Kiko Mascarenhas é um tipo geral. Ele veste calça jeans, camiseta e tênis. O ator cumprimenta, uma a uma, as pessoas que entram na sala de espetáculos, parecendo estar mesmo recebendo visitas em sua sala de estar sem móveis, ou melhor, sem cenário. A luz amarela ilumina, sem distinções, o núcleo da redondel e a plateia, dissolvendo a jerarquia entre o artista e o testemunha. Mascarenhas faz, logo, um pregão. Um jogo está prestes a encetar.
A dramaturgia da peça “Todas As Coisas Maravilhosas”, em edital no Tucarena, no bairro paulistano de Perdizes, se constrói numa estrutura colaborativa. O enredo só se realiza com a interação da plateia, que lê fragmentos do texto e participa de algumas cenas.
É preciso, portanto, questionar a solidão do ator no palco e a própria noção de solilóquio. Segundo a prática teatral, todos ali são agentes criadores do texto que, a cada termo de semana, ressurge no espaço vazio. “Todo mundo está no mesmo embarcação, mas a cada sessão, com uma plateia dissemelhante, a peça muda”, diz Mascarenhas numa entrevista por telefone.
É uma influência do diretor Augusto Boal, o instituidor do Teatro do Oprimido. Em universal, suas técnicas preconizavam o envolvimento do público, elegendo o diálogo porquê a força motriz da encenação. A natureza lúdica da dramaturgia, prevista na obra escrita há 11 anos pelos ingleses Duncan Macmillan e Joe Donahuer, contrasta com o tema da peça.
Dirigido por Fernando Philbert, Mascarenhas interpreta um menino de sete anos, que convive com uma mãe depressiva. Durante a peça, suas várias tentativas de suicídio são narradas pelo próprio fruto. Nesse contexto de tristeza, ele passa a assentar, em uma lista, todas as coisas maravilhosas da vida, buscando animar a mãe e protelar a sua morte.
Todos os itens da lista estão espalhados na plateia em pequenos cartões numerados. Quando o ator cita o número, o testemunha deve falar, em basta e bom som, o que está escrito. O tecido de fundo da narrativa se assemelha a um romance de formação. O texto conta os anos do menino na escola, o primeiro encontro amoroso e o impacto do envolvente da universidade.
No contraste entre tema e forma, instiga o testemunha. Finalmente, o drama familiar se choca com os primeiros anos de vida do menino, sua invenção do mundo. Se não existe muchacho triste, a veras que se impõe, no texto, impede que a idealização apresente seus vestígios ao longo do tempo. O varão sazonado é tão somente o resultado do menino e de seus traumas.
“O texto já foi criado dessa maneira, oscilando entre a tristeza e a alegria. A emoção acontece, mas logo desaparece. Nem a lágrima nem o riso existem por completo”, diz o ator, lembrando a emoção que se instaura no teatro. Nessa risco do tempo, Mascarenhas escolhe pessoas da plateia e contracena com elas —as pessoas encarnam personagens do círculo social do garoto.
A peça tematiza a depressão, transtorno geral na vida contemporânea, esbarrando em outro. Para muitas pessoas, que sofrem com os sintomas da sofreguidão social, participar de um jogo cênico porquê o proposto pode ser insuportável. Mascarenhas entende as limitações de cada um, lidando com a repudiação de um modo procedente. “Somente procuro outra pessoa”, diz.
Mascarenhas relata surpresas nos encontros com público. Algumas vezes, quando contracena com a personagem da primeira namorada, a anônima da plateia se anima e dá um beijaço no ator. “Todas As Coisas Maravilhosas”, que integra a programação do Festival de Curitiba, marca os 40 anos de curso do ator.
No audiovisual, ele ficou mais sabido pelo seriado “Tapas & Beijos”, exibido pela TV Orbe entre os anos de 2011 e 2015, em que interpretou Santo Antônio e, a partir da segunda temporada, o jurisconsulto Tavares.
“As pessoas até hoje não ligam o santo, que desaparece na primeira temporada, com o ator que faz o jurisconsulto”, ele afirma. Agora na peça, Mascarenhas tem o repto de encarar o treino precípuo da arte do ator: ser uma muchacho. A imaginação, tão propriedade do universo infantil, está sublinhada no texto e na encenação.
Ele interpreta um menino, mas, diante do espaço vazio, ele precisa erigir realidades. Por isso, uma meia se transforma em fantoche, e o volume de um casaco representa um cachorro. “Eu sempre me mantenho nesse lugar de muchacho porquê ator, porque tudo é sempre um faz-de-conta. Esse é o sigilo para sustentar ser ator”, diz Mascarenhas.