Durante um show em Novidade York no último mês de janeiro, Madonna discutiu sua relação com a cidade. Disse que sempre sonhou em morar lá, mas chegou à metrópole americana ingênua, sem conexões, tarefa, numerário e teto —”uma idiota com US$ 35 no bolso”, em suas palavras.
De 1978, quando deixou a faculdade de dança no estado americano de Michigan para buscar o sonho de ser uma estrela, a 1982, quando lançou o primeiro single, “Everybody”, Madonna viveu o melhor e o pior daquela Novidade York. Roubou, comeu comida do lixo, dormiu com baratas e viveu de favores. Também teve uma orquestra punk, dançou hip-hop nas boates e conviveu com gente do calibre de Jean-Michel Basquiat.
Foi quando ela trocou a dança pela música e, segundo a biógrafa Mary Gabriel, formou as bases do que viriam a ser as quatro décadas de uma das carreiras mais importantes da cultura pop, celebradas no show que chega ao Brasil no próximo sábado, na praia de Copacabana, onde a organização espera receber murado de 1,5 milhão de pessoas.
“Se você quer entender Madonna, tem de voltar ao período em Novidade York na viradela para os anos 1980. Foi lá que ela nasceu”, diz Gabriel. O retrato dessa quadra está em seu livro, “Uma Vida Rebelde”, lançado no ano pretérito nos Estados Unidos e que nesta semana chega às livrarias brasileiras traduzido pela BestSeller.
Madonna sempre foi claro de uma cobertura intensa da prensa. Mas, antes de seu primeiro álbum, não era ninguém. São poucos os registros dos anos iniciais de sua vida adulta.
“Consegui relatos de gente desse período em Novidade York que nunca falou sobre Madonna”, diz a biógrafa. “A história de porquê ela emergiu daquela cena das boates é contada por gente que não a conhecia recta, que a viram num clube e tiveram algumas impressões. Encontrei gente realmente próxima de Madonna e de seu melhor companheiro, Martin Burgoyne, que morreu aos 23 anos.”
Entre elas está Marcus Leatherdale, fotógrafo que tinha bom trânsito na cena cultural da cidade e apresentou Madonna a Andy Warhol. Também Catherine Underhill, a outra melhor amiga de Burgoyne, e que morava com Haoui Montaug, rabi de cerimônias do clube Danceteria —epicentro da juventude mais artística e descolada da quadra. A biógrafa ainda teve aproximação à íntegra das entrevistas que a cantora deu a jornalistas de publicações menores.
Madonna tinha 19 anos quando pegou o primeiro táxi em Novidade York e pediu que a deixassem “no núcleo de tudo”. Desceu na Times Square e teve ajuda de um varão incógnito, que a abrigou por alguns dias. Iniciou portanto um período de quatro anos em que a cada um ou dois meses trocava de teto —na maioria das vezes, ocupava um quarto ou colchão na morada de um companheiro ou sabido, ou um apartamento invadido.
No livro de Gabriel, não são poucos os relatos de gente que a visitou notando o cheiro de mofo, móveis quebrados e sujos ou a quantidade de baratas nos locais em que ela dormia. Certa vez, Madonna se mudou porque o colega de quarto a estava pressionando para transar. Em outra ocasião, sobre um apartamento insalubre em Hell’s Kitchen, chegou a declarar que era sempre “confundida com uma prostituta”.
Não é porquê se a portanto futura estrela pop se importasse muito. “Ela tinha um libido ardente de se tornar a Madonna que conhecemos”, diz Gabriel. “Foram dadas a ela muitas oportunidades de relaxar e concordar ajuda, pegar o caminho fácil, mas ela sempre dizia ‘não é quem eu sou’.”
Uma dessas oportunidades aconteceu quando um grupo de empresários a levou a Paris para a treinar e depois a lançar porquê cantora. Ela viveu meses de luxo na capital francesa, mas não gostou nem do comportamento blasé dos intelectuais com quem conviveu nem do caminho que queriam dar à sua curso. Preferiu a pobreza em Novidade York.
Segundo a biógrafa, tem a ver com a puerícia de Madonna no interno de Michigan. “Ela perdeu a mãe quando tinha cinco anos”, diz. “Nessa idade, as pessoas sucumbem ou buscam dentro de si forças para mourejar e se tornam duras. Ela era uma pessoa potente desde cedo e via sua música e performance porquê válvula de escape. Queria fugir da família, de Michigan, e nunca olhou para trás.”
No palco em Novidade York neste ano, Madonna se lembrou de quando, há mais de 40 anos, encontrou um incógnito na metrópole. “Não era exatamente o meu tipo, mas transei com ele mesmo assim, e a razão é que ele tinha uma orquestra e ia me ensinar a tocar guitarra.” Depois, disse que acabou namorando o rapaz. “Não me pergunte o porquê.”
Aquele rostro é Dan Gilroy, com quem Madonna namorou e morou numa velha sinagoga no Queen’s com um estúdio no porão. Ela posava para que ele a pintasse, e ele a ensinou a tocar guitarra, bateria e teclado.
A biógrafa teve aproximação a uma fita íntima dos dois conversando. “Eles estão na leito, é de manhã e conversam de um jeito fofo”, diz. “Ela fala com essa vozinha de pequena dizendo ‘vamos levantar e transpor para passar’.”
Além de tocar, Madonna começou a conceber —fez “I Love New York”, lançada em 2005, nessa quadra— e entrou para a orquestra de Gilroy, chamada Breakfast Club. Tocava bateria, teclado e cantava. “Tinha muita virilidade acumulada de tanto permanecer em Paris sendo uma francesa mimada”, ela diz, em fala recuperada no livro.
O estilo deles era um tanto entre o punk e a new wave, que estavam em ebulição no término dos anos 1970 em Novidade York. O grupo chegou a se apresentar no CBGB, meca do punk americano e palco frequente para gente porquê Blondie, Ramones e Talking Heads naquela dezena. No meio do show, diz o livro, Madonna se estranhou com alguém na plateia que assoviou para a baixista de sua orquestra.
Naqueles anos, durante ou depois do Breakfast Club, a mulher que se tornaria a rainha do pop tinha visual androginóide, cantava gritando, quebrava coisas e se banhava com champanhe no palco. “Ela pegou a liberdade do punk”, diz a biógrafa.
“Ninguém precisava saber tocar um instrumento para estar numa orquestra. A música podia ser qualquer coisa e você podia ser muito maluco no palco. Se fosse uma cena mais enxurro de regras, ela não se encaixaria. Acho que ela é uma pequena punk até hoje.”
Depois de transpor da orquestra e deixar Gilroy, ela reencontrou Stephen Bray, ex-namorado e companheiro músico com quem viria a trabalhar ao longo da curso. Madonna estava sem teto porque um aquecedor elétrico havia queimado o carpete onde ela dormia num apartamento invadido.
Eles passaram a permanecer no Music Building, prédio com 69 estúdios. Dormiam sobre espumas de borracha e acordavam com o fragor dos ensaios. Bray diz que costumavam revirar o lixo detrás de um saco de fast food. Tomavam banho na pia e usavam a mesma roupa todo dia.
Madonna conseguia comida e numerário roubando lojas de conveniência, posando nua para pintores ou enganando homens. “Deixava um idiota me invocar para jantar e pedia uns US$ 100”, ela diz em trecho do livro.
Madonna conseguia as coisas por meio de troca de favores —ou da sedução. Flertava com sua primeira empresária para a convencer a fazer o que queria e a deixou quando a mulher a quis vender porquê roqueira.
“Ela enganou empresários, namorados, enfim, mas não ‘transou seu caminho até o sucesso’”, afirma Mary Gabriel, a biógrafa. “Ela usava a sedução, mas as pessoas a queriam ajudar. Tinha um talento procedente e, evidente, era muito formosa.”
Em 1981 e 1982, Madonna já se apresentava sozinha e tinha gravado fitas demo com Stephen Bray. Executivos de gravadoras queriam sexo em troca de contratos, e ela negava. Nessa quadra, a cantora já havia desvelado as boates e a cena do hip-hop e da dança urbana. Passou a encontrar que, em vez dos engravatados, deveria popularizar suas fitas pelos DJs.
Madonna encontrou um universo encantador nas boates. Frequentava três delas —a Paradise Garage, a Danceteria e a Roxy. Nessa última, ficou amiga de grafiteiros e artistas lendários porquê Fab 5 Freddy e Futura 2000, leste último um de seus namorados.
O Roxy, disse Freddy a Gabriel, unia o hip-hop do Bronx com o punk do núcleo, e “os caras de moicano ficavam lado a lado com os b-boys”. O rap crescia com “The Message”, de Grandmaster Flash, e “Planet Rock”, de Afrika Bambaataa, seus primeiros hits.
Madonna era sensação no “webo”, um passo de dança, e ela e suas amigas ficaram conhecidas porquê as “‘webo’ girls”. Eram “as únicas brancas que podiam dançar ‘webo’ na Roxy”, segundo a cantora. Freddy diz que ela não era “uma mulher branca qualquer que dormia com qualquer rostro, era mais inteligente que isso”.
É um tanto que acabou na estética de Madonna. Em 1982, a gravadora não sabia se “Everybody”, seu primeiro single, deveria ser divulgado a negros ou brancos —o que era importante na quadra. Saiu com uma envoltório ambígua, sem mostrar o rosto da artista.
“Ela amadureceu artisticamente nessa quadra, e sua música tinha muito mais a ver com Afrika Bambaataa do que com rock”, diz Gabriel. “Não só na Roxy, ela vivia no meio de caras durões —brancos ou negros, héteros ou gays, latinos ou americanos. Era gente da rua.”
Se a Roxy absorvia a cultura underground de Novidade York, a Danceteria era onde estavam os executivos de gravadora e artistas mais estabelecidos. Madonna frequentava o espaço com Martin Burgoyne —seu “duplo”, segundo a biógrafa. Eles trabalhavam de bartender num bar sem alvará chamado Lucky Star, de onde roubavam numerário do caixa para financiar suas aventuras.
Madonna já estava com “Everybody” em rotação no rádio, mas não tinha numerário. Morava numa rua caótica, que, segundo o irmão, Christopher Ciccone, parecia “Blade Runner”, com ratos em todo quina, traficantes nas ruas e gente arrombando casas. Eles viviam comendo atum com biscoitos. “Não olhe ninguém nos olhos e, mais importante, ande porquê se fosse daqui.” Foi o parecer que ele recebeu da mana.
No término de 1982, Madonna passou a namorar Jean-Michel Basquiat e, durante uma viagem dele a Los Angeles, usou seu apartamento em Novidade York para gerar as músicas de seu primeiro álbum, lançado em julho do ano seguinte. Foi ali onde ela finalizou canções porquê “Burning Up”, “Borderline” e “Physical Attraction”, entre outras. Àquela fundura, Madonna era, na percepção de jornalistas britânicos da quadra, “uma branca que soava porquê negra e exalava sexo, mas se vestia porquê varão”.
É desse caldo que nasceu a estrela que chacoalhou o mundo nos anos seguintes e que vai trovar no Rio de Janeiro para uma poviléu no próximo sábado. Segundo Gabriel, mais do que uma mera influência cultural ou estética, aquela Novidade York efervescente ofereceu à cantora um sentimento que ela continuou buscando durante toda a sua curso. Nas palavras da jornalista, porquê “a primeira ração de uma droga muito boa”.
“Ela pode estar fazendo residência em Las Vegas ou ganhando milhões de dólares, mas vai continuar querendo encontrar esse lugar experimental no limite da arte para desenredar um tanto novo”, afirma a biógrafa. “De certa forma, está sempre detrás daquela primeira comunidade, daquele caos. E ela acaba encontrando esse sentimento —só que, agora, acha em outros lugares.”