A cerimônia de repatriação do véu tupinambá foi marcada por debates entre lideranças indígenas e o presidente Lula na noite desta quinta-feira, no Museu Pátrio, no Rio de Janeiro, onde a peça ficará exposta.
O presidente rebateu o manifesto assinado por 23 aldeias da Bahia a reverência da insatisfação dos indígenas em relação à transporte da tarifa indigenista pelo governo federalista. O texto tem ainda críticas ao Congresso Pátrio e ao Judiciário, pela aprovação da lei do marco temporal.
“Se tivesse o poder que ela pensa que eu tenho, não estaria cá comemorando um véu. Estaria comemorando a vida de milhões de indígenas que morreram neste país, escravizados pelo colonizador europeu”, disse Lula, direcionado a Yakuy Tupinambá, anciã e liderança indígena de Olivença, na Bahia.
Em seu exposição, por sua vez, Yakuy quebrou o protocolo e ultrapassou o limite de três minutos de fala para o ler o manifesto. A anciã chamou Lula de “rebento da dona Lindu”, uma vez que era conhecida Eurídice Ferreira de Mello, mãe de Lula e de seus dois irmãos.
“Reiteramos nossa insatisfação com a postura colonizadora personificada pelo Estado brasílico, através das autarquias representativas que, mais uma vez, dilaceram nossos direitos originários e, muito mais que isso, feriram profundamente o que mais prezamos —a nossa crença e a nossa fé”, diz um trecho do manifesto.
“Nós somos violados há muito tempo, mas, ultimamente, o Estado e instituições patrimonialistas desencadearam uma retirada de direitos, com atentados contra a honra e a manutenção da vida. Temos hoje o pior Congresso da história, um Judiciário egocêntrico e parcial, e um governo enfraquecido, algemado às alianças e conchavos para se manter no poder. Não respeitam as leis nem os tratados e convenções internacionais. Vivemos uma democracia distorcida”, acrescentou Yakuy no exposição.
Lula foi a última pessoa a discursar no evento. Ele aproveitou para agradecer ao governo da Dinamarca pela restituição do véu, que estava na Europa desde o século 17, e exigiu ao governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, do PT, a construção de um espaço para receber o véu, em uma sinalização à realocação da peça para o estado dos tupinambás.
“Eu queria exclusivamente que a companheira que falou cá [Yakuy] mudasse o seu exposição. Cá não tem subserviência para permanecer no poder. Não preciso disso. Basta saber que eu tenho um partido com 70 deputados entre 513, eu tenho nove senadores entre 81, e para confirmar as coisas sou obrigado a conversar com quem não gosta de mim”, afirmou Lula.
“Eu tenho certeza que ele [Jerônimo] tem a obrigação e o compromisso histórico de edificar na Bahia um lugar que possa receber esse véu e o preservar para que não seja extinto”, acrescentou Lula, finalizando o exposição.
O presidente comparou a tarifa indigenista de seu governo em relação ao de Jair Bolsonaro e afirmou que é contra a tese do marco temporal, de que os indígenas só têm recta ao território se estivessem ocupando aquele lugar no ano da Constituição, 1988.
Também participaram da cerimônia a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidente da Funai (Instauração Pátrio dos povos Indígenas), Joenia Wapichana, a deputada federalista Célia Xakriabá, do PSOL, a diretora do Museu Pátrio dos Povos Indígenas, Fernanda Kaingang, e outras autoridades.
O véu sagrado apareceu somente em um vídeo limitado no telão instalado ao fundo do palco, com a narrativa de lideranças tupinambás e representantes do Museu Pátrio, que tem a tutela da peça.
Insatisfação com o governo
Não é de hoje que os indígenas manifestam insatisfação com a transporte da tarifa indigenista pelo governo federalista. Depois de o cacique Raoni Metuktire subir a rampa do palácio do Planalto, em Brasília, em ato simbólico durante a posse do presidente Lula, a política tomou um rumo dissemelhante do que eles esperavam.
Em maio do ano pretérito, o governo desidratou as pastas de Marina Silva (Meio Envolvente e Mudanças Climáticas) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas), o que gerou uma vaga de protesto.
No ano pretérito, o governo descumpriu a promessa de demarcar seis terras indígenas e demarcou exclusivamente duas. Procurada pela Folha na idade, a Vivenda Social afirmou que, “por cautela”, optou por “agir com maior segurança social e jurídica”.