João bosco repensa o brasil na turnê boca cheia de

João Bosco repensa o Brasil na turnê Boca Cheia de Frutas – 06/06/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

João Bosco pega o violão no estúdio em Botafogo para penetrar o último experimento antes da estreia da turnê de lançamento do álbum “Boca Enxurro de Frutas”, que aconteceu no último dia 23, no Rio de Janeiro. Neste sábado (7), o show chega a São Paulo, no Teatro Bradesco.

Feita a narração, tem início uma longa introdução que inclui sons pré-gravados de pássaros e ruídos da floresta. Sobre eles, os músicos constroem uma tapeçaria de terreno e mato, preparando o terreno para o esquina yanomami do músico na cantiga “Esquina da Terreno por um Fio” — não sem antes fazerem uma citação a “Arquitetura de Morar”, peça instrumental de Tom Jobim gravada no disco “Urubu”.

“No disco, eu faço ‘Esquina da Terreno por um Fio’ só eu e Jaques Morelenbaum. Mas no show, porquê somos um quinteto, fui buscar outra leitura”, diz João, sentado num sofá do estúdio depois do experimento.

“Logo lembrei do ‘Arquitetura de Morar’, do Tom Jobim, na qual eu poderia aproveitar umas inversões de acordes que faço no ‘Esquina da Terreno por um Fio’. Outrossim, Tom foi um dos primeiros a olhar para essa questão ecológica no Brasil, de forma muito intuitiva. ‘Arquitetura de Morar’, para mim, remete à oca, aos povos originários.”

Tom Jobim é o primeiro, mas não é o único a ser lembrado no show. Ao longo do roteiro de mais de duas horas, João presta reverências —em suas falas, em versos, em seu violão, nos arranjos, no repertório— a Vinicius de Moraes, Aldir Blanc, Antonio Cicero, João do Pulo, Cartola, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Silas de Oliveira, Milton Promanação, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila.

João desenha, dessa forma, o planta de um país que contempla a origem indígena, a colonização europeia, a presença negra marcada pela tragédia da escravidão e pela glória de sua asseveração cultural, a início a demais povos —ele próprio, mineiro, rebento de libanês.

Um país em grande medida de “herdeiros sararás” nascidos de opressores e de oprimidos —porquê o personagem de “Sinhá”, parceria sua com Chico Buarque presente no show. Um país que, ele define citando Darcy Ribeiro, “ainda vai sobrevir, ainda há de ser”.

“Esse show fala desse país porquê Darcy falava”, reforça o compositor. “Ou porquê João Ubaldo, que dizia: ‘A vontade pode’. O Brasil tem que conseguir se declarar porquê país a partir desse povo maravilhoso que resulta dessa mistura, dessa miscigenação. Todos esses caras que cito no show são uma espécie de combustível, uma força, um vetor para que nós nos movimentemos na direção do que eles propõem. Para que essa país seja, e um dia ela será, uma grande país.”

O show costura esse planta passando por canções de “Boca Enxurro de Frutas” —as selecionadas para o roteiro são de João com Francisco Bosco, incluindo a citada “Esquina da Terreno por Um Fio”— e de diferentes momentos de sua curso. Estão lá clássicos porquê “Caça à Raposa”, parceria sua com Aldir Blanc.

“É a floresta, é a caçada que se dá de diversas maneiras. Porquê cancelamento, porquê preconceito, porquê vexação”, afirma o compositor. “Quando Elis a gravou, ela falou para mim que se sentiu muito fortalecida, se sentiu dissemelhante. E eu entendo por quê. É uma cantiga que fala em reencetar sempre, porquê as canções e epidemias, porquê a medo.”

“Quando Aldir ficava meio para inferior, eu falava para ele: ‘Você tem que ouvir uma música chamada ‘Caça à Raposa’, que tem a letra de um rostro aí que você precisa saber’”, diz João, rindo, durante o experimento. Parceiro maior da vida do músico, o letrista é evocado em clássicos presentes no show, porquê “País”, “João do Pulo”, “Coisa Feita”, “Pirata” e “Bijuterias” —cantiga que o artista não tocava há décadas no palco.

Em meio a elas, João canta “E Aí?”, que fez sobre versos do companheiro depois sua morte e gravou em “Boca Enxurro de Frutas”. “Fiz pensando nos versos e pensando nele. Por isso, faço um assovio porquê o da nossa ‘Vida Noturna’, que ele gostava muito. E por isso pedi para o Cristóvão Bastos reportar ao piano ‘Tive Sim’, de Cartola, que Aldir adorava trovar e sempre pedia que eu tocasse para acompanhá-lo.”

“Vir-a-Ser”, outra da safra mais recente, traz na letra de Francisco uma reflexão sobre o mistério da cantiga, essa instituição grandiosa do Brasil que João afirma em seu show. E para além da cantiga, se mostra ali a opulência da música brasileira —boca enxurrada de frutas que, no palco, se materializa em samba, jazz, maracatu, funk, bolero.

Tudo com a precisão rítmica, o lirismo, que se afirma mais pela sutileza do que pelo efusão, e o vigor do violão de João, da guitarra de Ricardo Silveira, do inferior de Guto Wirtti, da bateria de Kiko Freitas e dos teclados de Cristóvão Bastos, que assina também os arranjos.

A música, firmamento sobre o qual João ergue seu país, tem para ele uma solidez palpável. Isso fica nítido quando conta que, certa vez, logo depois de ter tido subida médica depois uma mediação cirúrgica, ele entrou na cafeteria do hospital com sua mulher, Angela.

“Eu estava tenso devido a toda aquela situação de saúde”, lembra o compositor. “No som da lanchonete, estava tocando ‘Isaura’, de Herivelto Martins, cantada por João Gilberto e Miúcha. Ele faz uma segunda voz que inventa esquinas, curvas, vai meio de lado, enquanto ela faz a primeira. É um tipo de voz que não está escrita na partitura. Sai do coração dele, da espírito do fundador.”

“Naquele momento”, João prossegue, “eu fiquei bom da saúde”. “Saí dali querendo viver desbragadamente, já tomar uma cerveja, ir para o boteco. Esse samba, para mim, é uma referência de vida. A música é isso. É trato.”

Folha

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