Muitas músicas foram lançadas por Kendrick Lamar e Drake neste ano, porquê secção de um enfrentamento simbólico pelo posto de maior rapper da atualidade. O americano e o canadense têm números de audiência superlativos, mas abordagens diferentes do gênero que defendem —enquanto o primeiro é um artesão das letras, um vencedor do Pulitzer, o segundo trata mais de relacionamentos e é rabino dos refrões chiclete.
Os ataques em forma de rima e batidas, secção de uma tradição do hip-hop, foram um dos grandes assuntos da música nos últimos meses, e ninguém teve dúvidas de quem saiu vencedor do confronto. Kendrick, com “Not Like Us”, conseguiu não unicamente fustigar Drake na caneta, mas criou também um clássico momentâneo do rap, um hit que uniu a Costa Oeste americana em torno dele e rendeu zero menos que sete indicações ao próximo Grammy.
Na tarde desta sexta-feira (22), pegando todo mundo de surpresa, Kendrick lançou o disco “GNX”, que soa porquê se a abordagem dele para “Not Like Us” tivesse se estendido para as 12 faixas inéditas. Isso não significa que o álbum trata de Drake —na verdade, o canadense cá quase não é tema—, mas do estabelecimento do californiano no topo do rap contemporâneo.
Porquê “Not Like Us”, “GNX” é permeado por batidas diretas e graves densos e pesados que soam porquê pancadas na cabeça. Também porquê no hit indicado ao Grammy, o oração é bem-humorado e positivo da grandeza de Kendrick no cenário da música atual, e o rapper usa uma abordagem brutalista, quase punk, em ganchos e refrões, em próprio na repetição contagiante de sílabas, palavras ou frases curtas.
É interessante notar porquê Kendrick consegue ser um artista versátil sem deixar de fazer música porquê só ele mesmo é capaz. E também de manter uma discografia coesa não unicamente na qualidade, mas na linearidade.
Em 2015, ele lançou um dos grandes discos do século, “To Pimp a Butterfly”, em que atualiza o jazz e o funk americanos com rimas intrincadas e comentários sobre o capitalismo, o racismo, a sociedade americana e as contradições dos sentimentos humanos. Dois anos depois, veio porquê “Damn.”, um blockbuster pop referto de hits dançantes e baladas que cansou de tocar em festas e o levou a grandes festivais.
Há dois anos, ele emergiu da pandemia com “Mr. Morale & the Big Steppers”, um álbum denso e profundo, quase psicanalítico, em que reflete sobre o pretérito, o sucesso, a família e a masculinidade, entre outros assuntos. Discos porquê esse deram ao rapper uma nomeada de artista multíplice e difícil de entender —mais ainda para quem não fala inglês e não consegue captar suas dezenas de referências.
“GNX” novamente vem para quebrar essa noção. Não se juntando a Rihanna ou sampleando Bruno Mars porquê fez em “Damn.”, mas com músicas mais curtas e uma abordagem mais crua e direta tanto dos versos quanto dos samples, melodias e faixas instrumentais.
É porquê se Kendrick dissesse que consegue jogar o jogo pop de Drake sem seguir tendências —propriedade do canadense, que já gravou até funk 150 BPM com o carioca Kevin o Chris— ou se render a modismos.
Para isso, recrutou Jack Antonoff, produtor que nos últimos anos virou queridinho de cantoras pop porquê Taylor Swift e Lana Del Rey. Ele assina porquê produtor executivo do álbum, e atuou diretamente em 11 das 12 músicas do disco, mas a sensação é que, se seu nome não estivesse nos créditos, não daria para saber que ele estava envolvido no projeto.
“Wacced Our Murals” abre “GNX” com a voz de Deyra Barrera, cantora do mariachi mexicano e um solilóquio de Kendrick. Ele cospe rimas para expressar o que pensa do cenário atual sob uma melodia sinistra e sobra até para Lil Wayne —o rapper supostamente não gostou da escolha de Kendrick porquê atração principal do pausa do próximo Super Bowl, a final da principal liga de futebol americano.
Ele segue a todo vapor em “Squabble Up”, em que muda o tom e a frase da voz porquê se fizesse curvas acidentadas enquanto dirige com o pé fincado no acelerador. A metáfora fica clara a partir da envoltório e do título do álbum, tirado de um protótipo de sege requintado de 1987 que mesmo com motor menos potente conseguia atingir altas velocidades mais rapidamente que carros superesportivos porquê a Ferrari F40.
Mesmo quando não está voando na estrada, Kendrick conduz com fluidez contagiante em “GNX”. Em “Luther”, faz um dueto com SZA enquanto sampleia a balada “If This World Were Mine” na versão de Cheryl Lynn e navega entre cordas que remetem a Quincy Jones.
Em “Man at the Garden”, celebra por cima de um piano indiferente a vida luxuosa que conquistou. Ele vira do avesso uma frase popularizada por Notorious B.I.G. em “Mo’ Money, Mo’ Problems” —cá, Kendrick quer “mais numerário, mais poder, mais liberdade”.
Há citações cá e ali ao triunfo sobre Drake. Em “Hey Now”, ele começa pedindo silêncio interno a Buda e diz que “os negros sabem que estrangulei um GOAT”, usando a frase em inglês para se referir a “maior de todos os tempos”, neste caso o canadense. Kendrick canta quase sussurrando porquê um homicida gélido e tardo.
Mas a letra mais profunda de “GNX” é “Reincarnated”, que sampleia “Made N****z”, de Tupac —maior influência de Kendrick no hip-hop, e outro ícone do gênero na Califórnia. Cá, o reles viaja junto com a mente do rapper, que parece estabelecer um diálogo entre Deus e o diabo ao mesmo tempo em que dialoga com o que seriam suas vidas passadas. Tupac, que aliás foi “ressuscitado” com lucidez sintético por Drake numa música (“Taylor Made Freestyle”) sátira a Kendrick, entra nesse contexto.
“Not Like Us” surge novamente nas entrelinhas. “TV Off” tem batida parecida e o mesmo produtor de “Not Like Us”, Mustard, que tem o nome berrado por Kendrick na novidade música. Mesmo mais atingível, o rapper mostra que não faz questão nenhuma de perder sua dureza.
Kendrick impressiona com a quantidade de vozes e levadas que consegue imprimir ao longo do álbum sem tanger repetitivo. É um tanto que faz também reciclando parceiros da curso —entre eles o produtor Sounwave e o saxofonista Kamasi Washington, que agora parece assumir o posto de arranjador—, além de SZA. Ela retorna em “Gloria”, fita derradeira do disco, em que Kendrick trata sua caneta porquê sua dulcinéia em uma singela história de paixão.
Porquê em qualquer lançamento do rapper, mais e mais referências das letras e dos samples devem surgir na internet nos próximos dias, ampliando o entendimento da obra. Ainda que desta vez ele se apresente menos hermético, seus discos sempre deixam lacunas a serem preenchidas pela digestão coletiva das músicas ao longo do tempo. Há no entanto uma questão que “GNX” não deixa espaço para incerteza —Kendrick figura no panteão dos grandes artistas deste século. Do rap, ele senta no trono.