Luiz Carlos Da Vila: Disco Inédito Retoma Sambista Popular

Luiz Carlos da Vila: Disco inédito retoma sambista popular – 08/07/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Tomara que entre no disco. Vou permanecer todo feliz, e minha mãe também”. O gaiato gracejo que se ouve na gravação é dito por Luiz Carlos da Vila, num recado para o cantor Augusto Martins. O compositor apresentava ao colega “Outras Bandas”, samba que tinha completado de fazer.

A fala e a melodia são agora recuperadas em “Coisas Guardadas pra Te Dar”, álbum de Augusto e Cláudio Jorge que reúne 12 músicas inéditas de Luiz Carlos, morto em 2008. Duas músicas serão lançadas porquê single no dia 21 de julho, data em que o compositor faria 75 anos. O álbum completo está previsto para chegar às plataformas até o término de 2024.

“Outras bandas” abre o disco e traz a voz de Luiz Carlos —da gravação caseira na qual ele mostrava a melodia— junto às vozes de Augusto e Cláudio. O trio passeia com perdão pela letra que malandramente se equilibra na indefinição da situação do personagem: “Não se sabe de vestuário se de vestuário é”; “Dizem que ele tá por dentro/ Dizem que por dentro há/ Num totalidade centena por cento/ De chance de ser/ Ou de ser que não tá”.

Com a natureza do malandro que ginga sempre entre o lá e o cá, Luiz Carlos não está ao mesmo tempo em que está profundamente presente em “Coisas Guardadas pra Te Dar”. “Não parece um tributo. É um disco que ele estaria fazendo hoje”, diz Cláudio. “E, para quem acredita nessas coisas, e eu acredito, tem o dedo dele mesmo nessa paragem. Com certeza ele fez o disco ali com a gente.”

A teoria nasceu porquê sequência de outro disco que Augusto e Cláudio haviam feito em 2015, devotado a Ismael Silva. Decidiram dali desdobrar uma série, “gravando sempre um compositor carioca, preferencialmente preto”, porquê explica Cláudio. Luiz Carlos, colega de ambos, foi uma escolha originário —já existe o projeto do terceiro homenageado, que eles preferem não revelar.

O primeiro passo foi conversar com Maiana Baptista, filha de Luiz Carlos e guardiã de seu ror, com o qual ela tem intimidade desde o momento do promanação das canções. Isso porque era ela quem digitava as letras que o compositor escrevia invariavelmente a lápis. Augusto e Cláudio marcaram portanto de um dia conferir o baú do artista. Na visitante, se viram mergulhados em seu universo, com a recepção preparada pela viúva Jane Pereira.

“Irmão, você não tem teoria”, lembra Augusto. “Tinha quatro travessas de comida, com quatro temas diferentes. Bacalhau, rabada, um escondidinho de um negócio de camarão…”. Cláudio completa: “Uma comidaria”.

A vocábulo, que designa um tipo específico de festim popular, guarda um tanto do viés suburbano da trova de Luiz Carlos —ele carregava no nome a Vila da Penha, onde morou grande segmento da vida. O termo aparece numa das inéditas do disco, a biográfica “A Sarau da Penha”: “O pic-nic e aquela comidaria/ Os namorados, primavera, muito paixão/ Minha mãe jogando peteca/ Moça levada da breca/ Que me fez compositor”.

Assim porquê “Outras Bandas”, “A Sarau da Penha” é uma das três inéditas que Luiz Carlos assina sozinho. Mas o disco é repleto de parcerias, com artistas de ambientes diversos. Além do próprio Cláudio (em “Eterna Parábola” e “Eu Vim pra Te Amar”), a lista de parceiros inclui Celso Viáfora (“Agnus Dei” e “No Meio da Ponte”); Moacyr Luz (“Pipa Avoada”); Alessandro Cardoso e Silvério Pontes (“A Dona”); Luiz Carlos Supremo (“Certeza”); Miltinho e Sérgio Farias (“A Regra do Jogo”); Wanderley Monteiro (“Sem Meio Sem Termo”).

O repertório deixa evidente que a trova de Luiz Carlos é enraizada na vivência suburbana carioca, porquê quando afirma que “até a Santa Ceia acabou num pagode de mesa”. Ou quando usa, numa melodia de paixão, o vocabulário do universo da pipa. Ou quando visitante a atmosfera do desfile carnavalesco para falar do aprendizagem da vida: “A base de uma parábola/ Não serve exclusivamente pra um carnaval”.

Mas sua escrita não se limita ao território suburbano. Sua poética é vasta. Nas canções, ele cria imagens ao mesmo tempo líricas e inusitadas, em versos porquê “Rastejei no Solo Lunar”, ou em rimas porquê “Por que Deus/ Permitiu que eu cantasse pneus?”, ou ainda em neologismos porquê “desluzir”.

“Eu acho que esse disco traz o Luiz pro lugar em que ele tem que ser visto”, diz Augusto. “Na sua completude, na sua complicação, na sua sofisticação. Ele era um varão do povo, um poeta popular. Mas sisudo, ilustrado mesmo, no sentido mais largo da vocábulo. Ele visitante outros autores, ele visitante a valsa, ele visitante a MPB.”

Cláudio acrescenta que “é um pouco mais do que ele visitar. Eu acho que essas coisas todas visitavam o Luiz Carlos. O habitavam. Porque ele era realmente esse poeta muito lhano”. Uma rombo que permitiria que ele fosse um plumitivo, na visão de Cláudio.

“Mas seu espírito livre, que sempre o levava para a rua, não deixava que ele se sentasse à mesa para ortografar. A escrita de Luiz era sofisticada, mas uma sofisticação negra, suburbana. Se tivesse se devotado a ortografar livros, estaria na mesma família de um Lima Barreto, de um Nei Lopes. Acrescida de uma loucura artística, com suas imagens poéticas o aproximando de um Salvador Dalí.”

Os arranjos, de poucos elementos, procuram valorizar exatamente a trova de Luiz Carlos. A base do disco é toda tocada por Augusto e Cláudio, com percussão ligeiro em diálogo com violão —e guitarra, presente em duas faixas. O único músico convidado do álbum é o gaitista Israel Meirelles, que aparece em “A Regra do Jogo”.

Além do álbum, está sendo pronto um documentário que traça um retrato de Luiz Carlos a partir das canções do disco e de seu processo de gravação. A direção é de Cassius Cordeiro, e o projecto é que o lançamento seja junto com o do álbum.

“Esse processo todo é profundamente emocionante desde o início, porque a filha e a viúva de Luiz nos entregaram isso com mãos de jardineiro, sabe? Uma coisa assim, muito carinhosa”, diz Augusto, antes de perceber que ele citava, sem se dar conta, uma letra do compositor, de outra melodia inédita.

“É uma homenagem ao Cartola que não entrou no disco. A certa profundidade, um verso diz que ‘ele tratava o samba com mãos jardineiras’”, conta Cláudio, parceiro de Luiz Carlos na música. Ou seja, no baú há material para um “volume dois”, confirma Cláudio. “Tem um monte de música boa ainda, inclusive parceria com artistas de diferentes setores da MPB, porquê Marcos Valle.”

Folha

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