“É uma homenagem que quero render ao arquiteto.” Assim Jean-Michel Othoniel, 60, define a exposição que ele inaugurou em novembro, na ocasião do natalício de 22 anos do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
“O Olho da Noite” é sua primeira mostra solo no Brasil, instalada na sala em formato ocular projetada pelo brasiliano e apelidada de “olho”, que virou cartão-postal da capital paranaense.
Do teto curvo e pouco usual para um espaço expositivo pendem 12 esculturas inspiradas nas constelações do zodíaco. No pavimento, dezenas de tijolos de vidro em tons de azul formam ondas circulares.
“Minha teoria era transformar o olho num planetário e fazer as pessoas enxergarem a arquitetura do lugar, enquanto brincamos com as sombras das obras no teto e os reflexos no vidro. É um museu tão imenso e difícil! O teto não é reto, a parede é de vidro. Isso me levou a fazer alguma coisa homeopático, um diálogo, ao invés de tentar ser maior do que o espaço”, diz Othoniel.
O curador, o também galicismo Marc Pottier, concorda com a dificuldade imposta pelo museu. “Não é um lugar onde você vai colocar obrazinhas uma ao lado da outra. O artista tem que namorar o espaço, gerar um projeto concebido para isso cá.”
Há 20 anos, quando Othoniel expôs numa coletiva organizada pelo Banco do Brasil no Rio de Janeiro, teve a oportunidade de saber Niemeyer —um encontro que, segundo ele, mudou não só sua arte, mas também sua forma de encarar a vida.
“Sempre fui fascinado por suas criações, desde que eu era um estudante de artes. Pela pureza, essencialidade e autenticidade. E quando fui ao seu apartamento, com outros dois artistas, Niemeyer nos fez sentar em banquinhos baixos, uma vez que alunos, e estendeu um papel onde começou a riscar Brasília”, diz ele.
“Ficamos loucos, mas ele amassou tudo e jogou fora. Enquanto isso, da janela, víamos a baía de Guanabara, com todas aquelas estrelas no firmamento, e foi muito impressionante. E mais ainda quando ele nos levou ao seu estúdio. As criações dele são tão imensas, mas ele desenhava num quarto pequeno, numa mesa pequena. Para um artista, foi uma bela prelecção de humildade”.
Depois disso, Othoniel rodou o mundo, expôs em Veneza, Novidade York, no Petit Palais de Paris, ou seja, fez a curso sonhada por todo artista. No palácio galicismo, em 2022, seus tijolos de vidro cobriram as escadas convidando o público a entrar no museu, uma vez que uma relação entre o mundo exterior e o interno.
Há dois anos, veio o invitação para expor no espaço, e portanto ele visitou o museu curitibano com olhos atentos. A teoria era gerar uma exposição “site specific” —feita para o sítio. Mas ali caiu uma vez que uma luva a obra criada para o jardim botânico de Novidade York: flores lótus de aço que emergem do espelho d’chuva que circunda a torre do olho, uma vez que que desabrochando em movimentos circulares.
“Eu queria colocar esculturas abstratas dentro e fora do museu. Nessa secção externa, as flores em aço inoxidável têm relação com a chuva, porque na arquitetura de Niemeyer a relação com a natureza é muito importante.”
O formato das obras que boiam na chuva muda conforme o visitante caminha pelo vão livre do museu, maior espaço expositivo de artes da América Latina. “A teoria de movimento é muito importante nessa arquitetura”, pontua o artista. “Isso cá não é um troféu, foi criado para se viver, estar próximo das pessoas”, diz o artista.
Dentro do olho, com suas paredes de vidro escurecidos e o teto boleado, as constelações, criadas para o sítio, estão dispostas em modo circundar, e assim falam da passagem do tempo ao longo do ano.
Para esses conjuntos de estrelas estilizadas, Othoniel usa metal e vidro, em esferas douradas posicionadas tal qual no firmamento. São simulacros das contas de artesanato que ele muitas vezes explorou. Em volta delas, espirais simulam várias possibilidades do símbolo do infinito, tema que ele trabalhou à exaustão junto com o artista e matemática mexicano Aubin Arroyo.
“Cá, neste caso, eu precisava racontar uma história, e veio a passagem do tempo, é uma vez que um grande relógio”, explica o artista, que só lamenta não poder tirar a cobertura que escurece as janelas do grande olho para que o visitante pudesse ver o firmamento verdadeiro através”, diz Othoniel.
As dezenas de tijolos de vidro em tons de azul que completam a exposição fazem secção de uma técnica há muito elaborada pelo artista e que o estimula ao trabalho em equipe.
“Não é um material que eu consiga fazer sozinho, eu preciso de um time, tanto artesãos vidreiros uma vez que engenheiros e arquitetos. E quando eles cometem erros? Eu senhor. É uma porta ocasião para a geração”, afirma o artista.
A cor azul ele encontrou na Índia, feita com a mistura do cobre. “Ela me faz pensar no momento em que minha cultura ficou bloqueada, porque esse azul viajou da Europa para a Índia e lá permaneceu.”
No país asiático ele também ficou impressionado com a “poupança em tijolos” das famílias, que juntam pilhas deles na ruas.
“Quando as pessoas querem edificar uma mansão na Índia, primeiro compram a terreno, depois tijolo por tijolo. Eu via essas pilhas do sonho da própria mansão uma vez que construções abstratas por todo o país. Por isso, na Índia, eu não quis trabalhar com contas, e sim tijolos em vidro. Cada peça tem o sopro de um corpo humano: são mais de 4 milénio fôlegos.”
O belo anda meio fora de tendência, na opinião do artista, para quem o ato de maravilhar é muito importante. “Quando eu comecei a trabalhar com o belo, há 20 anos, todos me olhavam e diziam ‘olha, isso é um pouco ingênuo’. Mas, agora, é um ato político, porque trazer venustidade ao mundo é alguma coisa necessário quando tudo está entrando em colapso, seja na situação política ou na desastrosa conexão com a natureza. Trazer esperança ao testemunha é importante, e para o artista, levar venustidade é um duelo.”
Nas salas do subsolo, Othoniel presta homenagem aos ascendentes do orgulho gay, onde um oráculo de reflexos foi instalado sobre a estrutura de cimento que mostra as vísceras do prédio de Niemeyer. Essa sala tangencial à mostra é inspirada nos conflitos ocorridos em Novidade York em 1969, quando o bar gay Stonewall foi atacado por policiais.