Lollapalooza se rende ao tiktok, mas há shows que valem

Lollapalooza se rende ao TikTok, mas há shows que valem – 30/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em notório momento de seu show no Lollapalooza, evento que foi da última sexta-feira até levante domingo, em São Paulo, o cantor Benson Boone parou para conversar sério com a plateia. Contou a história de uma música que o ajudou num momento difícil e disse que, embora amasse seu celular, preferia que quem o estava vendo guardasse o aparelho. “Eu sou um performer”, ele disse. “Me deixem performar para vocês.”

O público, que estava de frente para um artista que estourou justamente via tela de celular, com a filete “Beautiful Things” espalhada por perfis do TikTok, não gostou da teoria. Pouco a pouco, milhares de lanternas se acenderam, erguidas para o superior, e outros telefones foram levantados para gravar aquelas luzes que causavam um efeito bonito no palco do Autódromo de Interlagos.

A cena diz bastante sobre esta edição do Lollapalooza. O evento americano desembarcou há 13 anos em São Paulo com uma proposta de abastecer o Brasil com uma fatia opção da música que ainda não tinha um festival para invocar de seu por cá.

Agora, num mundo regido por algoritmos, faz concessões a eles para atrair público e tentar vender ingressos. É proveniente que o festival tente se adequar aos tempos modernos, mas, à maneira que foi feito na edição de 2025, não dá para proferir que funcionou.

Na prática, o evento montou um line-up pouco empolgante, com seu miolo preenchido por atrações que tiveram uma grande música que explodiu há um ou dois anos no TikTok, nas “trends”.

Foram os casos de Boone, que fez um show tecnicamente bom, mas com pouca personalidade; Tate McRae, que entregou muito mais na dança que nos vocais, e também de nomes menores, porquê Nessa Barrett e Artemas —todos com milhões de “plays” na manga.

Suas apresentações empolgaram em níveis variados o público, mas todas tiveram plateias menores do que artistas que tocaram nas mesmas faixas de horário em edições anteriores.

Não é que a geração desses artistas careça de ídolos —e levante mesmo Lollapalooza mostrou o contrário. Olivia Rodrigo, Girl in Red, Parcels e The Marías, para lembrar alguns, fizeram shows que conseguiram gerar a atmosfera clássica do evento, com clima de que um pouco verdadeiro acontecia ali.

A primeira delas, aliás, fez a apresentação mais lotada da edição, que energizou o autódromo na fatia mais roqueira e deixou uma legião de adolescentes aos prantos nas partes melódicas. O melhor exemplo, no entanto, ficou escondido no menor palco.

Na tarde do último dia, a dupla argentina Ca7riel e Paco Amoroso fez o show mais interessante da edição —e a curso de ambos decolou justamente neste ano, no TikTok, com cortes de sua apresentação no projeto americano TinyDesk, do YouTube, rodando a plataforma chinesa. Não é porquê se esses artistas estivessem inventando a roda —eles somente não soam porquê um pastiche.

Na produção de música atual, há nomes bem-sucedidos que não passam no filtro do TikTok, porquê há outros tantos que são febre nos vídeos curtos mas não passam no filtro do palco. Isso não tem só a ver com técnica, mas com o impacto causado nas plateias —a capacidade de prender a atenção por mais tempo.

A sentimento no Lollapalooza foi a de que o recorte desses artistas gestados nas redes sociais não tem identidade artística o suficiente para resistir a outro filtro mais criterioso —o do tempo. Nesse sentido, o evento teve shows de músicos com obras que se mantêm poderosas no palco.

Alanis Morissette fez um dos melhores shows desta edição do Lollapalooza sem muitas estripulias, somente no gogó e no repertório fundamentado no disco “Jagged Little Pill”, de 30 anos detrás. Ela soou espontânea porquê se estivesse tocando com amigos na garagem, e isso foi suficiente para segurar a plateia de milhares de pessoas.

Marina Lima, a artista brasileira de mais cacife a tocar nesta edição, mostrou versões repaginadas de seus clássicos e convidou Pabllo Vittar, numa apresentação que merecia ter ganhado um horário mais à sua fundura.

Justin Timberlake, que encerrou o evento no domingo, foi outro que surpreendeu —embora não tenha lançado zero de relevante desde 2016. Fez um show com repertório de calibre, que ajudou a relembrar a história de um pop feito em outros tempos.

No mesmo dia, Tool e Sepultura fizeram do Lollapalooza um refúgio da música pesada. A filarmónica americana estreou no Brasil com um show consagrador para uma plateia que parecia viver o melhor momento de sua vida. Já os brasileiros, em despedida, deram uma surra de decibéis enquanto o público não parava de pular nas rodinhas de bate-cabeça.

Quando foi criado nos Estados Unidos nos anos 1990, o Lollapalooza surgiu do caldo da música opção que despontava. Aquela dez foi marcada por uma quebra do pop superabundante da dez de 1980, substituído por uma música despojada e heterogênea —o guarda-chuva “recíproco” vem justamente da dificuldade de rotular a produção.

Tanto que, até hoje e mesmo no Brasil, o festival não se limita a somente um ou outro gênero músico, ainda que trabalhe mais diretamente com rock, pop, rap, eletrônico e as suas adjacências.

Ao longo dos anos, lá fora e cá, o Lollapalooza se tornou uma marca gigante e de poderoso apelo mercantil, e passou a escalar artistas do mainstream insosso até para aplacar a urgência de desovar sua fardo de ingressos.

Agora, o Lollapalooza precisa mourejar com um novo tipo de mainstream, artistas que se popularizam impulsionados pelos algoritmos. Essa tamis parece mais homogeneizante quando comparada com as dinâmicas de rádio, MTV e da internet nos anos 2000.

Se a teoria era aproveitar a popularidade do dedo para vender ingressos, não deu tão notório. O autódromo pareceu mais vazio que em anos anteriores, em privativo no sábado, quando Shawn Mendes encerrou a programação com um show valoroso para uma plateia com a mesma propriedade de praticamente todas as outras desta data —espaçada e tímida.

Nem mesmo as ações de patrocinadores, que via de regra geram filas nesses megafestivais atuais, estiveram muito prestigiadas.

Para os próximos anos, fica o duelo de porquê o Lollapalooza vai se posicionar diante deste cenário, que inclui também o dólar superior, travanca na contratação de estrelas internacionais e fator de aumento no preço dos ingressos.

Há margem para melhora. Um autódromo menos lotado gera uma experiência mais confortável. Se não for para vender ingressos a qualquer dispêndio, que pelo menos as atrações estejam mais alinhadas ao DNA do festival —heterogêneo e recíproco, em procura de um pouco que não vá ser engolido pela próxima “trend”.

Folha

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