Num olhar menos cauteloso, pode parecer que Aldo van Eyck, arquiteto holandês divulgado por ter desenhado centenas de playgrounds numa Amsterdã em reconstrução depois da Segunda Guerra, não tem a ver com Lina Bo Bardi, sua par italiana que, vivendo no Brasil a partir do final dos anos 1940, projetou o Masp, o Museu de Arte de São Paulo, e o Sesc Pompeia, outro ícone da cidade.
Mas dez textos de pensadores diversos reunidos no livro recém-lançado “Lina por Aldo” mostram que, apesar de terem vivido e atuado em continentes diferentes, havia vários pontos de convergência entre os dois. Esta é a tese medial dos organizadores da obra, Isabel Diegues, diretora editorial da editora Cobogó, e Jorn Konijn, diretor do museu de arquitetura e urbanismo Van Eesteren, em Amsterdã.
O principal ponto em generalidade não eram os desenhos na prancheta, mas a filosofia por trás deles —ambos os arquitetos pensavam que suas construções deveriam servir ao público. A teoria da cidade porquê um lugar de encontros e da geração de espaços onde isso pudesse suceder era rosto aos dois, diz Diegues. Konijn acrescenta que a arquitetura, para eles, “deveria produzir o sentido para que as pessoas se sintam pertencendo a qualquer lugar”.
Lina e Aldo realizaram as suas visões de coletividade em estruturas muito distintas. Contratado pela prefeitura de Amsterdã, o holandês construiu parques de diversões para crianças com grandes caixas de areia, brinquedos de tubos de metal e pequenas plataformas circulares de concreto. Seus playgrounds eram compostos de elementos abstratos —barras retas ou curvas que estimulavam novas maneiras de recrear—, não dos tradicionais escorregador e gangorra.
Em São Paulo, Lina criou o vão livre sob o volume suspenso do Masp, um espaço de socialização sincero para a rua e para o qual desenhou —porquê lembra num dos textos do livro seu biógrafo, Francisco Perrota-Bosch— um parquinho com carrossel e escorregadores, que não chegou a trespassar do papel.
Ela também capitaneou a reforma da fábrica de tonéis que se tornou o Sesc Pompeia, um meio de esportes e atividades culturais com uma rua interna onde as pessoas se cruzam, uma livraria, um teatro e áreas de estar com mesas e sofás que convidam ao contato e à convívio com o outro.
São Paulo porquê um lugar de trocas, não de isolamento e separação, era a leitura que Lina fazia da metrópole, afirma a organizadora do livro. Na Holanda, Aldo estimulava o olhar dos moradores para Amsterdã de maneira criativa e brincalhona, um estado de permanecer ingênuo e usar a fantasia para viver o cotidiano, acrescenta Konijn, o outro editor do livro.
Aldo e Lina eram da mesma geração —ele morreu em 1999, aos 80 anos, e ela, no início daquela dezena, aos 77. Eles se conheceram em vida, quando o holandês esteve em São Paulo em 1969 e almoçou na Lar de Vidro, residência de Lina e de seu marido, o diretor do Masp à era, Pietro Maria Bardi. O cardápio da repasto, escreve no livro Marcelo Ferraz, ex-assistente de Lina, foi camarão afogado em gelatina de mocotó escoltado de pinga com limão.
Aquele encontro durou unicamente algumas horas, e os dois não mantiveram contato depois. Décadas mais tarde, todavia, depois a morte de Lina, Aldo viu uma exposição sobre o trabalho dela em Londres e ficou obcecado. Ele passou os últimos dez anos de vida pensando em Lina, de modo que articulou uma mostra sobre o trabalho da arquiteta na Universidade de Delft, na Holanda, e gravou um documentário para a TV holandesa sobre os projetos da italiana em São Paulo e Salvador.
Para a gravação do programa, em 1996, Aldo veio ao Brasil e visitou as obras da arquiteta com um cinegrafista, ocasião em que andou com uma câmera tirando fotos compulsivamente do Masp, do Teatro Oficina, do Sesc Pompeia e do Solar do Unhão. As imagens da expedição, intercaladas entre os capítulos do livro, mostram um senhor sorridente que parece ter encontrado uma mana na forma de pensar.
Naquela era, Aldo andava desgostoso com as construções monumentais que pipocavam nas grandes cidades, e costumava criticar a grandiosidade dos projetos de Rem Koolhaas, nome representativo do período. Por fim, as estruturas faraônicas de seu conterrâneo eram o oposto da arquitetura de graduação humana que ele prezava.
“Quando Aldo redescobriu o trabalho da Lina, no início dos anos 1990, ele viu o tipo de arquitetura que representava os seus ideais”, diz Konijn. “Teve ciúmes ou orgulho dela. Ele viu a arquitetura que queria erigir mas nem sempre conseguiu.”