Stephen Malkmus estava com a filha numa panificação em Portland, nos Estados Unidos, quando ouviu uma música que a princípio não reconheceu. Achou que era “Tumbling Dice”, dos Rolling Stones, antes de perceber que se tratava de “Harness Your Hopes”, uma fita lado B do Pavement, orquestra que ele comandou nos anos 1990 e com a qual faz agora uma segunda turnê de reunião.
A música, composta por Malkmus para o álbum “Brighten The Corners”, de 1997, foi descartada na quadra. Saiu dois anos depois no EP “Spit on a Stranger”, e em 2008 porquê uma fita bônus no relançamento do disco para o qual foi feita. Só uns quatro ou cinco detrás, todavia, caiu no palato de novas gerações e hoje é, de longe, a melodia do Pavement mais tocada no streaming.
A história do sucesso instintivo, improvável e, de certa forma, inexplicável de “Harness Your Hopes” espelha a própria trajetória do Pavement. A orquestra, atração do C6 Fest, que acontece em maio em São Paulo, não teve grande capilaridade nem quando estava no auge, na dezena de 1990, mas graças à sua influência na música indie e no rock, sua valor parece crescer a cada ano que passa.
“Tem gente que nem era nascida quando lançamos nossos primeiros álbuns curtindo essa música, é interessante”, diz Malkmus. “Na quadra, achava que era uma boa melodia, mas fiz umas coisas estranhas. Aceleramos a fita —se você tentar tocar guitarra junto, vai ver que não fica no tom oriundo. Cantei mais velozmente. Fiz a letra rápido e ninguém me disse que era um pouco peculiar, logo decidi que era um lado B.”
É difícil saber se “Harness Your Hopes” seria um hit caso tivesse saído em 1997, já que sua popularização está ligada ao TikTok, onde vira e mexe volta a lucrar tração, e às playlists. Mas o processo de geração e descarte da fita ajuda a entender o Pavement. O rock de garagem do grupo tinha estranhezas, dissonâncias e displicências que ao mesmo tempo que conferiam identidade, também deixavam as canções menos palatáveis para as massas.
A sonoridade roqueira lo-fi, com guitarras distorcidas, elementos do noise e uma ponta de angústia juvenil, era alinhada com outras bandas da quadra, porquê o Dinosaur Jr. e o Sonic Youth, mas o Pavement era mais displicente e desbocado que todas elas. Essa espontaneidade, diz Malkmus, vinha de uma estratégia artística.
“Era uma filosofia”, ele diz. “A gente era jovem, e parecia que não tinha zero de lítico na música, ali logo antes do Nirvana. Éramos inspirados por bandas porquê o Fall e o Can. Também por trabalhar num museu e ver arte feita de um jeito instintivo, conceitos pós-modernos. Era isso combinado com uma habilidade oriundo, meus talentos ou sei lá, o indumento de eu ser eu.”
Tudo se relaciona com o humor típico da orquestra —e de Malkmus—, que nunca se levou muito a sério, encapsulando talvez porquê nenhum outro artista o espírito dessa música —e de toda uma geração— opção dos anos 1990. Não é atoa que o maior sucesso do Pavement, “Cut Your Hair”, é uma graçola com bandas ruins e cortes de cabelo.
Até para dar entrevistas, Malkmus é casual. Falou com a reportagem em relação de vídeo do celular enquanto dirigia para visitar casas onde vai morar —ele está se mudando de Portland, a “capital hipster” dos Estados Unidos, para Chicago, onde a mulher vai dar aulas de arte. É um sentimento de transição parecido com o do término dos anos 1990, quando o Pavement acabou.
“Fizemos tudo que dava”, ele diz. “Não tínhamos empresário nem ajuda com a secção criativa. Era tudo feito por nós. Há um pouco bom nisso, mas uma hora fica repetitivo. Depois de dez anos, eu estava exausto. Não era porque não gostávamos uns dos outros, ou porque estávamos mortos criativamente. Só tínhamos que pintar as paredes novamente, por que não mudar de vivenda?”
Hoje, é porquê se Malkmus vivesse um pouco daquilo que cantou em “Range Life”, música de “Crooked Rain, Crooked Rain”, álbum de 1994 que é o mais divulgado do Pavement. Na letra, projeta uma vida ordinária para um roqueiro depois a rebeldia jovem e a nomeada, e tira sarro das bandas do underground que ganharam o mainstream —fenômeno puxado pelo estouro do Nirvana.
Um dos exemplos que ele usa na letra, o Smashing Pumpkins, já rendeu histórias curiosas. Em 2010, quando o Pavement trouxe seu show de reunião ao Brasil pela primeira —e mais recente— vez, eles tocaram no mesmo palco e dia do grupo de Billy Corgan, no hoje extinto festival Planeta Terreno.
Na quadra, à Folha, o vocalista do Pumpkins disse que se encontrasse alguém do Pavement nos bastidores, sairia na porrada. “Eles, que deveriam ser o símbolo dos valores alternativos, são ‘vendidos’ que tocam as músicas velhas porque precisam de moeda”, disse Corgan na quadra.
“Seria uma combate de mentirinha”, diz Malkmus hoje. “Tem gente lítico no Pumpkins.”
A inclusão da orquestra na letra, ele afirma, era uma graçola. “Foi um ‘adlib’ que fiz ali no momento, meio porquê um rap. Não sei nem porque, já que nem rima recta. Era um ‘beef’, porquê fazem no hip-hop. Um tanto irônico. Não me importo se o Pumpkins é bom ou ruim.”
Esse estilo de fazer trova meio hilário de Malkmus sempre foi uma marca do Pavement. As referência ao rap não são sem sentido, já que o compositor foi influenciado pelo gênero, além de sempre ter tido uma acidez provocativa e abusada nos jogos de palavras porquê um MC —muitas vezes, importa mais porquê uma frase soa do que seu sentido lógico.
Em termos de letra, as músicas do Pavement flertam com um claro dadaísmo, têm um humor autoconsciente e um desdém próprio da juventude. “Quando você é jovem, vem naturalmente. Muitas ideias, muita crédito e muita coisa que vem da experiência de ser uma pessoa porquê eu —ou seja, com uma mente estranha”, ele diz, antes de pedir ajuda à mulher no carruagem para tirar o celular do viva-voz.
Em outro momento da entrevista, ele filma a filha juvenil mostrando o dedo do meio e soltando alguns palavrões para xingar Donald Trump, ex-presidente americano que concorre novamente ao missão leste ano. Em 2020, Malkmus fez campanha para Bernie Sanders, político de esquerda do país que acabou preterido pelo atual presidente, Joe Biden, no Partido Democrata.
“Biden não fez muita coisa”, ele diz. “A razão de eu não estar tão alarmista [com uma volta do republicano ao poder] porquê antes é que Biden é tão ensimesmado que não faz o que diz. Fica tudo igual, seja com ele, seja com Trump. Evidente que há diferenças, veja muito, não vou votar em Trump. Mas também não palato de Biden. É difícil ser alguém de esquerda nos Estados Unidos.”
Neste século, Malkmus se tornou uma entidade do indie americano, e usa sua mente estranha para manter uma curso muito estabelecida no giro recíproco, sozinho ou escoltado pela orquestra Jicks —esta, com quem veio ao Brasil pela última vez, em 2013. Aquela turnê, aliás, rendeu a foto que estampa a contracapa do disco “Wig Out at Jagbags”, de 2014, tirada no camarim de uma vivenda de shows de São Paulo.
Desta vez com o Pavement, ele deve tocar pelo menos uma música de cada um dos seis álbuns que a orquestra lançou entre 1992, quando saiu o primeiro, “Slanted & Enchanted”, e 1999, quando acabou. O grupo, também formado por Scott Kannberg, Mark Ibold, Bob Nastanovich e Steve West, se reuniu pela primeira vez em 2010 e, depois, em 2022, depois um invitação do festival Primavera Sound de Barcelona.
O reencontro com o Brasil é muito esperado pelo vocalista, que cita cidades porquê Recife, Belo Horizonte e Porto Satisfeito porquê lugares de onde guarda boas lembranças. Malkmus também tem viva a memória da arquitetura e dos prédios antigos de São Paulo, onde agora ele espera conseguir ir a um bom restaurante de comida japonesa —um pouco que lamenta não ter conseguido antes.
Mas mais que um reencontro com a cidade, e com os fãs brasileiros, o show faz uma reconexão nostálgica com a juventude —uma pujança que Malkmus só acha no Pavement. “É uma melancolia de moleque”, ele diz, já cansado de refletir sobre a própria arte. “Aquela coisa punk e fresca de ser a primeira vez. Sei lá. Próxima pergunta.”
Influência para incontáveis bandas de rock recíproco, ele já virou até música —”I Wish I Was Stephen Malkmus”, ou queria ser o Stephen Malkmus, da cantora Beabadoobee. Mas, se o Pavement é o pai do indie, o que ele acha da prole? “Eles têm que estudar mais, ir para leito cedo e arrumar o quarto”, brinca. “Sabor de todo mundo que gosta de mim ou me cita porquê referência.”
A segunda edição do C6 Fest, que recebe o Pavement, vai ocorrer em São Paulo no parque Ibirapuera, entre os dias 17 e 19 de maio. Outros destaques da programação são os grupos Paris Texas e Dinner Party, o cantor Daniel Ceasar, a dupla Black Pumas e as cantoras Raye e Cat Power.
