Partindo do assassínio brutal do norte-americano George Floyd, varão preto morto em ação policial em maio de 2020, o livro “O Jogo das Ruas: Movimento de Atletas contra o Racismo”, de Gianluca Florenzano, conta porquê se deu a mobilização de esportistas de diferentes modalidades contra o preconceito racial nas semanas e meses que se seguiram ao incidente nas ruas de Minneapolis. E aborda também o que ocorreu antes.
Com uma traço do tempo traçada desde as leis Jim Crow, que relegavam os afrodescendentes aos guetos afastados dos centros urbanos, passando pelo movimento da luta pelos direitos civis liderado por Martin Luther King, a obra do jornalista e rabi em ciências sociais pela PUC-SP chega até os dias de hoje retratando a subida do movimento “Black Lives Matter” (“Vidas Negras Importam”) e a voz ativa dos esportistas em resguardo da culpa. “Estávamos diante de um momento histórico que precisava ser documentado”, diz Florenzano.
Dando prosseguimento ao gesto histórico dos Panteras Negras feito por Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos de 1968, nomes de peso se posicionaram pelas redes sociais e participaram das passeatas que tomaram as ruas dos Estados Unidos e de outros países.
LeBron James, do basquete, Lewis Hamilton, da Fórmula 1, e Naomi Osaka e Coco Gauff, do tênis, são exclusivamente alguns dos mais conhecidos. Antes mesmo da subida do “Black Lives Matter”, já era um caso emblemático o de Colin Kaepernick, ex-quaterback do San Antonio 49ers.
Kaepernick foi quem deu início ao ato simbólico de se ajoelhar durante a realização do hino pátrio antes das partidas da NFL (liga profissional de futebol americano dos EUA), em protesto à morte da população negra. Uma vez que represália dos donos das equipes da liga de futebol americano, Kaepernick viu as portas se fecharem em 2016 e não conseguiu prosseguir a curso.
“A luta contra o racismo é contínua, e, quanto mais atletas se engajarem, mais fortes seremos”, afirma Florenzano, acrescentando que o temor do impacto financeiro foi uma das principais razões para que muitos outros esportistas tenham preposto manter-se em silêncio.
O engajamento do meio esportivo, no entanto, cresceu. Diante da pressão dos atletas e do público, quadras de basquete e campos de futebol americano se converteram em zonas eleitorais nas eleições de 2020 nos Estados Unidos, quando o democrata Joe Biden venceu por margem apertada o republicano Donald Trump.
O ex-presidente foi uma voz que se colocou contra o movimento, recebendo o esteio de secção de sua base eleitoral —pessoas que viam com indignação, por exemplo, a proibição das bandeiras dos Estados Confederados nas corridas da Nascar.
Chegando ao Brasil, o livro recorda as manifestações que ocorreram pelas cidades do país, somando-se à culpa da população negra algumas reivindicações locais —porquê contra o governo de Jair Bolsonaro e a política negacionista em relação à pandemia.
Segundo o sociólogo espanhol Manuel Castells, citado no livro, “ver e ouvir protestos em qualquer outro lugar, mesmo que em contextos distantes e culturas diferentes, inspira a mobilização, porque desencadeia a esperança da possibilidade de mudança”.
A obra retrata ainda o posicionamento de jogadores brasileiros que sofreram preconceito dentro das quatro linhas, porquê os atacantes Marítimo e Nikão e o goleiro Aranha, e o caso de treinadores negros que, apesar de vitoriosos, não conseguiram ampliar seu espaço.
O livro, por término, lembra a série de episódios de racismo sofridos pelo atacante Vinicius Junior na Espanha —a lista inclui comentários preconceituosos em programas esportivos, gritos de “macaco” proferidos por torcidas adversárias e uma simulação de enforcamento de um boneco com sua camisa do Real Madrid.
Segundo a pesquisadora e colunista da Folha Djamila Ribeiro, políticas públicas de ações afirmativas tais porquê investir na valorização da estética negra, ampliar o entrada da população negra a uma ensino de qualidade e aumentar o número de afrodescendentes nas redações dos jornais são alternativas para combater o racismo no esporte e na sociedade de forma universal.
Embora a luta ainda esteja longe do término, o livro mostra que a morte trágica de George Floyd, que tinha 46 anos quando foi assassinado, representou um marco nessa direção. “O papai mudou o mundo”, resumiu Gianna Floyd, filha de George Floyd, que tinha seis anos quando perdeu o pai.