Fazia 28 anos e seis Olimpíadas que o Brasil não conquistava uma medalha de ouro no atletismo –desde Adhemar Ferreira da Silva no salto triplo em Melbourne-1956– quando Joaquim Cruz levitou na pista do Coliseu de Los Angeles em 1984.
Ao superar, nos 800 m, o britânico Sebastian Coe, portanto recordista mundial da intervalo, Cruz bateu o recorde olímpico e arrebatou o primeiro ouro brasílico em provas de pistas –o único até hoje.
Nesta terça (6/8), completam-se 40 anos do feito. Ao recordá-lo, o ex-atleta evoca o universo que a seu ver criou as condições para a conquista. Três anos antes, o rapaz nascido em Taguatinga (DF) que de início sonhava em jogar basquete chegara aos Estados Unidos para estudar e treinar atletismo.
Tinha 18 anos e iria permanecer em Provo (Utah), mas logo mudou-se para a Universidade de Oregon, em Eugene, cidade que é uma espécie de capital do atletismo dos Estados Unidos. Encontrou-se, era um peixe n’chuva. Aprendeu a flutuar enquanto corria. Apaixonou-se por Mary, sua esposa até hoje –o parelha tem dois filhos.
“Aquele paixão cego se espalhou em tudo que eu fazia. Naquele 1984, eu consegui viver uma temporada de estabilidade totalidade na minha vida. Eu havia desenvolvido fora do esporte também”, conta na entrevista a seguir.
O fundista, que corria também os 1.500 m, conquistaria ainda uma prata em Seul-1988, nos mesmos 800 m.
Hoje treinador da equipe paralímpica dos EUA, Cruz analisa as lacunas no atletismo e no esporte olímpico brasílico, em confrontação com o norte-americano. “O Brasil não evolui porque não temos um sistema vernáculo de esporte, a gente depende muito de clubes.”
Quarenta anos depois, porquê você lembra daquela conquista?
Toda vez que penso em Olimpíadas, a memória que eu tenho é mais da minha experiência em Eugene, meu incremento na universidade. Lá tudo era voltado ao atletismo. Se você praticava atletismo, era considerado uma notoriedade. Logo, durante a temporada do atletismo, eu passava a ser o meio das atenções no campus, onde morava. Eu era espargido em todo lugar e adorava aquilo, gostava de chegar no jornalzinho da cidade.
Eu criei o meu mundo inimaginável ali na cidade de Eugene. Lá eu aprendi a fazer meu corpo levitar durante uma prova, a entrar num estado de transe. Um mês e pouco antes das Olimpíadas, fui fazer uma prova importante, e era tradição sentar no banquinho antes da prova e ser apresentado para o público. Na final universitária dos 800 m, fui o 12º desportista, o último, portanto fiquei um período ali sentado no banco. Quando me apresentaram e eu levantei, não senti minhas pernas, era porquê se eu estivesse voando.
Uma vez que eu tinha a esperteza de um competidor, eu falei: vou usar isso cá a meu obséquio. Logo corri aquela corrida porquê se estivesse voando, sem fazer esforço nenhum, foi um sentimento novo, um sentimento até supremo, extranatural, que eu aprendi correndo naquela cidade.
E porquê você chegou a esse estado de transe? Explica melhor isso.
Em janeiro de 1984, eu conheci uma moçoila, namorei essa moça durante 6 anos e casei no sétimo, e ela hoje é minha esposa. Eu comecei a amar pela primeira vez, e aquela paixão, aquele paixão cego, se derramou, se espalhou em tudo que eu fazia. Onde passava eu via romance.
Quando eu entrei em Los Angeles para disputar a final, o meu corpo estava anestesiado pela adrenalina da paixão, e na hora da largada, o meu corpo estava ali físico, mas o meu espírito naquele momento estava mais de 1.500 km dali, na cidadezinha de Scio, onde minha namorada estava assistindo minha prova com a avó dela.
Uma vez que você está vendo o atletismo brasílico atual e em privado o time brasílico em Paris?
O time está bom. Nós não temos muitas esperanças de medalhas em modalidades diferentes. Temos uma esperança boa no Alison [dos Santos], no 400 m com barreiras, ele tem feito um trabalho muito bom, acredito que consegue chegar entre os três primeiros.
Temos o Caio [Bonfim], da marcha [a entrevista foi feita antes de Caio ganhar a prata]. A Viviane [Lyra, também da marcha, que terminou em 18º], os dois podem transpor com a medalha também no revezamento na marcha, na dupla [quarta, 7/8]. Aí tem o revezamento 4 x 100 m, que pode capitalizar com o erro dos outros. No 4 x 100 o país pode até ser o melhor, ter os melhores velocistas, mas os caras têm que atingir o viga. Os EUA ficaram muito tempo sem atingir a passagem no 4 x 100 m. Aí tem o 4 x 400 m, que pode atingir também num dia inspirado.
Dos esportes em que o Brasil já conquistou medalha olímpica, o atletismo ocupa uma das piores posições na confrontação com outros países, muito aquém de outras modalidades. Por que no atletismo o Brasil parece evoluir menos do que em outros esportes?
O Brasil não evolui porque não temos um sistema vernáculo de esporte, a gente depende muito de clubes, temos escolas. Temos uma boa escola no judô, os pais colocam as crianças para praticar judô cedo. Aí temos um trabalho muito bom no vôlei, mas que é praticamente nos clubes.
O que falta para melhorar? Vamos confrontar. Nos Estados Unidos tem um sistema, a escola e o esporte andam juntos. Faz secção da cultura do americano. Quando meus filhos tinham 5 anos, minha esposa [disse], “você não vai colocar os meninos para praticar esporte no meio comunitário”? Eu falei não, não está na hora ainda. “Mas os vizinhos já estão colocando”. Foi até um choque cultural. Logo começa tudo no meio comunitário.
O governo ajuda os professores e as escolas a montar um calendário vernáculo em cada estado, que é seguido. Do high school [ensino médio] vão tirar os atletas, estudantes que vão receber bolsas para estudar e praticar esporte na universidade. Existe um sistema.
Há esportes em que o Brasil acabou evoluindo, para além do judô, porquê a ginástica, o boxe…
A ginástica é dissemelhante, criaram uma escola de ginástica lá no Paraná e já pegam a rapaz de 9 anos, ou mais cedo. Começou nos anos 2000 e vingou nas últimas Olimpíadas e nessa agora. Demorou anos para comprar o resultado, porque a escola continuou. Infelizmente, no atletismo, nós não conseguimos fazer escola, porque a gente já pega o garoto com 15, 16, 17, 18 anos. E não se consegue massificar o esporte porquê cá [nos EUA]. Cá, no ensino médio, tem mais de 52 milénio participantes do atletismo só no estado da Califórnia. No Texas tem o duplo.
De onde vem a mística do atletismo nas Olimpíadas? É porque vem desde os primórdios, da maratona, dos Jogos da Antiguidade?
Não. É porque é o esporte-chave. Tirando Paris e Rio, as aberturas sempre aconteceram no nosso palco do atletismo, o estádio olímpico. As Olimpíadas só começam para valer, pelo menos na minha mente, quando o atletismo começa. É um dos esportes mais antigos da história dos Jogos. Eu até estou vendo alguma coisa [de Paris-24], mas pra mim mesmo as Olimpíadas vão principiar, nos meus olhos, na minha mente, quando eu principiar a ver as provas do atletismo.
Você segue treinando a equipe de atletismo paralímpica dos EUA? Uma vez que é teu trabalho?
Sim, vai fazer 19 anos que estou com o Comitê Olímpico e Paralímpico norte-americano, liderando um trabalho de residentes no meio de treinamento de Chula Vista [Califórnia]. Conseguimos colocar seis atletas na equipe que lidero, que vai para Paris agora [para as Paralimpíadas]. Dos 54 atletas, o meu programa conseguiu colocar seis. Estou indo porquê treinador-chefe.
Você se mudou para os Estados Unidos aos 18 anos e nunca mais voltou a morar no Brasil…
Nunca precisei voltar porque eu nunca saí do Brasil, na verdade. Estou sempre no Brasil [mesmo estando nos EUA], inclusive antes de conversar com você eu estava falando ao telefone com uma mãe que me mandou uma mensagem no Instagram precisando de orientação para o rebento dela que quer vir para cá estudar e praticar esporte. Há pouco tempo ajudei umas meninas do vôlei a vir para cá.
Você hoje se considera mais brasílico ou mais norte-americano?
Desde do dia que saí do Brasil, tenho representado o melhor do Brasil a todo momento, até hoje. Sou brasílico americano, um cidadão do mundo.
Cá na minha moradia, o primeiro linguagem é inglês. Funcionalmente, sou americano, mas tenho um coração brasílico, nunca deixei de ser brasílico. Minhas raízes estão muito profundas no Brasil, e é um orgulho ser brasílico.
RAIO-X – JOAQUIM CRUZ, 61
Nascido em Taguatinga (DF) em 12 de março de 1963. Medalha de ouro nos 800 m nas Olimpíadas de Los Angeles-1984 e medalha de prata na mesma prova em Seul-1988. Mudou-se para os EUA aos 18 anos para treinar e estudar e desde portanto vive no país, onde casou e tem dois filhos. Comanda a equipe paralímpica de atletismo dos EUA em Chula Vista, San Diego, Califórnia.