Institutos Privados Prepararam Terreno Para O Golpe De 1964

Institutos privados prepararam terreno para o golpe de 1964

Brasil

Além da força das armas, o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 contou com o pedestal prévio de uma extensa estrutura político-ideológica que preparou o terreno para a destituição do governo de João Goulart. As duas principais estruturas utilizadas pelos golpistas foram o Instituto Brasílico de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes). Depois o golpe, as lideranças desses institutos ocuparam cargos-chave na governo do general Castello Branco.

Esses institutos chegaram a ser alvos de Percentagem Parlamentar de Sindicância (CPI) no Congresso Pátrio, em 1963, um ano antes do golpe. A CPI investigou se os institutos usavam mecanismos ilegais de financiamento de campanhas políticas. Ao final, a Percentagem culpou o Ibad por prevaricação eleitoral e determinou seu fechamento, mas isentou o Ipes.  

Recortes do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963. Foto: Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional
Recortes do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963. Foto: Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional

Frame de vídeo institucional do Ipes – Ror Hermeroteca da Livraria

A professora de relações internacionais da Universidade Federalista de Santa Catarina (UFSC), Camila Feix Vidal, perito na relação entre Estados Unidos e América Latina, destacou que os estudos do golpe de 1964 tendem a se concentrar na movimentação militar, ignorando que ela foi preparada muito antes.

“O golpe é gestado muito antes a partir de vários instrumentos, sendo o principal deles o multíplice Ipes/Ibad. Esse multíplice trabalhou nos âmbitos da propaganda e da política, fazendo essa relação entre política, Forças Armadas, mídia e iniciativa privada com os empresários. Primeiro, você precisar preparar o terreno, para depois, de indumento, iniciar a operação militar.”

O Ibad surgiu oficialmente em 1959 “com o alegado e duvidoso propósito de proteger a democracia”, enfatizou René Dreifuss em seu livro 1964: A Conquista do Estado. Ex-professor de ciência política da Universidade Federalista Fluminense (UFF), Dreifuss faleceu em 2003.

O livro de Dreifuss destaca que o Ibad era formado, principalmente, por empresários nacionais e estrangeiros, com participação peculiar dos membros da Câmara de Negócio Brasil-Estados Unidos, de membros da Escola Superior de Guerra (ESG), ligada ao Tropa, e com estreita colaboração da Escritório de Lucidez dos Estados Unidos, a CIA. O Ibad ganhou notoriedade durante a presidência de Goulart, “mormente durante a campanha eleitoral de 1962, quando serviu de conduto de fundos maciços para influenciar o processo eleitoral”, escreveu.

Já o Ipes surgiu oficialmente em novembro de 1961, em seguida a repúdio de Jânio Quadros, fundado por empresários nacionais e dos Estados Unidos. De entendimento com Dreifuss, a geração do instituto foi uma “reação empresarial ao que foi percebido porquê a tendência esquerdista da vida política” no Brasil.  

Oficialmente, o Ipes se apresentava porquê organização com o objetivo de “promover a ensino cultural, moral e cívica dos indivíduos” por meio de “estudos e atividades sociais” com recomendações para “contribuir para o progresso econômico, o bem-estar social e fortificar o regime democrático”.

Na prática, o Ipes produzia e distribuía, gratuitamente, extenso material de propaganda contrária ao governo Goulart, alertando para o “risco comunista” em meio a atmosfera da Guerra Fria. Entre seus principais líderes, estava o general Golbery do Couto e Silva, uma das principais figuras da ditadura brasileira. Golbery foi o fundador do Serviço Pátrio de Informação (SNI), responsável pela lucidez do regime, e director da Vivenda Social nos governos dos generais Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985).

25/06/1964, Posse do General Golbery do Couto e Silva no cargo de chefe do Serviço Nacional de Informações. Foto Ulisses/Acervo EBC
25/06/1964, Posse do General Golbery do Couto e Silva no cargo de chefe do Serviço Nacional de Informações. Foto Ulisses/Acervo EBC

Posse do General Golbery do Couto e Silva no incumbência de director do Serviço Pátrio de Informações – Ulisses/Ror EBC

Gerar consensos

A professora da UFSC, Camila Vidal, destacou que o papel do multíplice Ipes/Ibad era o de gerar um consenso na sociedade brasileira para justificar o golpe de Estado e a ditadura de 21 anos que se seguiria.

“Eles trabalharam nesse clima das ideias, de persuadir a mídia, a população e determinados políticos a proteger a teoria de neoliberalismo, do termo de um incipiente Estado de bem-estar social.”

“No caso do Ipes, teve todo o intentona midiático de gerar o pavor da Guerra Fria, da União Soviética e do comunismo, relacionando determinados setores da política, e mesmo da sociedade brasileira, porquê comunistas e porquê isso seria perigoso. Isso teve um papel decisivo”, completou.

Professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Camila Feix Vidal. Foto: Arquivo Pessoal
Professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Camila Feix Vidal. Foto: Arquivo Pessoal

Professora de relações internacionais da Universidade Federalista de Santa Catarina, Camila Felix Vidal – Registro pessoal

De entendimento com a professora Camila Vidal, o Ibad teve uma atuação mais política, financiando deputados e governadores para desestabilizar o governo Goulart e a esquerda no universal, incluindo a infiltração nos movimentos populares, sindicais e estudantis. Em outra frente de atuação, o Ipes teve mais uma função de propaganda, articulando ainda todo o conjunto contrário ao governo.  

Camila destacou ainda que essas estruturas usavam a frontispício de instituto técnico e acadêmico para promover a agenda dos Estados Unidos em meio a Guerra Fria. “São institutos que, ainda que se colocassem porquê domésticos, porquê técnicos e tudo mais, na verdade, são braços de uma política externa dos Estados Unidos para a atuação no Brasil”, defendeu, acrescentando que Washington “precisava manter cá a sua influência e a sua preeminência”.

Mídia

O multíplice formado pelo Ipes/Ibad gozava de vasto espaço na prelo pátrio para repercutir as opiniões, estudos e ações lideradas por esses institutos, mormente o Ipes. Segundo Dreifuss, “o Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública, através de seu relacionamento peculiar com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais”.

Jornalistas influentes e diretores ou editores dos mais importantes jornais do país faziam segmento do Ipes. Entre os jornais interligados ao instituto estavam: O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo, os Diários de Notícias, a TV Record, a TV Paulista, o Jornal do Brasil, o Quotidiano de Pernambuco, o Correio do Povo, O Orbe, a Rádio Orbe e os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateubriand).

Recortes do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963. Foto: Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional
Recortes do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963. Foto: Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional

Recorte do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963 – Ror Hermeroteca da Livraria Pátrio

Além da relação com a mídia pátrio, o Ipes “publicava e financiava, editava, traduzia e distribuía livros, livretos, revistas e folhetos de produção própria, porquê também de fontes afins”, escreveu Dreifuss.

A professora Camila Feix Vidal destacou que as campanhas do Ipes e do Ibad tiveram um sucesso, mormente nas classes médias, dando sustentação a ditadura.

“Essa guerra das ideias não acabou com o golpe. Ela se manteve legitimando o papel dos militares, a zona de influência estadunidense e não soviética e toda a caça aos tidos porquê comunistas subversivos. Isso vem dentro dessa visão de mundo, dessa princípio de segurança pátrio que foi gestada e divulgada pelos Ipes e pelo Ibad.”

Financiamento

A bancada financiada e apoiada pelo multíplice Ipes/Ibad reunia murado de 200 parlamentares em dezembro de 1962 (quase metade da Câmara dos Deputados), segundo a pesquisa de Dreifuss, que estima que o numerário usado pelo Ipes/Ibad para bancar políticos equivaleu a “uns US$ 12,5 milhões, possivelmente até US$ 20 milhões”. A ação desses deputados “mostrava-se vital no esforço de bloquear as tentativas de João Goulart quanto a implementação de reformas”, acrescentou.

O livro de Dreifuss detalha porquê funcionou o financiamento dessa estrutura. O numerário era retraído por meio de intensa campanha de contribuições de empresários do Brasil e do exterior, principalmente dos Estados Unidos, com operações para encapotar o recebimento desses fundos.

Recortes do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963. Foto: Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional
Recortes do Jornal Correio da Manha sobre CPI de 1963. Foto: Acervo Hermeroteca da Biblioteca Nacional

Recorte do Jornal Correio da Manha – Ror Hermeroteca da Livraria Pátrio

“Porquê resultado dessa campanha intensa, o Ipes recebeu o pedestal de 500 membros corporativos em meados de 1963 e de um número ainda maior em 1964”, escreveu o pesquisador político, acrescentando que “em dois anos, já se havia retraído US$ 4 milhões e, até 1964, essa soma [foi] muitas vezes multiplicada”.  

Foram 297 corporações estadunidenses identificadas porquê financiadoras do multíplice Ipes/Ibad, sendo 101 empresas de outras nacionalidades. O pesquisador citou, entre as companhias, gigantes globais porquê: Texaco, Shell, Standart Oil of New Jersey, Bayer, General Electric, IBM, Coca-Cola, Cigarros Souza Cruz e General Motors.

A professora da UFSC, Camila Feix Vidal, destacou que o pedestal financeiro foi fundamental para o sucesso da campanha de desestabilização do governo brasílio. “De zero adianta ter um instituto porquê o Ipes, ou mesmo o Ibad, atuando se não tem um financiamento tão grande porquê o que eles tiveram para desenvolver de indumento as suas ações”, comentou.

Controle do Estado

Com o golpe de 1º de abril de 1964, as principais lideranças do multíplice Ipes/Ibad ocuparam cargos chaves na novidade governo, porquê mostra a detalhada pesquisa de René Dreifuss.

O pesquisador político identificou os associados e colaboradores do Ipes nos cargos de mando em instituições porquê: o recém-criado Banco Mediano do Brasil; os ministérios do Planejamento e da Rancho; a Vivenda Social, ligado ao presidente Castello Branco; além de terem redigido a Reforma Administrativa Federalista e coordenado o Escritório de Planejamento Econômico e Social do Estado.

Outros órgãos importantes que ficaram nas mãos das lideranças do Ipes foram: o Banco Pátrio de Desenvolvimento Econômico (BNDE, atual BNDES); o Banco do Brasil; o Parecer Pátrio de Economia; a Caixa Econômica Federalista e diversos outros bancos públicos.

René Armand Dreifuss, autor de “1964: A Conquista do Estado”. Ex-professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foto: Lucas Pordeus/Agência Brasil
René Armand Dreifuss, autor de “1964: A Conquista do Estado”. Ex-professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foto: Lucas Pordeus/Agência Brasil

Ex-professor de ciência política da UFF, René Armand Dreifuss, escreveu 1964: A Conquista do EstadoReprodução/Lucas Pordeus-Escritório Brasil

Dreifuss destacou que o ministro da Rancho, Octávio Bulhões, e o do planejamento, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Mediano, Roberto Campos Neto, tornaram-se os mais importantes “modeladores da novidade economia brasileira”, ambos associados ao Ipes. Para o responsável de 1964: A Conquista do Estado, as lideranças do Ipes “moldaram o sistema financeiro e controlaram os ministérios e principais órgãos da governo pública”.

Dreifuss conclui afirmando que: “os ativistas do Ipes impuseram uma modernização da estrutura socioeconômica e uma reformulação do aparelho do Estado que beneficiou, de maneira ampla, as classes empresariais e os setores médios da sociedade, em detrimento das massas”.

Fonte EBC

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