Livro Sobre A Globo Detalha Alinhamento Com A Ditadura

Livro sobre a Globo detalha alinhamento com a ditadura – 04/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Há muitas maneiras de descrever a história da Orbe, que comemora 60 anos em abril de 2025. O jornalista Ernesto Rodrigues escolheu submergir nos arquivos da própria emissora, o Memória Orbe, acessando 400 depoimentos, em sua maioria inéditos, de funcionários das áreas de jornalismo, dramaturgia, entretenimento, esportes, mercantil e institucional, com lembranças sobre episódios que testemunharam.

Acrescentou à pesquisa muro de 60 entrevistas com figuras relevantes da história da emissora, incluindo executivos atuais e do pretérito, além de seis horas de conversa com os três filhos de Roberto Marítimo, o fundador da empresa. E assegurou, em contrato assinado com Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marítimo, que o chegada totalidade aos depoimentos inéditos, muito porquê o teor do livro, não passaria por supervisão editorial de qualquer instância do Grupo Orbe.

O resultado é “A Orbe”, que será publicado em três volumes, com quase 2.000 páginas no totalidade. O primeiro volume, “Supremacia: 1965-1984”, está saindo agora. Os outros dois, “Concorrência” e “Transformação”, serão lançados no ano que vem.

É oriundo que o leitor imediatamente se pergunte —mas é um livro crítico ou “placa branca”? Em entrevista à Folha, Rodrigues diz: “Não acredito em imparcialidade jornalística. Acredito em enriquecer com o supremo de sinceridade provável uma história. E foi o que eu tentei fazer. Fica evidente que dou voz a todas as pessoas que odiavam a Orbe, tanto na extensão acadêmica quanto jornalística. Mas, ao mesmo tempo, dou voz às pessoas que fizeram a Orbe”.

Ex-ombudsman da TV Cultura por dois anos e professor de jornalismo por uma dez, Rodrigues considera importante transfixar o primeiro volume relatando que trabalhou por 14 anos no jornalismo da Orbe, ocupando vários cargos de chefia, até ser despedido em consequência de um erro grave que cometeu.

Em maio de 1999, o jornalista determinou a ingressão no ar de um boletim ao vivo de Sandra Annenberg noticiando a morte de João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, mas o ex-atleta não tinha morrido. Ele morreu 11 dias depois. “Não questionei a legitimidade da minha exoneração. Jornalismo, eu sempre dizia para os alunos, é coisa séria”, diz.

O livro começa, porquê não poderia deixar de ser, com a descrição dos muitos percalços que a Orbe enfrentou nos seus meses iniciais. “Um sinistro lindo”, nas palavras de Roberto Irineu. Problemas técnicos, baixíssima audiência, programação fraca, uma “barafunda”, segundo Walter Clark, que assumiu a direção universal em dezembro, oito meses em seguida a inauguração.

Rodrigues acrescenta poucas novidades sobre o entendimento que Roberto Marítimo assinou com o grupo americano Time-Life, um aporte milionário de recursos que foi fundamental para a geração da emissora e se tonou objeto de uma CPI no Congresso. Sob potente ataque de Assis Chateaubriand, proprietário da concorrente Tupi, o entendimento também foi bombardeado pelo portanto governador da Guanabara, Carlos Lacerda, rompido com Marítimo.

Para logro do proprietário da emissora, seus dois irmãos, Ricardo e Rogério, que eram sócios no jornal O Orbe, desistiram de participar do negócio da TV e, pior, ficaram do lado de Lacerda. “Foi a primeira vez que papai se indispôs com os irmãos”, conta Roberto Irineu.

A proximidade de Marítimo com a ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985 é um tema que percorre todo o primeiro volume. São várias as questões abordadas, buscando mostrar que, diferentemente da teoria de que o empresário abraçou de forma incondicional o regime, foi uma relação complexa, contraditória e tensa.

Rodrigues classifica a relação porquê de “subserviência imposta”. É um termo complicado, porque “subserviência” é uma “submissão voluntária”, porquê diz o Houaiss. Ou foi imposta ou foi voluntária.

Um caso revelador é o do programa Ordem do Dia, exibido pela Orbe, em Brasília, de segunda a sexta, entre julho de 1968 e janeiro de 1971, às 21h45. O noticiário, com textos de base entusiasmado à ditadura, era apresentado pelo coronel Edgardo Erickson, que andava armado dentro da emissora.

Nas palavras de Rodrigues, o militar ocupava o “cargo-fantasia de diretor do Departamento de Relações Públicas”. O teor editorial do seu programa não passava pelo crivo de ninguém dentro da Orbe, incluindo Roberto Marítimo.

Rodrigues lembra que Walter Clark, em sua autobiografia, diz que Erickson e o coronel Paiva Chaves, solene do Tropa que se tornou um executivo importante da Orbe, “foram contratados com a função de fazer a ponte entre a emissora e o regime”.

O cinegrafista Chucho Narvaez, que trabalhou no programa de Amaral Netto, revelou que “ajudava” Erickson, sem explicar exatamente porquê, acrescentando que o coronel “tinha trânsito com o presidente da República” e intervinha “quando a Orbe tinha problemas com a Increpação”.

A repórter Marilena Chiarelli, uma das testemunhas da intimidação armada diária de Erickson dentro da emissora, contou ao Memória Orbe: “Aquele senhor policiava até as coisas que a gente escrevia, sem que a gente soubesse até onde ia o poder dele ou quais eram as relações dele. E andava armado até no estúdio. Era opressivo, de dar calefrio”.

Rodrigues reproduz um pedido de Armando Nogueira, diretor de jornalismo, a Roberto Marítimo, para alongar Erickson. O empresário responde dizendo que temia perder a licença da emissora e observa: “Sabe o que pode suceder? É o Erickson voltar em quinze dias, não em Brasília, mas em rede vernáculo”.

Já o coronel Paiva Chaves, que trocava a farda pelo terno no coche, no trajeto entre o 1º Tropa e a Orbe, classificou porquê “difusa” as suas funções na Orbe, na intermediação entre os interesses da direção da emissora e os dos chefes militares. Segundo Rodrigues, o militar tinha o sobrenome de “Maçaneta”, pela capacidade de transfixar portas poderosas para a Orbe.

Ao longo de 672 páginas, Rodrigues enfileira centenas de histórias saborosas, curiosas ou surpreendentes sobre as primeiras duas décadas do meato. O livro descreve os bastidores sobre a geração de programas jornalísticos até hoje no ar —porquê Jornal Vernáculo e Fantástico—, a implantação do departamento de teledramaturgia e as novelas de maior sucesso no período, a influência da extensão de humor e dos musicais, além de detalhar as muitas crises e erros causados pelo alinhamento da emissora com o governo militar, culminando na cobertura das Diretas Já, um dos maiores fiascos da emissora.

Ao falar da fábrica de novelas, Rodrigues aborda um tema quebrável, o que ele labareda de “escola do grito”, os diretores que impunham suas vontades de forma agressiva e autoritária. Com base nos depoimentos do Memória Orbe, o livro cita nominalmente Walter Avancini, Daniel Rebento, Paulo Afonso Grisolli, Paulo Ubiratan, Herval Rossano, Ricardo Waddington e Luis Fernando Roble.

Sobre Avancini, escreve: “Um dos mais temidos de uma geração de diretores cujos métodos autoritários e às vezes truculentos dirigidos principalmente às mulheres inspiraram mitos e produziram episódios de drama e temor, além de uma espécie de masoquismo profissional que foi voga nos estúdios da Orbe ao longo dos anos, pelo menos até o compliance e as políticas contra assédios de toda espécie serem implantadas pela emissora a partir dos anos 2010.”

Um segmento importante do livro detalha o movimento que os herdeiros de Roberto Marítimo fizeram para solidificar suas posições na emissora, implicando num longo processo de esvaziamento do poder de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. “Com a saída de cena do Roberto Marítimo, os filhos entendem que tem que tomar conta da empresa, e quem mandava na empresa era o Boni. Marluce Dias da Silva, que o substituiu, foi um instrumento dos irmãos Marítimo para ir esvaziando e enxugando o Boni até ele trespassar”, diz Rodrigues.

Questionado pela Folha sobre qual é, na sua visão, a tributo deste livro, Rodrigues diz: “Não acredito que o livro vá mudar a opinião de ninguém, mas é uma tributo da qual tenho muito orgulho para um debate um pouco mais realista, mais leal aos fatos, menos armado, do ponto de vista ideológico”.

E conclui: “Que as pessoas se reencontrem com a Orbe verdadeira, que mexeu com a vida de todos nós, queiramos ou não, ao longo de seis décadas. Não estou em procura de mocinhos e bandidos. Têm pessoas que tomam atitudes edificantes em alguns momentos e atitudes nem tão edificantes em outros, em todas as áreas, inclusive jornalismo e entretenimento”.

Folha

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