Maitê Proença: Encanto Da Globo Pela Juventude é Colonial

Maitê Proença: Encanto da Globo pela juventude é colonial – 17/01/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Maitê Proença garante que o impulso é mais poderoso. Próxima dos 67 anos, que completa em 28 de janeiro, a atriz não se furta de se posicionar diante de questões delicadas, mesmo correndo o risco de ser cancelada.

Exemplo: antes de espessar o coro de críticas à gestão de Regina Duarte uma vez que secretária da Cultura de Jair Bolsonaro, ela pediu à classe artística para acolhê-la, o que lhe valeu uma imagem de bolsonarista que nunca cultivou. “Havia ali uma mulher que nós conhecemos e não era uma totalidade estranha”, disse.

Outro: em seguida assumir o namoro com a cantora Adriana Calcanhotto, disse preferir que ela fosse um varão —”Para essa atividade sempre gostei mais de varão”—, o que lhe custou criminação de lesbofobia.

“Já pensei muitas vezes em medir as palavras, mas a coisa sai porque parece precisar ser dita, tem vida própria. Eu devia florear, explicar tipo ‘vovó viu a uva’, mas fui criada entre gente dura e anglo-saxões, não aprendi os floreios”, diz ela à Folha.

Porquê escudo protetor, Maitê procura na arte o caminho para expor opiniões sinceras. Foi assim com “O Pior de Mim”, solo autobiográfico montado em 2022, e agora com “Duas Irmãs & Um Matrimónio”, ácida comédia do inglês Peter Quilter que chega ao Teatro Faap, em São Paulo.

O público acompanha o reencontro de duas irmãs, Catarina, papel de Maitê, e Rosa, vivida por Debora Olivieri, ambas na tira dos 60 anos, que se reúnem em uma vivenda de campo para organizar um casório. Enquanto Catarina, sofisticada e bem-sucedida, enfrenta os desafios de seguidos divórcios, Rosa, solteira e independente, traz uma perspectiva não convencional à própria vida.

Sabido por fabricar espetáculos dominados por protagonistas femininas —foi assim com “Gloriosa”, encenado no Brasil por Marília Pêra, e “Além do Círculo-Íris”, biografia de Judy Garland estrelada por Claudia Netto—, o dramaturgo britânico repete cá a mesma risca dramática, com personagens mais velhas e com uma escrita sem travas, ignorando as convenções.

“Quilter foi muito feliz em optar por uma relação entre irmãs. Elas dizem coisas divertidas, mas abomináveis. As cutucadas ultrapassam os limites que seriam aceitos em uma relação de amizade. Mas, entre irmãs, o público tolera e até se diverte, pois descansa dos excessos do politicamente incorreto. Ali, é provável rir de barbaridades”, diz Maitê.

As irmãs se alfinetam o tempo todo, trocam ofensas atribuindo os esquecimentos à vetustez, brincam com questões do corpo e dos relacionamentos equivocados, além de adotar, mesmo sob autocríticas, dependências químicas que tornam suas vidas suportáveis.

“A leveza e o humor são a melhor forma para se abordar esses assuntos no teatro. Principalmente nos dias atuais, com o público sobrecarregado de frustrações, em um mundo instável e mutante difícil de se compreender”, afirma a atriz, satisfeita por encontrar um papel adequado para sua tira etária.

Segundo ela, o viço da juventude ainda fascina, principalmente no Brasil, onde redes sociais e meios de notícia sedimentam uma legado perpetuada há séculos.

“O viço da juventude encanta, e no Brasil ainda mais, uma vez que no Rio de Janeiro, onde vivo, e onde a Mundo, maior rede de entretenimento e divulgação de nossa cultura, se fez”, diz ela. “É uma legado do período colonial, onde a gente ria para deleitar ao rei, tudo que era semblante, tudo o que estava na superfície era mais valorizado. Uma pesquisa do que está em papeleta no teatro da França revela um apreço maior pelo teor e pela experiência dos intérpretes.”

A questão também é governamental e, embora não critique diretamente a gestão da ministra Margareth Menezes, Maitê encontra graves lacunas na pasta da Cultura.

“Há muitas décadas, temos um país lamentavelmente fraco em instrução. Esse equívoco produz pessoas despreparadas para pensar com a própria cabeça, sem referências e sem o instrumental para encarregar nas próprias ideias”, diz ela.

“A [gestão da] Cultura poderia amenizar essa deficiência com critérios voltados à formação de seres humanos menos vulneráveis aos modismos de fora, valores fincados no que há de mais legítimo e próprio da nossa sociedade. A globalização está incentivando o que temos de pior”, acredita.

A curso de escritora também foi um caminho encontrado por Maitê para “liberar seus demônios”. Foi assim com o romance “Uma Vida Inventada” e principalmente com “O Pior de Mim”, o solilóquio que transformou em livro para acoitar fatos delicados que ficaram longe do palco, uma vez que detalhes de tragédias pessoais.

Aos 12 anos, Maitê precisou enfrentar a trágica morte da mãe, assassinada pelo pai ciumento. Anos depois, em 1989, o pai se suicidou e, em seguida, foi a vez do irmão adotivo tirar a própria vida. As lembranças inspiradoras agora são mais leves. “Estou compilando histórias infantis. Tenho três netas atualmente, e uma a caminho. Narrativa histórias sem parar. Algumas são boas e poderiam virar livros ou animação. Veremos.”

Folha

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