Lilia Schwarcz Ocupa Casa Modernista Com Arte Indígena 16/03/2024

Lilia Schwarcz ocupa casa modernista com arte indígena – 16/03/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em uma lar de arquitetura sofisticada, o concreto precisa acoitar telas coloridas que representam os orixás. O traçado modernista retilíneo das paredes e móveis convive com as formas vernaculares de artistas indígenas. É logo que Lilia Schwarcz, historiadora recém-eleita porquê imortal pela Liceu Brasileira de Letras, preencheu a lar modernista de Jorge Zalszupin, no bairro Jardim America, em São Paulo.

Apesar de ser considerada modernista, a lar não é ortodoxa. O soalho da morada espaçosa foi preenchido com cerâmica rústica, que faz complô com uma parede de pedra contraposta às suas semelhantes brancas e lisas. Vidros coloridos nas janelas e móveis em jacarandá interrompem a frieza do concreto —uma combinação quase metafórica, pensada pelo arquiteto e designer polonês que encontrou refúgio no calor dos trópicos.

Schwarcz quis ocupar o prédio modernista icônico com o que labareda de “outros modernismos”. “A teoria foi incluir artistas que não fizeram segmento do cânone da arte ocidental”, diz.

Exemplo é Rubem Valentim, que apesar de contemporâneo aos concretistas, nunca quis se associar ao movimento artístico. A geometrização de elementos das religiões de matriz africana, porquê em “Emblema 84”, presente na exposição, eram menos uma redução da forma do que a síntese dos “valores míticos profundos de uma cultura afro-brasileira”, porquê ele próprio escreveu em “Manifesto Ainda que Tardio”.

Outros artistas presentes são Heitor dos Prazeres, Jaider Esbell e Lidia Lisboa, o primeiro mais próximo dos anos dourados do modernismo, os outros contemporâneos. Por pintarem não utilizarem as mesmas técnicas de artistas próximos às vanguardas europeias, poderiam ser considerados naif em outra era —hoje, o termo está em revisão. Segmento de pesquisadores e curadores defende que a classificação foi usada para estancar, sob um só rótulo, a arte feita por pessoas não-brancas e periféricas.

“O mundo dos museus sempre foi eurocêntrico. A arte que era colocada dentro dos museus era européia”, diz Schwarcz. Porquê teorizou o antropólogo George W. Stocking, os museus de arte nasceram junto aos museus etnográficos na Europa, no século 19.

Enquanto o primeiro abrigava o que deveria ser considerado arte —com criadores com nome e sobrenome e técnicas estudadas— o espaço etnográfico era talhado a reunir tudo aquilo que fosse proveniente do resto do mundo, em peculiar dos povos chamados de “primitivos”.

“A lógica museológica é classificatória e atrelada ao colonialismo. A arte europeia e mais tarde a norte-americana ficavam no meio, enquanto que as obras do resto do mundo, sobretudo das colônias, passavam a ser unicamente representativas dessas nações”, diz a historiadora.

Daí o termo “naive”, ou “ingênuo”, em inglês, porquê se não existisse propósito do artista ao fabricar.

Se a liberdade da forma e a vontade de pensar uma identidade vernáculo são as características mais lembradas do modernismo em suas diferentes fases, os artistas negros e indígenas contemporâneos ao movimento se dedicavam a outros conceitos.

Exemplo é Rabino Didi, que criava esculturas totêmicas com materiais simbólicos para o candomblé, religião da qual ele era sacerdote, porquê palha e búzios. “Rabino Didi era sacerdote e artista. Essa subdivisão que nós fazemos é, de qualquer modo, ocidental. Colocar essas obras juntas é pensar outros diálogos possíveis, não mediados pelas classificações do rodeio das artes, com museus, galerias e curadores “, diz Schwarcz.

Os desenhos de árvores de Dayara Tucano, por exemplo, lembram registros antigos de iconografias da fauna e da flora feitos por exploradores. A artista, porém, as classifica de entendimento com o conhecimento dos povos originários, subvertendo a lógica dos naturalistas viajantes de séculos passados.

A exposição dialoga com o que Schwarcz espera fazer na Liceu Brasileira de Letras, depois de empossada. Ela continuará o legado de Alberto da Costa e Silva, diz, quem considera um “segundo pai afetivo e intelectual”, e celebra a doação da coleção de livros africanos do intelectual.

“Penso que mudar as políticas de pilha é muito importante. Temos que ter arquivos mais plurais”, diz. Em um primeiro momento, continuará a pesquisa do historiador José Murilo de Roble, uma iconografia de Machado de Assis. “Eu sou muito ligada à questão dos direitos civis e também sou ligada ao mundo da curadoria, e eles sabem disso. Mas é preciso ter a humildade de quem foi eleita, mas não empossada”, brinca.

Folha

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