A aprovação de uma lei que força o TikTok a vender sua operação nos EUA caso não queira ser renegado do país abre um precedente perigoso que pode ser usado por outros governos contra redes sociais que estejam “dando trabalho” —inclusive pelo Brasil no atual embate com o X, ex-Twitter, de Elon Musk.
A opinião é de Anupam Chander, pesquisador do Núcleo Berkman Klein para internet e sociedade, de Harvard, e professor de recta e tecnologia na Universidade Georgetown, em Washington.
Chander é responsável do livro “The Electronic Silk Road” (a rota da seda eletrônica), em que analisa a relação entre o recta e o negócio global pela internet.
O perito afirma que as mesmas preocupações usadas pelos EUA contra o aplicativo chinês —propaganda e vigilância— podem ser aplicadas a outras redes, lembrando as acusações de interferência russa na eleição americana de 2016 por meio do Facebook.
“Não tivemos um relato público dos perigos reais, não hipotéticos, apresentados pelo TikTok. A lei cria um precedente que pode desfazer a internet global e, portanto, é imprudente para os EUA, que há muito tempo defendem essa posição”, diz à Folha.
Apoiadores da lei deram uma série de justificativas para potencialmente banir o TikTok, de preocupações geopolíticas a eleitorais e de saúde mental. Na sua visão, o que está realmente por trás dessa ação?
Eu acredito que a principal motivação é que o TikTok representa um risco de propaganda —talvez ele comece a promover uma agenda alinhada com o Partido Comunista da China, ou a passar secretamente informações sobre os americanos para o governo chinês.
Esses são os principais riscos descritos: propaganda e vigilância.
Houve um briefing secreto no Congresso feito pelo governo Biden [sobre o TikTok], mas nenhuma dessas evidências foi tornada pública. Eu não confio em nenhuma evidência que não seja tornada pública.
Porquê eu sei que é precisa? Nós temos um sistema judicial neste país. Nós permitimos arguição e resguardo. Nós testamos hipóteses expondo-as a escrutínio e sátira. Isso é o jeito americano. Essa lei não me parece o jeito americano.
Mas o sr. acha que essas preocupações são legítimas?
Pode ter preocupações com propaganda e vigilância com o TikTok, mas também com todos os tipos de aplicativos. Vimos na eleição de 2016 o uso do Facebook pelos russos para promover propaganda nos EUA. Vimos a possibilidade com as revelações de [Edward] Snowden de aplicativos sendo usados para vigiar pessoas em todo o mundo, incluindo no Brasil. Eu acho que vigilância e propaganda andam de mãos dadas com a internet.
Logo por que mirar o TikTok?
Há uma crença entre alguns dos apoiadores da lei de que o aplicativo realmente, não somente hipoteticamente, está promovendo uma agenda chinesa.
Eles apontam para o que acreditam ser uma promoção de vozes pró-Palestina, por exemplo, argumentando que o aplicativo está propenso para a perspectiva do governo chinês.
Eu acho que essa é uma descrição irracional do que está acontecendo no TikTok. Me parece que as opiniões expressas no aplicativo e o quão populares são são em grande segmento orgânicas.
E é difícil para mim crer que o TikTok está empurrando os jovens americanos a serem contra Israel e pró-Palestina, mas essa é claramente uma crença entre alguns dos apoiadores da lei, incluindo o deputado Mike Gallagher, que foi o principal patrocinador deste projeto.
Apesar de fazer declarações contrárias ao TikTok, Biden lançou uma conta no aplicativo durante o Super Bowl. Porquê entender essa posição?
Francamente, é um pouco difícil. É ligeiramente hipócrita acusar um aplicativo de promover propaganda e logo promover sua própria agenda nesse aplicativo. Qual governo está promovendo propaganda, logo?
A vocábulo propaganda depende de qual lado você está. Se são suas opiniões que você está promovendo, certamente você não vê isso uma vez que propaganda. Se são as opiniões de outro, elas se tornam propaganda.
Qual será a resposta chinesa?
A China já sinalizou uma resposta, ela já telegrafou seu contra-ataque. Na sexta-feira, ela disse à Apple que a empresa teria de remover da loja de aplicativos na China o Threads e o WhatsApp, da Meta, o Signal, também americano, e o Telegram, que é de uma empresa baseada em Dubai, mas originalmente da Rússia. É uma dica do governo chinês de que eles vão responder.
O sr. acha que eles tentarão bloquear a venda?
Acho que há boas razões para isso. Primeiro, o aplicativo é em grande segmento de propriedade de investidores estrangeiros, muitas das pessoas perdendo moeda com isso são americanas. Logo não é uma vez que se o governo chinês se preocupasse que seus cidadãos estejam perdendo muito moeda.
O bloqueio também pode ser uma forma de expressar: “Ei, vocês não podem fazer isso com nossas empresas. Vocês não podem simplesmente tomá-las. Nós vamos logo tirá-las de vocês. Preferimos que elas morram do que vocês as tomem”.
A venda do TikTok é um precedente que não é simpático para o governo chinês. Estamos licenciando atualmente a tecnologia de bateria chinesa para carros elétricos da Ford nos EUA. E se decidirmos expressar: “Muito, essa tecnologia de bateria vai ser americana agora, obrigado?”
Por isso, mesmo que você sofra um golpe econômico, há razões para justificar que você precisa de uma retaliação do tipo “olho por olho, dente por dente” uma vez que uma forma importante de disciplinar ações geopolíticas. É mal o negócio internacional funciona, o regime de sanções funciona.
Porquê o sr. espera que a lei afete as tentativas de outros países de regular as redes sociais, uma vez que no Brasil?
Ótima pergunta. Acho que veremos outros países olhando para o TikTok e dizendo: “Ei, poderíamos torná-lo nosso? Poderíamos forçá-lo a ser vendido para uma empresa brasileira?”.
Acho que tudo isso vai intercorrer. Mas eles podem não olhar somente para o TikTok, mas também para o Facebook. “Ei, poderíamos tornar o Facebook nosso? Você sabe, ter um Facebook brasílio?”
Todas essas coisas são possíveis. Isso abre a caixa de Pandora de possibilidades.
Eu estou cá em Washington DC e me pergunto se os políticos pensam sobre as consequências de suas ações e uma vez que estão estabelecendo precedentes e usando argumentos que poderiam ser usados contra suas empresas.
Há um embate hoje entre o ministro do STF Alexandre de Moraes e Elon Musk. A lei contra o TikTok pode influenciar de alguma forma o que está acontecendo no Brasil?
Eu acho que Elon vai recuar. Essa é minha suspeita. A ameaço foi um deportação. Mas e se o Brasil determinar em vez de um deportação, forçar uma venda?
Os EUA forneceram uma novidade fórmula para mourejar com empresas estrangeiras que estão dando problemas. Não vamos somente banir você, vamos expressar: “Não, não, não, você é bem-vindo neste país, mas somente se nós o possuirmos”.
Isso muda tudo. O valor precedente disso vai ser muito, muito doloroso para a internet global.
O sr. espera que a China responda já, ou aguarde a empresa tentar lutar contra a lei na Justiça?
Eu acho que a China pode muito muito se movimentar para bloquear a venda muito rapidamente, e deixar simples que não vai permitir isso.
Se eu fosse o governo chinês, também bloquearia essa venda imediatamente e deixaria a luta continuar nos tribunais —e ela deve chegar na Suprema Incisão.
E existem precedentes em prol do TikTok até agora, uma vez que em Montana.
Eu não tiraria conclusões dos precedentes, não vou prever zero nos tribunais. Acho que há uma possibilidade real de que o aplicativo deixe de funcionar nos EUA daqui a um ano, acho que há uma chance de 50-50, porque ou a pendência judicial nequice, ou a China ou a ByteDance decidem que uma venda é impossível, é contrária aos seus interesses.
A proibição do TikTok seria somente nos EUA, logo, mesmo se for renegado, os brasileiros ainda poderão usar o TikTok, por exemplo. Lembre-se, o TikTok foi e continua renegado na Índia. A maioria das pessoas ou parou de usar, ou tentou usar outros aplicativos do tipo com qualquer sucesso ou fracasso.
Enquanto não houver um desfecho, uma vez que essa guerra deve afetar o uso do aplicativo nos EUA?
Eu esperaria que muitos dos maiores influenciadores tentassem ver se podem lucrar tração em um aplicativo mútuo, tentando prometer suas apostas.
RAIO-X
Anupam Chander, 67
Formado em Harvard e na Escola de Recta de Yale, é professor de recta e tecnologia na Universidade Georgetown e pesquisador afiliado do Núcleo Berkman Klein para internet e sociedade, de Harvard, e da Escola de Política Pública e Internacional de Columbia. Foi professor visitante de recta em Yale, Universidade de Chicago, Stanford, Cornell e Tsinghua e trabalhou no escritório de advocacia Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton em Novidade York e Hong Kong. Recebeu um prêmio de pesquisa do Google e uma bolsa Andrew Mellon sobre vigilância