo de banditismo organizado. Eles [cangaceiros] se caracterizavam pelos chapéus de epiderme quebrados na testa, pela exibição de armas, pelas roupas espalhafatosas, pelas medalhas. E o mais divulgado deles é Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que foi adotado por segmento da escol cultural brasileira e virou música, virou verso, virou artes plásticas, virou tudo”, acrescentou o jornalista.

A inimizade entre Lampião e os nazarenos começou de forma inusitada, quando eles eram ainda jovens, e foi motivada pelo roubo de um chocalho, em Serra Talhada, em Pernambuco. “Tudo começou com uma disputa corriqueiro por pretexto de um chocalho, na verdade”, afirmou o diretor do filme à Filial Brasil.

A disputa envolvia Zé Saturnino [um vizinho] e Lampião se acusando mutuamente pelo roubo do chocalho. “Um falou que tinha roubado o chocalho do cabrão do outro, e aí o negócio começou a virar um pandemônio. Porque, no Nordeste, você acusar alguém de ser ladrão de cabrão é a pior ofensa que se pode fazer”, explicou.

A disputa foi crescendo e continuou mesmo depois eles terem se mudado para Nazaré. “Eles brigaram ali [em Serra Talhada] e aí foram para Nazaré. Lá em Nazaré, o Lampião começou a aprontar e aí o pessoal de Nazaré o expulsou de lá também”, disse o diretor.

“O Lampião morou lá em Nazaré, em um lugar chamado Poço do Preto, uma rancho nos periferia da cidade. Ele morou lá quando saiu de Serra Talhada por pretexto de brigas de família. E lá ele arrumou confusão também. Os Ferreiras [família de Lampião] eram meio encrenqueiros. Ele [Lampião] fez uma série de desfeitas com esse pessoal [de Nazaré] e eles são aqueles sertanejos do fio do bigode, né? Você não pode fazer zero incorrecto que eles cobram mesmo. E foi mal eles se tornaram inimigos do Lampião – e eles foram os únicos inimigos que efetivamente Lampião temeu”, contou Assunção.

Expulso de Nazaré, Lampião saiu de Pernambuco e se mudou para o estado de Alagoas. “Eles foram para Alagoas e lá o pai do Lampião foi morto. O Lampião culpava o pessoal de Nazaré – e o Zé Saturnino – pela morte dos pais”, afirmou Sampaio.

Em qualquer momento dessa disputa, Lampião até tentou estabelecer um contrato com os nazarenos, uma espécie de cessar-fogo, mas a resposta que obteve é de que isso não seria provável. “Tratado com Lampião? Só na boca do fuzil!”, teria recebido uma vez que resposta.

Inimigos

No livro Os Homens que Mataram o Facínora, nome que parafraseia o famoso filme faroeste de John Ford, o jornalista Moacir Assunção narra as trajetórias e motivações dos grandes inimigos de Lampião uma vez que Zé Saturnino, Zé Lucena, Davi Jurubeba, João Bezerra e Mané Neto. “Se o personagem é grande, os seus inimigos são grandes também”, disse Assunção à reportagem. “E aí eu escolhi os maiores inimigos dele [para escrever o livro]”, acrescentou.

Um desses inimigos era Davi Jurubeba, “um nazareno”, revelou o plumitivo. “Eu entrevistei esse varão com 95 anos. E apesar da idade, ele estava muito muito, muito poderoso. Foi até engraçado que, durante a entrevista, a filha dele ficou fazendo um sinal para que eu continuasse. Depois que acabou a entrevista, fui perguntar para ela o porquê do gesto, já que falei com ele por quase duas horas. E ela me respondeu que ele era um varão muito velho, com vários problemas de saúde, só que, quando ele falava de Lampião, a adrenalina dele subia. Ele ficava com raiva e passava seis meses sem reclamar de zero, não sentia nem dor de dente”, riu Assunção. “Nesse dia ele me contou a história de uma vez em que desafiou Lampião para um duelo de punhal e o Lampião não aceitou”.

Documentário

Para o documentário, inspirado no livro, Assunção e Sampaio fizeram três viagens ao Nordeste, de murado de dez a 15 dias cada uma. “O mais interessante em fazer filmes uma vez que leste é estar lá no lugar onde [o fato] aconteceu. Você vai nos lugares e meio que dá a sensação de que o Lampião vai brotar. Em verdade, quando você faz documentário, as pessoas não morrem”, disse o diretor.

São Paulo (SP) 05/04/2024 - Inimizade entre Lampião e os nazarenos é tema de documentário que estreia em SP na próxima semana
Foto: Marcelo Felipe Sampaio/Divulgação
São Paulo (SP) 05/04/2024 - Inimizade entre Lampião e os nazarenos é tema de documentário que estreia em SP na próxima semana
Foto: Marcelo Felipe Sampaio/Divulgação

O documentário que estreia em SP na próxima semana Foto:

Marcelo Felipe Sampaio/Divulgação

Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, morreu em julho de 1938, na Grota de Angico, no município de Poço Rotundo, em Sergipe, em uma tocaia armada pelos volantes, uma força militar criada para combater os cangaceiros.

Os nazarenos não tiveram participação no incidente e choraram a morte de Lampião. “Quando Lampião morre, os nazarenos choram e aí alguém perguntou para o próprio Davi Jurubeba porque ele estava chorando, se ele estava com pena de bandido. E ele respondeu que chorou porque era ele quem queria tê-lo matado”, falou o plumitivo.

Toda a história dessa disputa – e muitas outras – são narradas nesse documentário, que terá sua primeira exibição no próximo domingo, dia 14, na capital paulista. Em seguida o filme, o diretor e o roteirista farão um bate-papo com o público. “Acho que essa história vai revelar um pouco do Brasil profundo e vai fazer com que a gente entenda melhor esse país em que vivemos”, espera Assunção.

Depois da estreia no Reag Belas Artes, o documentário deverá estrear também nos canais de streaming.

Fonte EBC

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