Judith Butler: Doutrinação De Gênero Não Está Acontecendo 30/03/2024

Judith Butler: doutrinação de gênero não está acontecendo – 30/03/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

A primeira coisa que fiz ao ler o novo livro de Judith Butler, “Quem Tem Susto de Gênero?”, foi procurar a vocábulo “fantasma”, que aparece 41 vezes exclusivamente na introdução. Significa ilusão; o “fantasma de gênero”, uma ameaço enraizada no temor e na fantasia.

A segunda coisa que fiz foi dar uma boa risada sobre o título, porque a resposta para a pergunta de quem tem temor de gênero era… muito, eu tenho? Mesmo para alguém que escreveu sobre gênero e feminismo por mais de uma dezena e que já carregou o título de “editora de gênero” do New York Times, falar sobre gênero hoje pode parecer tão tenso, tão politizado, tão recluso em uma guerra de palavras que o debate, ou mesmo a conversa, parece impossível.

O último livro de Butler vem mais de três décadas em seguida o primeiro e mais famoso, “Problemas de Gênero”, que trouxe a teoria de “gênero uma vez que performance” para o mainstream. Acontece que Butler —que escreveu 15 livros desde logo— nunca pretendia voltar ao tópico, mesmo enquanto uma guerra cultural acontecia. Mas logo o político se tornou pessoal. Butler foi fisicamente atacada em 2017 enquanto falava no Brasil, e queimada em individualidade por manifestantes que gritavam: “Ligeiro sua ideologia para o inferno”.

Esta conversa foi condensada e editada para maior perspicuidade.

Você já imaginou que veria um mundo em que suas ideias seriam tão difundidas —e tão tensas?

Quando escrevi “Problemas de Gênero”, eu era um palestrante. Eu estava lecionando cinco aulas, tentando trabalhar neste livro que pensei que ninguém leria. Ainda assim, eu sabia que não estava falando exclusivamente por mim; havia outras pessoas que eram fortes feministas, mas também lésbicas ou gays ou tentando entender o gênero de maneiras que nem sempre eram bem-vindas. Mas hoje, as pessoas que têm temor das minhas ideias são aquelas que não me leem. Em outras palavras, não acho que são minhas ideias que eles têm temor. Eles inventaram outra coisa – uma espécie de fantasia do que eu acredito ou quem eu sou.

E, é evidente, não são exclusivamente minhas opiniões que estão sendo caricaturadas, mas o gênero de forma mais ampla – estudos de gênero, políticas que se concentram em gênero, discriminação de gênero, gênero e cuidados de saúde, qualquer coisa com “gênero” é uma espécie de perspectiva aterrorizante, pelo menos para alguns.

Logo… quem tem temor de gênero?

É engraçado, tenho um camarada, um teórico queer. Eu disse a ele o nome do livro e ele disse: “Todo mundo! Todo mundo tem temor de gênero!”

O que está evidente para mim é que há um conjunto de estranhas fantasias sobre o que é o gênero —o quão destrutivo é, e o quão terrífico é— que várias forças têm circulado: Viktor Orban, Vladimir Putin, Giorgia Meloni, Rishi Sunak, Jair Bolsonaro, Javier Milei, e, é evidente, Ron DeSantis, Donald Trump e muitos pais e comunidades em estados uma vez que Oklahoma, Texas e Wyoming, que estão buscando autenticar legislação que proíbe o ensino de gênero ou referência ao gênero em livros.

Obviamente, essas pessoas têm muito temor do gênero. Elas atribuem a ele um poder que eu realmente não acredito que tenha. Mas também têm temor as feministas que se autodenominam “críticas de gênero”, ou que são excludentes em relação a pessoas trans, ou que tomaram posições explícitas contra a política trans.

Você pode descrever o que a motivou a retornar a esse tópico?

Eu estava indo para o Brasil para uma conferência sobre o porvir da democracia. E fui informada previamente que havia petições contra mim falando, e que decidiram focar em mim porque sou a “papisa”, a papa feminina, do gênero. Não tenho certeza de uma vez que consegui ter essa evidência, mas aparentemente consegui. Cheguei cedo ao lugar e podia ouvir a poviléu do lado de fora. Eles tinham construído uma espécie de imagem monstruosa de mim com cornos, que eu interpretei uma vez que claramente antissemita – com olhos vermelhos e uma ar demoníaca – com um biquíni. Por que o biquíni?

Mas, de qualquer forma, fui queimada em individualidade. E isso me assustou. E logo, quando meu parceiro e eu estávamos saindo, no aeroporto, fomos atacados: Uma mulher veio em minha direção com um carrinho grande e ela estava gritando sobre pedofilia. Eu não conseguia entender por quê.

Você agradece ao jovem que se jogou entre você e o assaltante, levando golpes. Foi a primeira vez que você ouviu essa associação com “pedofilia”?

Eu havia oferecido uma palestra sobre filosofia judaica, e alguém no fundo disse: “Mãos longe de nossas crianças!” Eu pensei, O quê? Eu descobri mais tarde que a forma uma vez que o movimento anti-gênero funciona é expor: Se você quebrar o tabu contra a homossexualidade, se permitir o tálamo gay e lésbico, se permitir a readequação sexual, logo você se afastou de todas as leis da natureza que mantêm as leis da moral intactas —o que significa que é uma caixa de Pandora; todo o conjunto de perversões surgirá.

Ao me preparar para entrevistá-lo, recebi um alerta de notícias sobre o negócio “Não Diga Gay” na Flórida, que diz que as escolas não podem ensinar sobre tópicos LGBTQ do jardim de puerícia ao oitavo ano, mas esclarece que discuti-los é permitido. Você escreve que as palavras se tornaram “tacitamente consideradas recrutadoras e molestadoras”, o que está por trás do esforço para remover esse tipo de linguagem da sala de lição.

Ensinar gênero, teoria sátira da raça ou até mesmo estudos étnicos é frequentemente caracterizado uma vez que formas de “doutrinação”. Por exemplo, aquela mulher que estava me acusando de concordar a pedofilia sugere que meu trabalho ou meu ensino seria um esforço de “sedução” ou “preparação”.

Na minha experiência de ensino, as pessoas estão discutindo o tempo todo. Há tanto conflito. É caótico. Muitas coisas estão acontecendo —mas a doutrinação não é uma delas.

Folha

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