Lucélia Santos E Helena Atualizam A Peça Vestido De Noiva

Lucélia Santos e Helena atualizam a peça Vestido de Noiva – 30/10/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Amarelado, mas ainda bonito, o traje de consórcio usado pela mãe de Lucélia Santos deixou o armário para receber cuidados para preservar a relíquia. Reavivou na atriz, também, um velho libido —montar um dos principais textos da nossa dramaturgia, o “Vestido de Prometida”, de Nelson Rodrigues.

“Precisa ser uma equipe de mulheres”, diz Lucélia, aos 67 anos, que de subitâneo recorreu à atriz e cineasta Helena Ignez, de 82, para guiar o espetáculo. Um ano depois da cena caseira, envolta em recordações maternas, Lucélia sobe aos palcos na montagem que estreia nesta sexta-feira (25) no Teatro Anchieta, no Sesc Consolação.

Agora, em meio a projeções e uma atenção maior à temática do feminicídio, é Clessi, entre as personagens rodrigueanas, quem labareda mais a atenção, representada uma vez que uma mulher de vida livre, vítima da incompreensão e da inveja da sociedade —e não uma vez que a cafetina afrancesada eternizada historicamente.

A narrativa segue dividida em três planos, com ações simultâneas em tempos diferentes —uma revolução cênica quando a peça estreou, em 1943, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a direção de Zbigniew Ziembinski.

Os planos são divididos em verdade, memória e alucinação e mostram a protagonista, Alaíde —papel de Djin Sganzerla— vivendo uma trágica história de paixão com Pedro —Jiddu Pinho— e tendo a mana, Lúcia —Simone Spoladore—, uma vez que rival. A saga de Alaíde se entrelaça com a de Madame Clessi, que a ajuda a reorganizar a mente convulsionada posteriormente um atropelamento.

“Eu sempre amei essa peça”, diz Lucélia, uma das maiores especialistas na obra de Nelson Rodrigues, já tendo encarnado algumas de suas personagens mais complexas, uma vez que a Maria Cecília de “Bonitinha, mas Ordinária ou Otto Lara Resende”, o papel-título de “Engraçadinha”, e a Gloria de “Álbum de Família” —só para reportar três filmes de 1981. Estudou Nelson a vida toda, inclusive promovendo saraus para jovens atores.

Para ela, “Vestido de Prometida” é uma tragédia universal sobre a relação do ser humano com a morte. Com uma longa trança e estilo “meio cigana”, a Clessi atual é mais “bandida” que em encenações anteriores, segundo a atriz.

“Eu não sei porque fizeram a Madame Clessi estrangeira [em outras montagens]”, diz Helena. “Nelson Rodrigues não diz zero disso. Outras atrizes a fizeram com sotaque. Não paladar disso. Acho que ela é mais perto da gente.”

Figura mediano que atravessou o cinema novo com Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade até os ditos marginais, protagonizando as obras-primas de Rogério Sganzerla e Julio Bressane, a baiana guarda um recorte da revista “A Moça da Envoltório” em que Nelson parece prever, em um texto, o porvir “underground” da moça de sorriso fácil.

“Talvez exista por trás de sua perdão ligeiro e frívola uma espírito profunda”, escreveu o dramaturgo em 1963, quando Helena atuava em teatro, cinema e televisão. “Assim a artista da capote leva, na músculos e na espírito, dois nomes tristes —uma vez que um presságio, uma vez que um fado.”

É uma vez que se a relação dos dois tivesse começado no pretérito para ser consolidada agora, com a diretora levando ao teatro uma sátira sem perdão à sociedade burguesa. “Ninguém ali se salva. Jovens, velhos, homens, mulheres. Todos os personagens são contemporâneos.”

Simone Spoladore também é íntima de Nelson e Helena, com quem já fez quatro filmes. No cinema, viveu Alaíde em uma versão de “Vestido de Prometida” dirigida por Joffre Rodrigues, rebento do responsável, além de ter participado de oficinas televisivas sobre a série de contos “A Vida uma vez que Ela É”. “O Nelson é meio uma Clarice Lispector. Eles ficam na nossa vida durante muito tempo, a gente sempre revisita”, diz.

Além da troca de personagem, quase 20 anos separam a experiência da atriz com um dos textos mais famosos do jornalista, um período que trouxe transformações pessoais e profissionais. “Eu acho que a gente vai perdendo o pudor ao longo da vida. Vai ficando mais perto das nossas emoções mais primitivas. Essa sordidez dos personagens, acho que talvez seja mais fácil de acessar agora do que naquela quadra.”

Tradutor de Alaíde, Djin Sganzerla, filha da diretora com Rogério Sganzerla, estreou uma vez que atriz, dirigida por Antônio Abujamra, no espetáculo “O que É Bom em Sigilo É Melhor em Público”, inspirado em crônicas de Nelson Rodrigues. Tinha 19 anos e lembra que submergir na obra do dramaturgo mudou a sua vida.

“Foi um processo transformador”, diz. Abujamra levava pesquisadores para conversar com o elenco, que teve a oportunidade de se aprofundar nos temas e na vida do responsável.

As sutilezas de Alaíde no trânsito entre real, loucura e memória chamam a atenção de Djin, que vê a personagem uma vez que uma mulher que poderia ser qualquer uma de nós, com as fragilidades, as carências e o libido de ser dulcinéia. “É lindo uma vez que o Nelson traz isso, as perturbações, as fissuras na espírito que ela tem em relação à mana, essa urgência da disputa. É a disputa, a loucura que move, faz a engrenagem marchar.”

A atriz labareda a atenção para o caráter cinematográfico da dramaturgia, que ganha ainda mais destaque na encenação atual. O diretor de vídeos André Guerreiro Lopes captou imagens no cemitério da Consolação, belo e decadente, para inventar as cenas, por exemplo.

Elas emprestam trova e, ao mesmo tempo, um ar fatídico ao espetáculo, que usa a técnica de video mapping, projeção de imagens sobre superfícies usada usada para produzir narrativas audiovisuais.

No processo de montagem, Djin prefere ver a mãe somente uma vez que diretora, sem levar a intimidade familiar para os ensaios. Fora de cena, afirma que Helena é um farol. “A forma uma vez que ela conduz a vida para mim sempre foi uma referência.”

Com Lucélia, a aproximação vem da assombro que a atriz e a diretora declaram ter uma pela outra, o que incluiu as posições políticas e ambientais adotadas por ambas.

Mundialmente conhecida uma vez que a personagem principal de “Escrava Isaura”, romance de 1976, a atriz faz críticas à teledramaturgia atual, da mesma forma que outros veteranos da televisão. “Acho que a teledramaturgia não está se comunicando com a população, uma vez que sempre se comunicou”, diz. “Eu nunca fiz uma romance com menos de 65 pontos de audiência.”

Eram outros tempos, sem a concorrência do streaming. Uma quadra em que um único personagem era capaz de marcar para sempre a curso de uma artista.

Até hoje, Isaura leva Lucélia a percorrer o mundo. Em 2018, por exemplo, viajou pela Ucrânia ao lado do jornalista Dimitri Komarov, lançando um filme sobre o Brasil em que um dos destaques é o sucesso da personagem. Recentemente, Lucélia recebeu um invitação para ciceronear um grupo de turistas que vem do Cazaquistão e quer passear ao lado dela no Rio de Janeiro.

Para a tradutor de Madame Clessi, a montagem de “Vestido de Prometida” é próprio também porque marca a sua volta ao Teatro Anchieta, onde estreou aos 14 anos, com a peça infantil “Do Chicote Mula Manca e seu Companheiro Zé Chupança”. “Estamos indo para lá com uma peça que passei a vida inteira querendo fazer.”

Folha

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