As origens do preconceito contra nordestinos e a invenção de um Nordeste reduzido a seca, violência e fé são o tema de “Só Sei que Foi Assim”, obra de Octávio Santiago, que fala na Feira do Livro em São Paulo nesta segunda-feira.
O responsável, que nasceu em Natal, no Rio Grande do Setentrião, diz que a intenção do livro é provocar uma atualização necessária na imagem inventada sobre a região. “Belchior não estava inverídico. O Nordeste é mesmo uma ficção”, escreve.
O livro nasceu da pesquisa de doutorado de Santiago, na Universidade do Minho, em Portugal, traçando uma traço histórica do Brasil baseada em documentos, pesquisas acadêmicas, artigos de jornais e obras de arte para provar porquê o preconceito contra nordestinos foi estruturado e se espalhou por todo o país.
Ao iniciar a pesquisa, ele diz ter invento que seria um trabalho de ver entrelinhas. Foi o contrário. “Tudo está muito posto, de forma muito direta e sem nenhum constrangimento. Um dos artigos receita injeção de sangue europeu nos nordestinos, propondo uma política de neocolonização para tentar emendar a nossa genética. É tudo muito explícito”, diz.
Antes publicado porquê a região Setentrião do país, o Nordeste passou a viver oficialmente em 1919, quando o governo do paraibano Nilo Peçanha autorizou obras para regadura de terras para combater as secas na região.
Em 1923, porquê reação aos investimentos destinados para aquela segmento pouco conhecida do país, surgiu a série “Impressões do Nordeste”, do jornal O Estado de São Paulo, assinada por Paulo de Moraes Barros, que se refere aos nordestinos porquê uma “raça em formação”.
O livro argumenta que a prensa foi monotemática sobre o tópico. Segundo ele, o Nordeste é representado por um tripé de assuntos: a seca, a violência e o fanatismo religioso. Essa representação, guiada por estereótipos e reducionismos, é firmada por uma “legitimação pela arte”.
A seca, por exemplo, está representada na obra “Os Retirantes”, de Candido Portinari, que mostra o sertanejo esquálido, obrigado a transpor de sua terreno para sobreviver. A violência, na figura de Lampião, que simboliza o Nordeste formado por cabras-machos dispostos a matar e morrer em resguardo de seu território. Para o fanatismo religioso, um ícone é o filme “O Pagador de Promessas”.
Santiago aponta que os moradores da segmento sul do Brasil costumavam enxergar migrantes do Nordeste porquê “um problema vernáculo”, em contraste com o protecção talhado a imigrantes europeus.
“Era um processo de invalidar o envio de recursos e pejorar essa mão de obra. De irmãos do Setentrião em dificuldade, passamos a ser os indolentes, fanáticos, violentos, para os quais a União não poderia despender qualquer recurso. Houve uma mudança de tratamento.”
Ele narra porquê propagadores da eugenia estimularam o “embranquecimento” da sociedade brasileira ao nutrir o preconceito contra mestiços e pôr o europeu porquê protótipo a ser seguido. Santiago lembra que a Constituição de 1934 incumbia ao Estado a promoção da ensino eugênica no Brasil.
“Todas as mazelas da pátria eram creditadas à mestiçagem excessiva, que hoje, em teoria, é nosso orgulho vernáculo. Só que o mesmo processo de interação étnica que houve no Sudeste, o Nordeste também viveu”, afirma o responsável.
Santiago traz exemplos de autores que teriam impulsionado a maré de preconceitos, porquê o carioca Euclides da Cunha em “Os Sertões”, e daqueles que nadaram contra ela, porquê a cearense Rachel de Queiroz. Em 1988, ela julgou a presença do povo do Nordeste em São Paulo um roupa “irreversível” e defendeu que a roboração da “nordestinidade” era inadiável.
“As declarações de centena anos detrás, eu também encontro hoje. Portanto não é só uma estudo do pretérito, ela permite uma compreensão sobre o presente”, afirma Santiago. “O Brasil segue sendo racista, homofóbico, transfóbico, mas vem, lentamente, na procura de uma atualização. A gente já mudou muito. Com relação aos nordestinos não houve atualização.”
Os relatos reais do último capítulo do livro evidenciam isso. Um deles conta a história de um professor universitário no Paraná que, em seu primeiro dia de lição, viu um aluno ceder a disciplina pois, segundo trecho do livro, “só admitia um sotaque semelhante em locais porquê na cozinha da sua moradia ou na portaria do prédio onde morava”.
Segundo Santiago, desvalorização cultural, desqualificação profissional, apagamento intelectual, exotização e o mito do sotaque único são alguns estereótipos sustentados ainda hoje em produtos de largo alcance, porquê as novelas, perpetuando a imagem fabricada do Nordeste da seca, violência e fé. “Enquanto o Nordeste for enlatado porquê um só, nós caminharemos para o erro”.