Ivan Cardoso: Roger Corman Foi Amigo Do Cinema Subversivo

Ivan Cardoso: Roger Corman foi amigo do cinema subversivo – 20/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Acelerando meu sege, entrei no Aterro do Flamengo em subida velocidade, enquanto rajadas de vento despenteavam a cabeleira prateada do meu querido camarada americano. Maravilhado com a luz dourada daquela tarde, Roger Corman perguntou se poderíamos passear um pouco mais. Ele queria saber melhor o Rio de Janeiro.

Decidi levá-lo até a Barra da Tijuca, onde tomamos uma chuva de coco. Mais tarde, ao deixá-lo outra vez no Hotel Everest, Corman me disse que seria o produtor do meu próximo filme, “A Filha de Drácula”. Antes de sua volta para América, prometi enviar o roteiro do filme traduzido para inglês.

Corman me avisou que tinha falado pessoalmente com distribuidor Mike Vraney, também presente no festival, para lançar todos os meus filmes em vídeo, nos Estados Unidos —o que de vestuário aconteceu no ano seguinte, em 1995.

Venho pensando em nossos encontros desde que soube de sua morte, ao buscar o nome “Roger Corman” no Google, curioso por notícias sobre meu camarada. Na madrugada, veio a notícia recém-publicada de seu falecimento. Cumpro agora meu luto.

Nossa amizade mágica durou três décadas, marcadas por unicamente quatro encontros presenciais meteóricos, quatro capítulos fundamentais para recarregar minhas baterias e dar prosseguimento a minha desconcertante trajetória artística e cinematográfica.

Uma vez que explicar que um cineasta tão esquecido, discriminado e censurado em meu próprio país, a ponto de não ter recebido, desde 2004, nem sequer um tostão de quantia público para filmar, pudesse interessar tanto ao rei do cinema pop americano?

Na última dez, generosamente, Corman se tornou meu único parceiro em uma pequena subversiva filmografia underground, reunindo cabalisticamente quatro títulos. Esse ciclo se iniciou em 2014 com o inusitado “O Colírio do Corman me Deixou Doido Demais”, lançado alguns anos mais tarde. Mas vamos por partes, antes que me perda nas reminiscências e você não consiga entender mais zero do que estou escrevendo.

Nosso passeio em subida velocidade aconteceu em 1994. Eu já era fã de Corman há muito tempo, desde que tinha testemunhado ao clássico “Massacre de São Valentim”, talvez a sua melhor produção, em uma sessão à meia-noite, no Cinema Pax, em Ipanema.

Eu adorava a sua antológica série de fitas de inferior orçamento, baseadas em histórias de terror de Edgar Allan Poe. Entretanto, não posso negar que seu filme que mais chamou a minha atenção foi o fantástico “Varão dos Olhos de Relâmpago-X”, estrelado pelo carismático Ray Milland no papel do imprevisível Dr. James Xavier, a que assisti ainda pequeno, numa velha televisão P&B de moradia, quando era moço.

Raconto agora porquê nos conhecemos. Na animada sarau de início do 10º Rio Cine Festival, em 1994, no cinematográfico salão Assirius do Theatro Municipal, depois de ter sido apresentado formalmente a ele e a sua querida mulher, July, não tive a menor dificuldade de permanecer conversando o resto da noite com o papa do cinema pop hollywoodiano.

No Festival do Rio daquele ano, entre um uísque e outro, nossa conversa seguia com grande naturalidade, posteriormente termos posado para as lentes de alguns fotógrafos e eu tê-lo apresentado a minha amiga Scarlet Moon e a outras atrizes brasileiras.

Ao saber que “As Sete Vampiras” seria exibido, numa mostra paralela, Corman me perguntou se eu poderia convidá-lo para testemunhar ao meu filme. No dia e hora combinados, eu estava na porta do Hotel Everst, em Ipanema, para apanhá-lo a bordo do meu veloz Porsche Super 90, conversível prateado.

O dia estava lindo e Corman não parava de sorrir para mim. A seguir, quando já estávamos na avenida Atlântica, ele me explicou o motivo de sua enorme alegria. “Tenho um Porsche igualzinho ao seu, e até da mesma cor, em Los Angeles!”.

Na Cinemateca do MAM, o Museu de Arte Moderna, posteriormente a projeção impecável do meu filme com transcrição novidade 35mm e legendas em inglês, teve início o tradicional debate com o público. A sala estava lotada de cinéfilos, devido à sua noticiada presença, divulgada pelo Rio Cine.

Fiquei estarrecido ao ver “o rei do filme B”, sentado ao meu lado, declarar para plateia, enquanto sorria novamente para mim: “A vegetal carnívora de ‘As Sete Vampiras’ é muito melhor do que a minha em ‘A Pequena Loja dos Horrores'”. Era o filme cult que ele dirigiu em 1960, estrelado por ninguém menos que o iluminado Jack Nicholson.

Fiquei inteiramente desnorteado, ou melhor, em transe. Em tom de piada, retruquei que “As Sete Vampiras” só tinha feito grande sucesso no Japão, em 1986, por ter sido inexplicavelmente lançado com o título de “A Pequena Loja dos Horrores”.

Corman salientou o instigante roteiro do R. F. Lucchetti e a qualidade do nosso elenco, porquê também a venustidade das vampiras brasileiras, além de realçar os enquadramentos das tomadas, a retrato e a montagem sincronizada com a eletrizante trilha sonora.

Voltei a encontrar o par Corman em 1998, no movimentado 51º Festival de Cine Fantástico y Terror de Sitges, na Espanha. Eles foram novamente bastante simpáticos, inclusive me convidando para um aprazível jantar, onde discutimos os próximos passos de nossa aguardada parceria.

Corman, sempre visionário e otimista, sugeriu que eu deveria desenvolver qualquer projeto, alguma história na Floresta Amazônica. Por sua sugestão, acabou virando veras, em 2005, quando dirigi Paul Naschy em “Um Lobisomem na Amazônia”.

Não realizei o sonho de ser produzido por Corman no projeto de “A Filha de Drácula”. Sonhei que Corman pudesse ser o megaprodutor de cinema que iria impulsionar novamente o sucesso mercantil dos meus filmes.

Durante anos continuei acreditando que, tendo Corman porquê sócio da Topázio Filmes, tudo seria dissemelhante na “roliúdi” tupiniquim. Ledo miragem. Apesar de termos cumprido todas as exigências “burrocráticas” solicitadas pelo Ministério da Cultura, para transformarmos “The Dracula’s Daughter” numa coprodução internacional, nosso projeto não decolou em nenhum concurso ou edital em que foi inscrito.

Pelo contrário, o vestuário de estar associado a um produtor ianque se tornou mais um travanca do subdesenvolvimento cultural que até hoje nos oprime. Só liberam verbas públicas para os cineastas chapa-branca e suas pavorosas fitas come e dorme nacionalistas.

Aos poucos, fui me distanciando cada vez mais deste universo cinematográfico “brazyleyro” arcaico. Desde o início do século 21, submergi novamente no underground. Mas tive a alegria de ter Corman porquê ator de meu filme.

Posteriormente um jantar mais recente no Jockey Club, ele me avisou: “Ainda tenho para você mais duas gotas do meu colírio”. E fomos filmar no Copacabana Palace. Assim nasceu “O Colírio do Corman me Deixou Doido Demais”, onde me transformei no Corman do Corman, ao sentir em meus olhos as gotas de seu colírio alucinógeno.

Tive o privilégio da amizade do varão dos olhos de raio-x, que lançou nas telas Jack Nicholson, Peter Fonda, Denis Hopper, Robert de Niro e diretores consagrados porquê Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Joe Dante, John landis e Tim Burton.

Nosso último contato foi telefônico. Ao saber, pelo Facebook, que havia morrido meu querido cachorro Olavo, Corman me telefonou de Los Angeles para dar seus pêsames. Eu pedi logo um epitáfio para a lápide. “Olavo foi o dálmata mais lindo do mundo!”, sugeriu Corman. Assim fiz.

Folha

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