“Pobre”, “cotistas fruto da p*, “só podia ser cotista”, disseram estudantes de recta da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) a alunos da Universidade de São Paulo, durante um jogo universitário de handebol.
A repercussão dessas imagens ocorre menos de um mês depois o lançamento do novo livro de Jeferson Tenório, “De Onde Eles Vêm” (Companhia das Letras).O romance mergulha na experiência de um jovem preto que entra na universidade pública através do sistema de cotas.
O livro apresenta a história de Joaquim, um varão de 24 anos da periferia de Porto Jubiloso, com sentimentos conflituosos ao entrar em um mundo novo, branco e elitista.
Para o responsável, o incidente dos jogos universitários exemplifica um ressentimento de uma classe média que tem legado escravagista.
“Existe uma escol acostumada a ser servida por pessoas pobres e negras. Em 15 anos, esses subalternizados passaram a ser seus colegas. Quando esses dois mundos se encontram, vemos justamente essas cenas que temos visto no meio acadêmico”, diz o noticiarista.
“Há um sentimento de frustração. Um sentimento de entender que não adianta ter só os meios de produção, que não é mais provável ser mediano e ser medíocre e ter as coisas mais facilitadas uma vez que uma classe média sempre teve.”
Tenório é vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2021 com “O Avesso da Pele” (Companhia das Letras), livro com mais de 200 milénio exemplares vendidos que explora as relações raciais no Brasil.
A obra que conta a história de Pedro, um jovem preto que reconta a história de seu pai depois seu homicídio por policiais, entrou na lista Programa Pátrio do Livro Didático.
No entanto, três estados, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul, pediram o recolhimento de exemplares na rede de ensino. Nas redes sociais, o responsável classificou o incidente uma vez que exprobação.
Ele relata a experiência de ser o primeiro estudante a concluir uma graduação na Universidade Federalista do Rio Grande do Sul (UFRGS) por cotas.
“Antes de me formar, lembro de ouvir nos corredores que seria difícil conseguir ocupação, que nenhuma escola contrataria alguém formado por cotas. Diziam também que os cotistas diminuiriam as notas do curso, uma série de preconceitos que não se confirmaram”, recorda. Confira a entrevista inferior.
Falamos muito nos impactos econômicos da subida social. Mas para uma pessoa negra que está ascendendo socialmente, entrando numa universidade, por exemplo, quais são os impactos do ponto de vista psicológico e social dessa subida?
Esses são espaços historicamente marcados pela exclusão. Ao ingressar em um envolvente considerado para poucos, os alunos negros de periferia e de escolas públicas começam a enfrentar diversos conflitos.
O primeiro é a luta pela permanência. Na universidade, o aluno cotista enfrenta obstáculos que seus colegas, em universal, não enfrentam.
Meu livro aborda os primeiros cotistas. Naquela estação, não havia redes de guarida, coletivos negros, movimentos nos diretórios acadêmicos, ou bolsas de estudo e pesquisa. Tudo era extremamente precário em termos de escora e guarida.
Depois desse choque de veras, o aluno cotista costuma vivenciar uma solidão. Em um primeiro momento, ele sente vergonha e até susto de proferir que é cotista.
Essa vergonha está ligada ao oração de desvalorização, que questiona a capacidade desses estudantes, e ao susto de ser tratado de forma dissemelhante por professores ou suportar retaliações.
Um terceiro estágio surge quando o aluno cotista começa a se apropriar do envolvente acadêmico, mas também acaba sendo cooptado por ele. Nesse ponto, ele pode deixar de reconhecer as pessoas e os espaços de onde veio. Ele não consegue mais se identificar com o envolvente da periferia, nem enxergar seus antigos amigos uma vez que pares.
Isso pode levar leste estudante a adotar comportamentos refratários ao lugar onde cresceu, criando uma sensação de estar dividido entre dois mundos, quase uma vez que se tivesse traído suas origens.
Meu livro explora essa questão: até que ponto esses alunos cotistas precisam ser aceitos, e qual é o preço de buscar corroboração em um envolvente tão branco, burguês e elitista?
Já se passaram mais de dez anos da implementação das cotas e hoje, uma vez que você disse, já temos uma rede maior de escora, por exemplo, nas universidades. Mas leste ano vimos episódios uma vez que insultos a alunos cotistas ou mesmo o suicídio de um aluno bolsista de um escola de escol em São Paulo. Por que esse envolvente continua tão hostil?
É um envolvente hostil, porque é a natureza da universidade. É um envolvente competitivo, insensível, antiafetuoso. É um lugar em que se privilegia muito mais a questão da razão. Uma vez que se não houvesse espaço para outro tipo de relação com o conhecimento.
Levante caso recente aconteceu nos jogos universitários, que sabemos que têm um histórico de gritos misóginos, preconceituosos já há qualquer tempo. Esse envolvente esportivo também é quase uma vez que se fosse uma autorização para proferir e fazer qualquer coisa.
Também são alunos que muitas vezes ainda são calouros que ainda não fizeram uma discussão a partir de pressupostos teóricos. Ou seja, ainda não teve essa experiência e ainda vem com essa bagagem preconceituosa e racistas.
Mas existe um embate também com alunos que passam a conviver com alunos cotistas, que tem a ver também com uma legado escravagista.
Existe uma escol acostumada a ser servida por pessoas pobres e negras. Em 15 anos, esses subalternizados passaram a ser seus colegas. Quando esses dois mundos se encontram, vemos justamente essas cenas que temos visto no meio acadêmico.
É um ressentimento de uma branquitude e susto da perda de um espaço que é desigual. E um libido de uma manutenção dessa desigualdade, que se demonstra a partir de um desses marcadores sociais.
Uma vez que disseram alunos de medicina em 2022, também em um evento esportivo: “Sou playboy, não tenho culpa que seu pai é motoboy”. Ou proferir que é pobre e cotista, uma vez que nesse incidente recente.
É uma forma de desvalorizar o que, na verdade, é um recta e uma conquista. Há essa inversão de valores justamente por esse susto e receio de uma perda de espaço.
A raiz deste ressentimento da classe média é a mudança promovida pelas cotas?
O filme “Que Horas Ela Volta?” explicita muito o início disso. Uma vez que a filha da empregada passa num dos vestibulares mais concorridos para arquitetura, e o fruto da patroa, que tem tudo, não consegue passar?
Há um sentimento de frustração. Um sentimento de entender que não adianta ter só os meios de produção, que não é mais provável ser mediano e ser medíocre e ter as coisas mais facilitadas uma vez que uma classe média sempre teve. É um momento também dessa branquitude ser educada pela presença de cotistas.
Essa teoria de que é a universidade precisa ser diversa, ela tem que ocorrer na prática. As cotas propiciam que haja justamente esses contatos. Essa convívio que faz muito para todo mundo.
Inclusive, para essa classe burguesa branca, que muitas vezes é alienada, muitas vezes não se dá conta, ou seja, não tem uma postura moral em relação ao outro, não se preocupa com o outro.
As cotas vão muito além de beneficiar pessoas negras e pobres, mas também ajudam nessa ensino da branquitude.
É inegável que houve uma efervescência no debate racial no país. Mas esse progressão alcançou as pessoas brancas? Elas também se engajaram em reflexões sobre a branquitude? Onde você enxerga que o debate racial avançou?
Tivemos sim um progressão nas discussões raciais na universidade. É muito difícil hoje em dia que um professor, seja qual for a disciplina, em qualquer momento não passa por isso por esses temas, mesmo nos núcleos mais duros, uma vez que física, matemática, medicina.
Nesse sentido, houve um progressão e há quase uma naturalização já desse oração na universidade. O que acontece é que a universidade não dá conta de uma vez que esse oração chega na sociedade. Nisso, avançamos pouco.
O debate na universidade é muito efervescente, muito vivo, mas quando vai para a sociedade, para o grande público, fizemos pouca coisa. Para usar uma sentença da voga, estamos numa bolha.
Quem se importa que um estudante tenha dito aquelas coisas, quem acha que é que o que ele disse é racista, preconceituoso, é uma bolha. O grande público não está preocupado com isso.
Você é de uma geração que lutou pelas cotas e também foi beneficiada por elas. Uma vez que foi sua experiência pessoal nesses ambientes?
Entrei na universidade pública em 2004, no bacharelado em letras, sem as cotas. Na estação, o sistema ainda não existia na UFRGS.
Não era exatamente o curso que eu queria, mas não consegui trocar. Trabalhei muito durante esse período e continuei no curso. Estudava para ser tradutor, mas o que eu realmente queria era ser professor.
Em 2007, começou o movimento na UFRGS pela implementação das cotas. Foi uma discussão intensa, com ocupações da reitoria.
Em 2008, as cotas foram finalmente implantadas, e fiz o vestibular novamente. Passei para o curso que queria: licenciatura em letras.
Me formei em 2010, aproveitando as disciplinas já cursadas. Com isso, me tornei o primeiro cotista preto a concluir a graduação na UFRGS.
Antes de me formar, lembro de ouvir nos corredores que seria difícil conseguir ocupação, que nenhuma escola contrataria alguém formado por cotas. Diziam também que os cotistas diminuiriam as notas do curso, uma série de preconceitos que não se confirmaram.
Logo depois me formar, fui contratado por uma escola pessoal em Porto Jubiloso. Durante a entrevista, mencionei que era cotista, e a diretora respondeu: “É exatamente esse perfil que queremos para nossa escola. Estamos trabalhando com questões antirracistas e queremos um professor que tenha essa experiência”.
Zero do que disseram sobre as cotas se confirmou. Pelo contrário, minha trajetória uma vez que cotista foi um diferencial positivo.
Era também um envolvente hostil para você?
A universidade sempre foi um espaço hostil, antes e depois das cotas. Nunca foi acolhedora, mormente para quem vem de onde viemos – das periferias, com outra bagagem e outra experiência de vida.
Demorei muito para perceber as violências que sofria dentro desse envolvente. Elas não eram exclusivamente explícitas, mas também estavam nos discursos de alguns professores, que não legitimavam determinados conteúdos ou autores.
Por exemplo, só descobri que Machado de Assis era preto durante o mestrado, em 2013. Foi nessa mesma estação que li Carolina Maria de Jesus pela primeira vez.
Essa invisibilidade é uma violência. A universidade oferece um tipo de conhecimento uma vez que se fosse universal e único, desconsiderando outros saberes.
A minha experiência não foi tão dura quanto a do Joaquim, personagem do meu livro, porque, quando entrei pelas cotas, já conhecia minimamente os mecanismos da universidade. Já tinha alguma experiência acadêmica, o que ajudou a diminuir o impacto inicial. Ainda assim, foi uma vivência hostil.
No seu livro, você usa a sentença “eterno estrangeiro”, que remete a teoria de um não lugar. Hoje, uma vez que noticiarista preto, sente isso?
Hoje, compreendo melhor minha trajetória, e isso me tranquiliza. Entendi que nossas origens são, em grande secção, inventadas ou imaginadas. Não temos uma origem documentada. Não sei quem foi meu tataravô ou de qual país africano vieram meus ancestrais.
Isso nos obriga a inventar uma história, gerar uma teoria de origem que, na veras, não existe. Essa compreensão me levou a concordar que temos uma “raiz movente”. É uma vez que se tivéssemos raízes, mas elas estão em metódico movimento.
Quando entendi isso, percebi que me apegar a uma origem fixa não faria de mim uma pessoa melhor. Precisamos edificar e reconhecer nossas histórias, mesmo sabendo que muitas delas são imaginadas.
Isso também me ajudou a mourejar com o conhecimento ocidental, que é branco e dominante. Decidi aproveitar o que ele tem de melhor e criticar o que há de pior. Continuo fazendo isso.
Em “De Onde Eles Vêm”, isso é evidente no Joaquim: ele lê autores brancos e europeus consagrados, mas também os questiona. E, ao mesmo tempo, procura se aproximar de uma literatura produzida por autores negros. Esse movimento, para mim, é uma forma de retorno às origens, mesmo reconhecendo que essas origens são, em secção, fruto de uma construção imaginada.
Na terça-feira (19), uma pesquisa mostrou que, pela primeira vez, a maioria das pessoas no Brasil não são leitoras. Uma vez que você recebe esse oferecido?
É um oferecido terrível, sem incerteza. E, se compararmos com outros países, a situação é ainda mais alarmante. Na França, por exemplo, a média é de 22 ou 23 livros por pessoa por ano. Cá no Brasil, estamos em torno de 2,1 livros por ano. É um número muito reles.
Por outro lado, precisamos refletir sobre o que significa ler. Será que a leitura se restringe a livros? A música, por exemplo, não pode ser considerada também uma forma de letramento?
O rap, o hip hop, o slam… Estou citando a música porque ela foi uma secção importante da minha formação uma vez que leitor. Na minha puerícia e puberdade, não tinha livros por perto, mas a música foi meu primeiro letramento estético. Ela também me educou sentimentalmente. E, pensando nos adolescentes de hoje, quando estão nas redes sociais, o que estão fazendo? Exclusivamente consumindo vídeos ou também escrevendo e lendo?
Talvez ainda tenhamos a teoria de um “leitor ideal”, aquele que senta sozinho com um livro, mas há outras formas de letramento acontecendo. Hoje, temos podcasts, que são um sucesso no Brasil, e audiolivros, que, embora menos populares, também têm um público. A leitura não é só com os olhos; pode ser também com os ouvidos.
Apesar desse cenário, não acredito que seja “terreno arrasada”. Simples que me preocupo, porque sou enamorado por livros, pelo objeto em si. Por isso, meu trabalho é uma vez que o de uma formiguinha: tento formar leitores, mormente de livros.
Seu novo livro se estrutura em capítulos curtos e uma linguagem fluida. Hoje vivemos nesta disputa pela atenção no envolvente do dedo, textos cada vez mais curtos… Isso te influenciou para atrair novos leitores?
Na verdade, a inspiração veio do Machado de Assis. Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, por exemplo, ele usa capítulos curtos, muitas vezes com exclusivamente metade de uma página. Isso tinha a ver com a estação, já que os textos eram publicados em folhetins e precisavam ser rápidos para atrair o leitor do jornal.
Se pensarmos muito, a lógica de hoje não é tão dissemelhante. A rapidez está presente, mas ampliada, uma vez que no TikTok, onde temos exclusivamente segundos para captar a atenção. Mais do que a estrutura dos capítulos, minha estratégia é gerar uma linguagem alcançável, sem barreiras linguísticas.
Evito palavras muito sofisticadas ou inversões gramaticais complicadas, buscando uma fluidez que atraia até mesmo quem nunca leu um livro inteiro. Sempre escrevo pensando no que gostaria de ler quando era jovem e não tinha tantas oportunidades.