Das nove escolas de samba do Grupo Próprio do carnaval carioca que já divulgaram o enredo de 2025, sete levarão para o sambódromo da Marquês de Sapucaí temas ligados à negritude e personalidades negras.
Isso significa que mais da metade das 12 escolas (três ainda não fizeram pregão) terão, de alguma forma, assuntos referentes à afrodescendência na Passarela do Samba.
A divulgação mais recente é da Estação Primeira de Mangueira, na última quinta-feira (25). A escolha foi pelo enredo À Flor da Terreno – No Rio da Negritude entre Dores e Paixões.
“Escavando o pretérito, seguimos os vestígios da viva presença negra na região meão do Rio de Janeiro desde a influência do povo bantu até a verdade atual dessa população. São corpos assolados pelo apagamento de suas vidas, vivências e possibilidades”, explica a escola no X (macróbio Twitter).
Segundo o responsável do enredo, o carnavalesco Sidnei França, a escola se propõe a restaurar “tramas envolventes de personagens inspiradores calados pelo tempo, além de valorizar os saberes e práticas da população negra”.
APRESENTAÇÃO DO ENREDO
A Estação Primeira de Mangueira apresenta para o carnaval de 2025 o enredo “À Flor da Terreno – No Rio da Negritude entre Dores e Paixões”. Escavando o pretérito, seguimos os vestígios da viva presença negra na região meão do Rio de Janeiro, + pic.twitter.com/dt64YAvGGm
— Estação Primeira de Mangueira (@gresmangueira) April 25, 2024
Valongo
O enredo faz referência ao Cais do Valongo, maior porta de ingressão forçada no Brasil de africanos escravizados. O hoje sítio arqueológico fica na região conhecida uma vez que Pequena África, meio do Rio de Janeiro, que reúne traços históricos da presença africana no país.
Nas palavras da segunda maior campeã do carnaval carioca, com 20 títulos, a região é um “registo a firmamento simples e cenário de contraste entre tantas dores e paixões que forjaram a identidade da cidade”.
“Essa região carrega na memória, desde sempre, a cruel violência, mas também experiências de revolucionária liberdade e reinvenção da vida. Atrevida por núcleo, a espírito carioca desafia a morte, celebra a vida e faz carnaval!”, conclui a virente e rosa.
Salgueiro
Outra escola que anunciou o enredo 2025 recentemente foi a Acadêmicos do Salgueiro. O título Salgueiro de Corpo Fechado foi divulgado no último dia 19. O enredo idealizado pelo carnavalesco Jorge Silveira vai explorar a relação humana com a procura pela proteção místico.
“Esse enredo reflete a espírito e a ancestralidade que o Salgueiro tanto valoriza. A frase ‘corpo fechado’ está enraizada em diversas correntes religiosas. Vamos apresentar uma abordagem carnavalesca desses ritos e rituais”, explica o carnavalesco.
“De corpo fechado”: preparo o tacho de óleo de oliva, arruda, guiné, alecrim, carqueja, alho e cravo. Com o sinal da cruz na fronte, no peito, nas mãos e nos pés, levo para a Avenida a história e a cultura do fechamento do corpo. Na maior encruzilhada do mundo, a Marquês de… pic.twitter.com/KTNtdEH5LA
— Acadêmicos do Salgueiro (@Salgueiroficial) April 19, 2024
No vídeo de apresentação, publicado nas redes sociais, uma das matriarcas da escola, a presidente da Lado das Baianas do Salgueiro, Tia Glorinha, encena tradições de origem afro, uma vez que defumação de envolvente e benzimento, com referência a orixás.
“Sem terror de macumba, sem terror de quiumba. Salvem os velhos mandingueiros, os velhos feiticeiros!”, exalta a publicação.
Afrodescendência
As outras escolas de samba que já tinham anunciado enredos ligados à negritude e personalidades negras são Unidos do Viradouro, Portela, Imperatriz Leopoldinense, Paraíso do Tuiuti e Unidos da Tijuca.
Atual campeã, a Viradouro levará para o sambódromo o enredo Malunguinho: o Mensageiro de Três Mundos, que conta a história de um líder de quilombo que aprendeu com indígenas, há 200 anos, o sigilo da força das ervas.
Sobô Nirê Mafá! 🪇🪘
Assim é saudado “Reis Malunguinho”.
E é com a companhia poderosa dessa entidade afro-indígena, que se manifesta uma vez que Mestiço, Rabino e Exu/Trunqueiro, que a Viradouro dá início à jornada rumo ao Carnaval 2025. pic.twitter.com/xtBqoT2IjJ
— Unidos do Viradouro (@gresuviradouro) April 8, 2024
A escola explica que a história de Malunguinho se passa em Pernambuco, na primeira metade do século 19. “O quilombo do Catucá era foco de resistência e viu seu último líder, João Batista, o Malunguinho, ser duramente perseguido por seus atos libertários”.
A Paraíso do Tuiuti divulgou que contará a história de Xica Manicongo, considerada a primeira travesti do Brasil. Nascida no Congo, Xica foi escravizada e levada para Salvador no século 16.
Maior campeã do carnaval carioca, com 22 conquistas, a Portela vai homenagear um dos mais importantes artistas negros do país, o cantor e compositor Milton Promanação.
A Unidos da Tijuca apresentará um enredo sobre Logunedé, as histórias sobre o menino respeitado pelos mais velhos, conforme a sabedoria vocal dos candomblés, que levará ao público um pouco sobre a diáspora africana.
Atual vice-campeã, a Imperatriz Leopoldinense contará a história da ida de Oxalá ao reino de Oyó com a intenção de visitar Xangô.
Histórias de resistência
Professor de história comparada na Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ), o babalawô (título de sacerdote na religião iorubá) Ivanir dos Santos comemora a predominância de assuntos ligados à negritude no carnaval carioca.
“Em um cenário de muita intolerância religiosa, muito racismo no Brasil, é importantíssimo que as escolas de samba tragam histórias que contam as resistências culturais, sociais, políticas e espirituais dos seus fundadores”, disse à Dependência Brasil.
“As escolas foram criadas justamente por sacerdotes e sacerdotisas, ogãs e baianas que eram ligados à nossa religiosidade, nossa espiritualidade. Não há uma delas que não tenha as suas raízes nessas resistências que estão sendo contadas”.
Ivanir lembra que algumas escolas de samba levam esses temas para os desfiles desde a dezena de 1960 e que agora são muitas escolas.
Ele ressalta que o carnaval carioca tem enorme visibilidade no Brasil e no mundo, e enredos ligados à afrodescendência ganham ainda mais relevância no momento em que Portugal reconhece que a escravidão foi um delito que deve ser reparado.
“Trazer essas pautas é muito importante para a luta antirracista no Brasil e para a pundonor dos povos de terreiros, assim uma vez que os quilombolas, uma vez que as mulheres. É muito importante para uma democracia de indumento da qual o Brasil precisa”, considera o interlocutor da Percentagem de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e Mentor Consultivo do Cais do Valongo.
Outras escolas
Outras duas escolas de samba anunciaram enredos para o carnaval 2025 não ligados diretamente à temas afro.
A Beija-Flor de Nilópolis homenageará Laíla, carnavalesco, diretor de carnaval e um dos grandes campeões do carnaval carioca, que morreu em 2021, em decorrência da covid-19. Laíla, aliás, era seguidor da umbanda e sempre era visto com diversas guias no pescoço, uma forma de proteção, conforme ele acreditava.
A Acadêmicos do Grande Rio terá uma vez que enredo o estado do Pará.
As agremiações Mocidade Independente de Padre Miguel, Unidos de Padre Miguel e Unidos de Vila Isabel ainda não divulgaram os enredos de 2025.